quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Angola: “UM POLÍTICO QUE DEIXA DE SONHAR SER PRESIDENTE DEVE SER EXCLUÍDO”




O advogado David Mendes e presidente do Partido Popular (PP) não acredita que a promoção do chefe dos serviços secretos de Luanda, António Vieira Lopes 'Tó', a grau de general, enquanto se encontra detido, seja uma iniciativa do Presidente.

David Mendes diz que o PR agiu inteligentemente ao despromover o oficial, numa entrevista onde aborda uma série de questões sobre o país e o seu partido.

Como analisa o desempenho da PGR no caso Cassule/Kamulingue?

Para ser sincero, dos poucos casos polémicos que já passaram pelas nossas mãos, este é aquele em que nós sentimos que houve uma acção muito empenhada do Ministério Público (MP), particularmente da DNIAP. Quem ler aqueles montões de processo, são cinco ou seis volumes, dá conta que houve um trabalho extremamente técnico. Poucas vezes, se vê isto entre nós. Houve um empenho da procuradoria, em não só buscar culpados, mas as razões que os levaram a dizer que é A ou B. O processo está bem estruturado tecnicamente, com elementos de provas muito bem-feitos. O resto só o tribunal dirá. Mas, neste caso, o MP empenhou-se muito.

Não há razões para críticas?

Ao contrário do que muita gente tem criticado, o facto do Ministério Público enquanto representante do Estado ter-se manifestado aberto para arranjar uma vivenda para os filhos do Cassule e do Kamulingue, e de estar a pensar num subsídio para os filhos de Cassule e Kamulingue é uma boa iniciativa. Tem havido muitas críticas quanto a esse papel do MP, mas nós estamos de acordo. Todo o mundo criticava porque a famílias do Cassule e de Kamulingue não tinham onde ficar amparadas. O MP conseguiu criar condições para oferecer duas residências para essas pessoas lá vieram algumas pessoas dizer que não podia ser. Este era o caminho certo.

Neste caso, o apoio do MP não é uma compensação antecipada?

Isso é possível, porque quem acusa é o Ministério Público. Se é o MP, quem acusa, tem a convicção de que foram indivíduos que agiram enquanto funcionários do Estado, se o artigo 75ª da Constituição da República de Angola diz que o Estado é responsável civilmente pelos actos praticados pelos seus agentes, então, o Estado chama a ele essa responsabilidade. O Código Penal também não afasta a possibilidade de as partes negociarem aquilo que pode ser a compensação ou a indemnização, porque aqui já estamos no domínio cível, onde há a autonomia da vontade das partes.

Acredita que os indiciados são os verdadeiros autores do crime?

Só o julgamento vai determinar. E a própria lei é clara: enquanto a decisão não transitar em julgado, eles são inocentes, há a presunção de inocência. Cabe ao juiz da causa, perante os factos, decidir se são culpados ou não, condenar ou absolver. E aí, depois, estão os advogados que podem recorrer.

De quem acha que foram as ordens de assassinato dos dois manifestantes?

Durante o processo, acho que vamos chegar lá. O resto é história e não podemos ir em histórias. Vamos aos factos e os factos vão determinar o que há.

Qual pensa ser o envolvimento do ex-director do SINSE e anterior ministro do Interior, Sebastião Martins, neste caso?

Por ser advogado na causa não quero pronunciar-me sobre essa matéria. No decorrer do julgamento, vocês estarão na sala, poderão acompanhar e, no final, o tribunal vai deliberar.

Acredita que o PR foi enganado ao nomear Vieira Lopes como oficial general?

Eu, desde o princípio, disse isso e até disse que iriam rolar cabeças. Não passava pela minha cabeça que o PR soubesse daquele facto e quisesse agir daquela maneira - graduar uma pessoa num momento em que estava preso e naquelas circunstâncias. Em momento nenhum, eu acreditei que aquilo fosse iniciativa do PR. Como houve vários despachos, acredito que introduziram esse no meio. O Presidente só assina. Tem um corpo de pessoas que prepara tudo e que vai até si para despacho. Ele agiu sem conhecimento. E o Presidente reagiu bem ao anular o seu próprio despacho. E veja que não temos tradição disso, o Presidente alterar o seu despacho. Para a leitura de uma pessoa atenta, o Presidente quis dizer: Eu não subscrevo o comportamento destes indivíduos. É uma leitura rápida. Inicialmente, todos dizíamos que se o Presidente fez isso, era porque queria acobertar, mas o Presidente veio dizer: Eu não me vinculo a isso. É a atitude que se esperava de um Chefe de Estado. Uma atitude inteligente, porque podia dizer já está decidido e o supremo que tome a decisão que achar conveniente.

A pressão popular também ajudou?

Acredito que não. Porque o PR não age sobre pressão popular. E a experiência tem-nos levado a isso. Ele quando age, é com frieza. Todos conhecemos o José Eduardo enquanto Presidente e vemos que ele é uma pessoa não emotiva. Ele aparenta muita serenidade. Então, ele decidiu nesse caso e de forma inteligente afastar-se e deixar que os tribunais decidam, conforme a lei e segundo a consciência.

O que pensa do desfecho do «Caso Frescura»?

Nós recorremos ao Tribunal Constitucional e achamos estranho estar a demorar tanto. O Tribunal Constitucional tem sido célere, mas neste caso está muito demorado. O que é que se está a passar? Não sabemos. Mas este não é o nosso último recurso. Se eventualmente, perdermos no Tribunal Constitucional, porque nós até demos entrada antes de uma queixa na Comissão Africana dos Direitos Humanos, vamos levar essa matéria para lá.

Não se sente responsável pela libertação dos polícias por ter interposto um recurso para o Tribunal Supremo, a pedir o agravamento da pena?

Não. Em todas as penas superiores a cinco anos, o recurso é obrigatório. E mais. Ao não usar o recurso neste processo, como fizemos, estaríamos a aceitar aquilo que não é de acordo com a nossa consciência.

Diante de uma possível declaração de inocência pelo Tribunal Constitucional, como fica a responsabilização dos verdadeiros autores?

Se nós perdermos, embora o advogado não perca, no Tribunal Constitucional, ainda temos um recurso para a Comissão Africana dos Direitos Humanos.

E caso lá também percam? 

Precisamos primeiro do plano interno para irmos ao plano internacional. Isso, faz parte das regras processuais, quer da Comissão Africana dos Direitos Humanos, quer da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

Insistindo. Transitado em julgado, o MP deverá abrir um outro processo para encontrar os autores do crime?

Pode. Pelo facto de ter-se chegado à conclusão de que houve uma má instrução, o processo pode ser reaberto contra pessoas incertas e recomeçar tudo do zero. Só que essas pessoas que foram absolvidas já não poderão ser arguidas. Agora, também há outra questão. Se chegarmos à conclusão, pelo Tribunal Constitucional, que o Tribunal Supremo andou bem e se tomarmos que esse andou bem como causa bastante de terem sancionado o juiz Tito, então, o Estado vai responder por erros dos seus agentes.

Foi patrono de William Tonet. O que achou do facto de lhe ter sido retirada a carteira de advogado?

Não lhe foi retirada a carteira porque ainda não lha tinham dado. Ele tinha a carteira de advogado estagiário e esperava ter a carteira de advogado definitivo. Algumas questões que ocorrem são decisões emocionais. No caso William Tonet, acredito que todas as pessoas (….) que estudaram naquela universidade foram fruto de uma decisão administrativa. O William Tonet só foi vítima do sistema.

Recentemente, saiu um Acórdão do Tribunal de Justiça Arbitral em Mediação do Estado brasileiro, onde se diz que a decisão do Ministério do Ensino Superior é ilegal. Até que ponto esta decisão vincula a UAN e o Estado angolano?

Precisava primeiro saber o que é que dizia o acordo, como se resolvem os diferendos. Se o acordo disser que os acordos são resolvidos por mediação, então, o Estado angolano, se não admitir recurso, vai ter de acatar a decisão dos árbitros.

Afinal, William Tonet é ou não advogado?

Neste momento não, porque falta-lhe um requisito, que é a carteira profissional. Você não pode ser médico se não tiver a carteira profissional.

Como avalia o estado do segredo de justiça?

Existe muito segredo que não devia ser segredo. E existem coisas que deviam ser segredo e que não são. Tornam-se públicos antes. O segredo de justiça é uma arma de dois gumes. Se a parte interessada não tiver conhecimento prévio do que se está a passar consigo, cada um diz que isto está em segredo de justiça e investigam a sua vida. Não pode. A partir do momento que o cidadão é indiciado, em que há uma investigação prévia e um indício, é preciso que o cidadão saiba que está indiciado. E aqui, isso não ocorre assim. Chega-se até ao ponto de uma pessoa ser chamada, por exemplo, à investigação criminal e perguntar quem me está a acusar e dizerem está em segredo de justiça.

Se não obtiver respostas?

Nesse caso, reserva-se ao direito de não responder. E não pode dizer que isto está em segredo de justiça. Já não está. A partir do momento em que há alguém indiciado, essa pessoa tem de ter esses elementos para começar a preparar a sua defesa. Eu não posso preparar a minha defesa quando só vou ter acesso ao processo no tribunal.

Como encara a relação muito próxima entre a PGR e os magistrados judiciais?

Nós já questionámos muitas vezes isso. Às vezes, entramos numa sala em que vemos o juiz conversar com o procurador. Não pode, porque existem duas partes. Existe a defesa do réu e a defesa do Estado, quem tem a acusação. E o juiz é uma pessoa neutra, está ali para valorar os elementos que as duas partes trazem à discussão. Agora, quando o juiz já está a conversar e até, às vezes, a concertar: Vamos só lhe dar um mês. Estás de acordo? Estou. E está feito. Não pode.

Acredita que a lei que visa substituir a prisão preventiva surtirá efeitos?

As reformas são necessárias porque as leis que nós temos têm muitos anos de existência. A vida é dinâmica e a legislação deve acompanhar esse dinamismo. Essas alterações pontuais da lei são sempre necessárias.

A redução da idade penal é uma solução no combate à criminalidade? Eu discordo totalmente. 16 anos para mim é o ideal. E mais. Nós até violamos um princípio. Até aos 18 anos é-se menor, embora se seja criminalmente responsabilizado. O próprio Código Penal diz que os menores não devem ser misturados com os adultos nem devem ser levados para as comarcas, mas sim para centros de reeducação.

O que fazer então? Precisamos ir à essência. Saber porque é que os jovens entram em conflito com a lei? Quando você tem na televisão 24 horas a porem na cabeça de um jovem que é preciso ter um Ferrari, que é preciso ter um Mercedes, que é preciso ter não sei o quê, está à espera de quê? Quando muitos de nós deixam de pagar a escola do filho para dar uma festa de arromba?

Sem comentários:

Mais lidas da semana