O
advogado David Mendes e presidente do Partido Popular (PP) não acredita que a
promoção do chefe dos serviços secretos de Luanda, António Vieira Lopes 'Tó', a
grau de general, enquanto se encontra detido, seja uma iniciativa do Presidente.
David
Mendes diz que o PR agiu inteligentemente ao despromover o oficial, numa
entrevista onde aborda uma série de questões sobre o país e o seu partido.
Como
analisa o desempenho da PGR no caso Cassule/Kamulingue?
Para
ser sincero, dos poucos casos polémicos que já passaram pelas nossas mãos, este
é aquele em que nós sentimos que houve uma acção muito empenhada do Ministério
Público (MP), particularmente da DNIAP. Quem ler aqueles montões de processo,
são cinco ou seis volumes, dá conta que houve um trabalho extremamente técnico.
Poucas vezes, se vê isto entre nós. Houve um empenho da procuradoria, em não só
buscar culpados, mas as razões que os levaram a dizer que é A ou B. O processo
está bem estruturado tecnicamente, com elementos de provas muito bem-feitos. O
resto só o tribunal dirá. Mas, neste caso, o MP empenhou-se muito.
Não
há razões para críticas?
Ao
contrário do que muita gente tem criticado, o facto do Ministério Público
enquanto representante do Estado ter-se manifestado aberto para arranjar uma
vivenda para os filhos do Cassule e do Kamulingue, e de estar a pensar num
subsídio para os filhos de Cassule e Kamulingue é uma boa iniciativa. Tem havido
muitas críticas quanto a esse papel do MP, mas nós estamos de acordo. Todo o
mundo criticava porque a famílias do Cassule e de Kamulingue não tinham onde
ficar amparadas. O MP conseguiu criar condições para oferecer duas residências
para essas pessoas lá vieram algumas pessoas dizer que não podia ser. Este era
o caminho certo.
Neste
caso, o apoio do MP não é uma compensação antecipada?
Isso
é possível, porque quem acusa é o Ministério Público. Se é o MP, quem acusa,
tem a convicção de que foram indivíduos que agiram enquanto funcionários do
Estado, se o artigo 75ª da Constituição da República de Angola diz que o Estado
é responsável civilmente pelos actos praticados pelos seus agentes, então, o
Estado chama a ele essa responsabilidade. O Código Penal também não afasta a
possibilidade de as partes negociarem aquilo que pode ser a compensação ou a
indemnização, porque aqui já estamos no domínio cível, onde há a autonomia da
vontade das partes.
Acredita
que os indiciados são os verdadeiros autores do crime?
Só
o julgamento vai determinar. E a própria lei é clara: enquanto a decisão não
transitar em julgado, eles são inocentes, há a presunção de inocência. Cabe ao
juiz da causa, perante os factos, decidir se são culpados ou não, condenar ou
absolver. E aí, depois, estão os advogados que podem recorrer.
De
quem acha que foram as ordens de assassinato dos dois manifestantes?
Durante
o processo, acho que vamos chegar lá. O resto é história e não podemos ir em histórias. Vamos
aos factos e os factos vão determinar o que há.
Qual
pensa ser o envolvimento do ex-director do SINSE e anterior ministro do
Interior, Sebastião Martins, neste caso?
Por
ser advogado na causa não quero pronunciar-me sobre essa matéria. No decorrer
do julgamento, vocês estarão na sala, poderão acompanhar e, no final, o
tribunal vai deliberar.
Acredita
que o PR foi enganado ao nomear Vieira Lopes como oficial general?
Eu,
desde o princípio, disse isso e até disse que iriam rolar cabeças. Não passava
pela minha cabeça que o PR soubesse daquele facto e quisesse agir daquela
maneira - graduar uma pessoa num momento em que estava preso e naquelas
circunstâncias. Em momento nenhum, eu acreditei que aquilo fosse iniciativa do
PR. Como houve vários despachos, acredito que introduziram esse no meio. O Presidente
só assina. Tem um corpo de pessoas que prepara tudo e que vai até si para
despacho. Ele agiu sem conhecimento. E o Presidente reagiu bem ao anular o seu
próprio despacho. E veja que não temos tradição disso, o Presidente alterar o
seu despacho. Para a leitura de uma pessoa atenta, o Presidente quis dizer: Eu
não subscrevo o comportamento destes indivíduos. É uma leitura rápida.
Inicialmente, todos dizíamos que se o Presidente fez isso, era porque queria
acobertar, mas o Presidente veio dizer: Eu não me vinculo a isso. É a atitude
que se esperava de um Chefe de Estado. Uma atitude inteligente, porque podia
dizer já está decidido e o supremo que tome a decisão que achar conveniente.
A
pressão popular também ajudou?
Acredito
que não. Porque o PR não age sobre pressão popular. E a experiência tem-nos
levado a isso. Ele quando age, é com frieza. Todos conhecemos o José Eduardo
enquanto Presidente e vemos que ele é uma pessoa não emotiva. Ele aparenta
muita serenidade. Então, ele decidiu nesse caso e de forma inteligente
afastar-se e deixar que os tribunais decidam, conforme a lei e segundo a
consciência.
O
que pensa do desfecho do «Caso Frescura»?
Nós
recorremos ao Tribunal Constitucional e achamos estranho estar a demorar tanto.
O Tribunal Constitucional tem sido célere, mas neste caso está muito demorado.
O que é que se está a passar? Não sabemos. Mas este não é o nosso último
recurso. Se eventualmente, perdermos no Tribunal Constitucional, porque nós até
demos entrada antes de uma queixa na Comissão Africana dos Direitos Humanos,
vamos levar essa matéria para lá.
Não
se sente responsável pela libertação dos polícias por ter interposto um recurso
para o Tribunal Supremo, a pedir o agravamento da pena?
Não.
Em todas as penas superiores a cinco anos, o recurso é obrigatório. E mais. Ao
não usar o recurso neste processo, como fizemos, estaríamos a aceitar aquilo
que não é de acordo com a nossa consciência.
Diante
de uma possível declaração de inocência pelo Tribunal Constitucional, como fica
a responsabilização dos verdadeiros autores?
Se
nós perdermos, embora o advogado não perca, no Tribunal Constitucional, ainda
temos um recurso para a Comissão Africana dos Direitos Humanos.
E
caso lá também percam?
Precisamos primeiro do plano interno para irmos ao plano
internacional. Isso, faz parte das regras processuais, quer da Comissão
Africana dos Direitos Humanos, quer da Comissão dos Direitos Humanos das Nações
Unidas.
Insistindo.
Transitado em julgado, o MP deverá abrir um outro processo para encontrar os
autores do crime?
Pode.
Pelo facto de ter-se chegado à conclusão de que houve uma má instrução, o
processo pode ser reaberto contra pessoas incertas e recomeçar tudo do zero. Só
que essas pessoas que foram absolvidas já não poderão ser arguidas. Agora,
também há outra questão. Se chegarmos à conclusão, pelo Tribunal
Constitucional, que o Tribunal Supremo andou bem e se tomarmos que esse andou
bem como causa bastante de terem sancionado o juiz Tito, então, o Estado vai
responder por erros dos seus agentes.
Foi
patrono de William Tonet. O que achou do facto de lhe ter sido retirada a
carteira de advogado?
Não
lhe foi retirada a carteira porque ainda não lha tinham dado. Ele tinha a carteira
de advogado estagiário e esperava ter a carteira de advogado definitivo.
Algumas questões que ocorrem são decisões emocionais. No caso William Tonet,
acredito que todas as pessoas (….) que estudaram naquela universidade foram
fruto de uma decisão administrativa. O William Tonet só foi vítima do sistema.
Recentemente,
saiu um Acórdão do Tribunal de Justiça Arbitral em Mediação do Estado
brasileiro, onde se diz que a decisão do Ministério do Ensino Superior é
ilegal. Até que ponto esta decisão vincula a UAN e o Estado angolano?
Precisava
primeiro saber o que é que dizia o acordo, como se resolvem os diferendos. Se o
acordo disser que os acordos são resolvidos por mediação, então, o Estado
angolano, se não admitir recurso, vai ter de acatar a decisão dos árbitros.
Afinal,
William Tonet é ou não advogado?
Neste
momento não, porque falta-lhe um requisito, que é a carteira profissional. Você
não pode ser médico se não tiver a carteira profissional.
Como
avalia o estado do segredo de justiça?
Existe
muito segredo que não devia ser segredo. E existem coisas que deviam ser
segredo e que não são. Tornam-se públicos antes. O segredo de justiça é uma
arma de dois gumes. Se a parte interessada não tiver conhecimento prévio do que
se está a passar consigo, cada um diz que isto está em segredo de justiça e
investigam a sua vida. Não pode. A partir do momento que o cidadão é indiciado,
em que há uma investigação prévia e um indício, é preciso que o cidadão saiba
que está indiciado. E aqui, isso não ocorre assim. Chega-se até ao ponto de uma
pessoa ser chamada, por exemplo, à investigação criminal e perguntar quem me
está a acusar e dizerem está em segredo de justiça.
Se
não obtiver respostas?
Nesse
caso, reserva-se ao direito de não responder. E não pode dizer que isto está em
segredo de justiça. Já não está. A partir do momento em que há alguém
indiciado, essa pessoa tem de ter esses elementos para começar a preparar a sua
defesa. Eu não posso preparar a minha defesa quando só vou ter acesso ao
processo no tribunal.
Como
encara a relação muito próxima entre a PGR e os magistrados judiciais?
Nós
já questionámos muitas vezes isso. Às vezes, entramos numa sala em que vemos o
juiz conversar com o procurador. Não pode, porque existem duas partes. Existe a
defesa do réu e a defesa do Estado, quem tem a acusação. E o juiz é uma pessoa
neutra, está ali para valorar os elementos que as duas partes trazem à
discussão. Agora, quando o juiz já está a conversar e até, às vezes, a
concertar: Vamos só lhe dar um mês. Estás de acordo? Estou. E está feito. Não
pode.
Acredita
que a lei que visa substituir a prisão preventiva surtirá efeitos?
As
reformas são necessárias porque as leis que nós temos têm muitos anos de
existência. A vida é dinâmica e a legislação deve acompanhar esse dinamismo. Essas
alterações pontuais da lei são sempre necessárias.
A
redução da idade penal é uma solução no combate à criminalidade? Eu discordo
totalmente. 16 anos para mim é o ideal. E mais. Nós até violamos um princípio.
Até aos 18 anos é-se menor, embora se seja criminalmente responsabilizado. O
próprio Código Penal diz que os menores não devem ser misturados com os adultos
nem devem ser levados para as comarcas, mas sim para centros de reeducação.
O
que fazer então? Precisamos ir à essência. Saber porque é que os jovens entram
em conflito com a lei? Quando você tem na televisão 24 horas a porem na cabeça
de um jovem que é preciso ter um Ferrari, que é preciso ter um Mercedes, que é
preciso ter não sei o quê, está à espera de quê? Quando muitos de nós deixam de
pagar a escola do filho para dar uma festa de arromba?
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