Jorge
Fiel – Jornal de Notícias, opinião
A
minha filha Mariana casou com um americano. Antes de darem o nó e irem viver
para Los Angeles, o Tom veio cá algumas vezes. Numa delas, foram por aí abaixo
até Fátima, num Corsa alugado, para cumprirem uma promessa feita à mãe dele,
que é de origem colombiana e muito católica. Quando iam a passar em Cacia, o
Tom não disse nada, mas olhou para a Mariana com um ar tão espantado e
horrorizado que ela teve de protestar a inocência das suas entranhas e atribuir
à fábrica de celulose a responsabilidade por aquele cheiro fétido. Mas foi só
na viagem de regresso, quando o mesmo mau cheiro voltou a invadir o carro no
mesmo local, que ele ficou convencido - e presumo que aliviado.
Aqui
há uns anos, numa visita, que meteu almoço, à Portucel de Cacia, não resisti a
fazer a pergunta óbvia, e recebi a resposta não menos óbvia de que ao fim de
que algum tempo se adquire uma total insensibilidade ao cheiro. Esta
insensibilidade ao fedor tem, neste caso, o lado bom de poupar o pessoal da
fábrica ao inferno de trabalhar num sítio malcheiroso (o cheiro está lá, mas
eles não o sentem), mas tem um lado péssimo quando se aplica a todos nós,
cidadãos, e está em causa a corrupção de políticos e militares, em assuntos tão
nauseabundos, como o da compra, por mil milhões, de dois submarinos a um
consórcio alemão liderado pela Ferrostaal.
Recapitulando
e resumindo. No caso dos submarinos, os alemães provaram que houve corrupção,
condenaram os corruptores e puniram a empresa com uma multa de 140 milhões de
euros. Os gregos provaram que houve corrompidos e mandaram um ex-ministro para
a prisão. Em Portugal? Cá não se passa nada, os dez arguidos do processo das
contrapartidas foram ilibados e o relatório da comissão de inquérito, que é
hoje votado no Parlamento, não conseguiu descortinar qualquer ilegalidade no
processo.
Sou
surdo de uma das narinas (tenho o septo nasal torto), mas apesar disso sinto
que neste processo há uma data de coisas que não cheiram bem - e não estou só a
falar dos 1,6 milhões de euros que o cônsul em Munique Jurgen Adolf
recebeu da Ferrostaal para ajudar a vender os submarinos.
Durão
Barroso, o primeiro-ministro do Governo que afundou mil milhões de euros na
compra dos submarinos (e que nomeou o cônsul Adolf...), jura que nunca se
encontrou com responsáveis da Ferrostaal, mas um dos administradores condenados
na Alemanha garante que almoçou com ele na Baviera. Paulo Portas, o ministro da
Defesa que assinou o contrato, afirma que nunca se reuniu com Hans-Dieter
Mühlenbeck, mas este dirigente da Ferrostaal garante que se encontrou com ele
na Fortaleza do Guincho.
O
contra-almirante Rogério d"Oliveira jura que o milhão de euros que a
Ferrostaal lhe depositou numa conta da UBS na Suíça são o pagamento de serviços
de consultadoria. E já só cá faltavam os Espírito Santo, que nunca falham uma.
A Escom recebeu a título de consultadoria (numa futura reencarnação quero ser
consultor) recebeu 30 milhões de euros, que andaram a viajar pelas Ilhas
Caimão, Bahamas, Suíça e Dubai. Os três administradores da Escom ficaram com
15, Ricardo Salgado distribuiu um milhão por cada um dos ramos da família, e
quando interrogado sobre o destino dos restante dez milhões em falta, denunciou
a existência de um sexto elemento: "Essa parte teve de ser entregue a
alguém num determinado dia".
Não
sei se hei de rir ou chorar com a insensibilidade da Justiça e da maioria
parlamentar ao mau cheiro nauseabundo que exala do negócio dos submarinos. Mas
quanto mais sei disto, mais vergonha tenho de ser português.
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