Nuno
Ramos Almeida – jornal i, opinião
Em
países mais atrasados que o nosso, os responsáveis por delapidar a economia são
responsabilizados; aqui dão-se-lhes doutoramentos honoris causa
Há
poucos dias o primeiro-ministro acusou comentadores e jornalistas de serem
"preguiçosos" por dizerem que a situação em Portugal estava pior que
em 2011. É certo que não se conhece nenhum prodígio de produtividade a Passos
Coelho, tirando a acumulação dos cargos políticos com o trabalho na Tecnoforma,
mas os argumentos devem ser avaliados pelo que são e não pelos telhados de
vidro de quem os emite.
É
necessário analisar a nossa situação de uma forma séria, e para isso nada
melhor que avaliarmos uma série de sectores para vermos se a nossa situação
melhorou: devemos menos ao estrangeiro? Temos mais gente a trabalhar? As
pessoas têm rendimentos mais elevados? O Serviço Nacional de Saúde funciona
melhor? A justiça funciona com menos atrasos? O ano lectivo começa como deve
ser, no dia marcado com as aulas e com professores? O sistema financeiro é
seguro e os bancos não estão à beira da falência? A sociedade portuguesa é mais
justa? A diferença entre muito ricos e muito pobres é menor? Os responsáveis
pela falência do BPN, do BPP e do Grupo Espírito Santo foram devidamente
investigados, assim como os autores das ruinosas parcerias público-privadas? A
maioria das empresas em sectores estratégicos não foram vendidas por
tuta-e-meia? A distribuição de rendimentos entre capital e trabalho é mais
justa? Os impostos não subiram desmesuradamente? As reformas das pessoas que
trabalharam a vida toda não foram cortadas? Somos hoje um país mais democrático
e independente?
Temo
que tirando os juros do dinheiro que pedimos emprestado, que dependem sobretudo
das garantias do BCE, todas as respostas a estas questões sejam negativas.
O
plano da troika não teve resultado nenhum para além de ter permitido que os
bancos alemães e franceses se livrassem de dívida portuguesa. O empobrecimento
generalizado da maioria da população, a chamada "desvalorização
interna", para conseguir fazer à bruta aquilo que normalmente se faz de
uma forma mais equilibrada com a desvalorização da moeda, não alterou a
estrutura e a competitividade da nossa economia.
Aliás,
é mesmo difícil garantir que a situação de descalabro dos banqueiros que
andaram a viver acima das suas possibilidades e à nossa custa, não possa
implicar um novo pedido de ajuda internacional. O BES está mal. O BCP não se
recomenda e mesmo o Montepio e a Caixa Geral de Depósitos estão expostas ao
buraco do Espírito Santo.
A
solução habitual dos últimos 40 anos tem sido não fazer nada. Voltar a eleger
os partidos que contribuíram, à vez, para o descalabro em que o país caiu. O
mais radical que se conseguiu arranjar foi dar aos protagonistas do desastre um
qualquer doutoramento honoris causa.
Se
queremos sair deste buraco e impedir que esta situação continue, talvez fosse
interessante perceber que o estado a que isto chegou não depende da mudança de
protagonistas, mas da ruptura completa com um sistema que promove o amiguismo e
o compadrio. Precisamos de uma ruptura democrática e popular que devolva o poder
à sociedade.
Editor-executivo
- Escreve à terça-feira
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