domingo, 23 de novembro de 2014

Angola: AGUALUSA DENUNCIA REGIME BRUTAL E DITATORIAL




“DOS SANTOS MANTÉM A “CEGUEIRA” EM RELAÇÃO AOS “MAIS DESFAVORECIDOS”

Folha 8 Digital, 22 novembro 2014

O escritor ango­lano mais re­ferenciado no mundo das le­tras, pela acu­tilância e equi­distância das suas obras, trouxe a tona, algo que temos, nestas pá­ginas do F8, vindo a vatici­nar como cenário mais que provável, em Angola: uma explosão social dos pobres, contra alguns dos ricos corruptos, alojados nos ca­deirões do poder.

José Eduardo Agualusa, que lançou no 18.11, em Lisboa a mais recente obra literária: “A vida no céu”, em entrevista de antevi­são concedida a Lusa, não deixou de reflectir sobre as nuvens tenebrosas que cobrem, cada vez mais, os céus de Angola e, com mais certezas que dúvidas avança.

“O regime de José Eduar­do dos Santos mantém a cegueira em relação aos mais desfavorecidos e ig­nora totalmente a miséria da população, vivendo uma espécie de endocolonialis­mo”, afirmou peremptório, numa quase proximidade com o cenário criado para o livro, “os ricos vivem em dirigíveis luxuosos - com nomes de grandes cidades reais, como Paris - e os pobres remedeiam-se em balsas-balão, depois de um dilúvio ter impedido todos de continuarem a viver na terra, obrigando-os a mu­darem-se para o céu”.

Este ambiente, no entanto, diz Agualusa “é a história do mundo em suspensão, mas, na terra como no céu, as diferenças sociais per­sistem”, esclarece, quan­do instado a falar sobre a fonte inspiradora da obra, lacónico diz ter precisado de “abrir a janela e respirar um pouco de ar”, para fazer a diferença com “A vida no céu”, mais arejado dos de­mais, considerados pelo próprio autor, como “mais densos, pesados, complexos, obscuros, do­lorosos até”. Esta obra, Agualusa gostava de ter lido quando tinha 16 anos, a idade do seu filho mais velho, que vive em Ango­la, onde, actualmente, o regime tem “medo de uma dúzia de jovens” que, volta e meia, se manifestam nas ruas. Sendo verdade que hoje os jovens de 16 anos, em Portugal ou Angola, “partilham referências cul­turais”, o escritor distingue o acesso do filho à internet, à cultura, ao mundo, real­çando que “nem todos os angolanos têm essas facili­dades”.

Esta desigualdade estende­-se a outras mais, que aden­tram a alma da maioria dos autóctones e, segundo a própria cartilha comunista, que inspirou o regime, são uma clara demonstração de estarem “reunidas con­dições para revolta de larga escala em Angola”, pois na sua óptica o país “é uma fal­sa potência, onde domina a falta de inteligência”, por parte de quem detém o po­der, “um pequeno grupo de pessoas, todas ligadas ao partido no poder: MPLA, que continua a viver em si­tuações de luxo ostensivo”, diz. Como o passado ensi­na que “países com extre­mas desigualdades sociais” não são países seguros, mas sim “território privi­legiado para revoltas, para revoluções”, Agualusa diz que “ninguém ficará mui­to admirado se acontecer amanhã uma revolta po­pular”. Disso são exemplo, considera, as “situações de violência urbana” regista­das nos últimos dias.

“O pior de tudo é a falta de inteligência [do regime]. A mim, o que me assusta mais, sempre, é a estupi­dez. A estupidez é aquilo que me aterroriza mais. E quando a estupidez tem poder, isso então é parti­cularmente assustador”, considera. Na sequência da “falta de inteligência”, vêm “a corrupção, a maldade”. Mesmo “a violência é uma desistência da inteligên­cia”, vinca. Angola “é uma falsa potência”, uma “ilu­são”, sustenta. “Não foi ca­paz de vencer o paludismo, a doença do sono voltou”, critica o escritor, contes­tando a ideia de que Ango­la “está a colocar dinheiro” em Portugal.

“Não é Angola, são dez famílias angolanas, são alguns angolanos, que en­riqueceram, muitos deles sem ninguém saber muito bem como (...), e que apli­cam o dinheiro em Portu­gal”, distingue. “Angola, infelizmente, tem ainda um caminho muito longo a percorrer no sentido do desenvolvimento básico. A esmagadora maioria dos angolanos sobrevive com quase nada, um dólar por dia”, recorda Agualusa. “Está tudo por fazer”, resu­me.

“Educação é fundamental. Como é que um país pode querer ser uma potência se não foi capaz de educar a sua população, se a sua população não lê livros, se não tem médicos, não tem engenheiros, se não tem quadros? Se nem sequer tem uma política de cap­tação de quadros, o que é uma coisa escandalosa?”, indigna-se o autor, que, no livro, dá corpo ao “desejo” de ver em Luanda uma “al­deia-biblioteca”. Por mais interesse que estrangeiros - entre os quais portugue­ses, em número crescente -tenham em ir para Ango­la, “a política que existe é para dificultar a entrada de quadros, não para facilitar”, critica.

Num tempo em que as pes­soas se movem, “mas estão sempre no mesmo lugar”, Agualusa diz que vai con­tinuar a escrever sobre o sonho. Nos planos, estão “pelo menos mais dois li­vros desta série d’a vida no céu”, a pensar num público adolescente, mas não em exclusivo. “Deixámos de dar importância ao sonho”, lamenta o escritor. “O so­nho cumpre um papel na vida das pessoas, é impor­tante voltar a sonhar”, num tempo em que a internet e a televisão impõem “so­nhos alheios” e acabam com o fabrico próprio.


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