Alejandro Sánchez - Emeequis - Ayotzinapa – Opera Mundi
Moradores
da região, famílias e alunos que ficaram na Escola Normal Rural Raúl Isidoro
Burgos se unem em luto e revolta por desaparecimento dos 43 normalistas
Genoveba
Sánchez Peralta é, talvez, a mulher mais infeliz do mundo neste momento: há
algumas semanas, pouco depois de sepultar o marido, passou a procurar o filho,
o estudante Israel Caballero Sánchez, 21 anos, desaparecido. Israel usava jeans
e camiseta de cor clara na noite do dia 26 de setembro, em que policiais de
Iguala atacaram a tiros o ônibus em que viajavam os alunos da
Escola Normal Rural Raúl Isidoro Burgos, entregando ao menos 43 deles
(incluindo Israel), em seguida, ao cartel Guerreros Unidos. Bom, isso é o que
todos dizem, mas a verdade é que ninguém sabe do paradeiro dos estudantes ou
quem os levou.
Os
jovens iam à marcha do dia 2 de outubro na Cidade do México, em memória do
assassinato dos estudantes em Tlatelolco em 1968. A manifestação também
lembraria dois companheiros assassinados pela polícia na estrada federal que
vai até Acapulco, em dezembro de 2011, enquanto os alunos a bloqueavam para
exigir que as autoridades aumentassem os recursos destinados à ração alimentícia
diária por estudante, que não chegava a 35 pesos [cerca de R$ 6] para três
refeições por dia.
A
mãe de Israel caminha pela quadra de basquete da escola, em cujos muros foram
içadas as bandeiras de todas as escolas normais rurais do país, em sinal de
união e luta. Também estão pintados ali os rostos de Karl Marx, Friedrich
Engels e Lênin, cujas ideias seguem vivas e fortes na região. "Podem nos
faltar recursos, mas nunca nos faltará razão", lê-se em uma das paredes.
Cento
e quarenta novos alunos ingressaram, no último mês de julho, na escola em
Ayotzinapa, um povoado com 84 habitantes, segundo o censo de 2010. Conurbado
com Tixtla, o vilarejo fica no alto de uma região montanhosa no centro do
estado mexicano de Guerrero. Esta nova geração, uma das mais pobres entre as
que passaram por estas salas de aula nos últimos anos, foi recebida pelos
companheiros de níveis mais avançados com a seguinte saudação: "Bem-vindos
ao que não tem início. Bem-vindos ao que não tem fim. Bem-vindos à luta eterna
para melhorarmos dia após dia. Alguns a chamam de necessidade, mas nós a
chamamos de esperança".
A
formação na escola inclui o trabalho na horta e no jardim ou o cuidado do gado,
além dos grupos de estudo noturnos em que os alunos de classes superiores
estimulam os mais novos a analisar a situação em que vivem suas comunidades. As
discussões costumam se prolongar até cerca de meia-noite. “Aqui todos trabalham
duro. Devem cumprir com o trabalho dos professores, mas também com o do Comitê
Executivo Estudantil (CEE). Neste esforço, são valorizados nossos ideais”, diz
Víctor, aluno do segundo ano, que orienta os novos estudantes sem descuidar das
aulas ou das leituras e debates em seu grupo de estudos.
O
nível de participação política e consciência social que adquirem aqui é talvez
um reflexo da pobreza e da miséria que assola as comunidades da serra ao redor
de Ayotzinapa. Dificilmente outra escola de nível superior no país conseguiu se
organizar e se envolver com a sociedade da mesma maneira. As 16 matérias
abrangem várias atividades: imprensa e propaganda, higiene, primeiros socorros,
transporte, difusão cultural, esportes, centro de informática, finanças,
academia e COPI (Clube de Orientação Política e Ideológica). No COPI,
“perguntamos que problemas detectam em suas comunidades. Eles nos contam.
Sempre destacam os líderes locais, as humilhações por que passam seus pais
camponeses”, explica Víctor. “É como compreendem, de baixo, aspectos maiores do
panorama nacional.”
Entre
os pais camponeses que se uniram para exigir do governo a localização dos
filhos, Fernando é o de fala mais dura. Percorre toda a escola com os olhos e
se detém em um ponto. A ausência parece tomar conta dele. Há pouco tempo passou
por uma situação amarga. Viajou até Iguala, onde a polícia o colocou em uma
caminhonete junto com outros pais para percorrer vários lugares em busca das
supostas fossas onde podem estar enterrados os restos mortais dos 43
estudantes. "Eles nos trataram como marionetes. ‘Vamos para cá. Não,
melhor irmos pra lá’", relembra. Há algumas semanas, esteve também na
Cidade do México, a fim de se reunir com o subsecretário de Governo, Luis
Miranda, que prometeu dar aos pais todo o apoio em busca do paradeiro de seus
filhos. Fernando questiona também o papel da imprensa, que, em sua opinião, foi
cúmplice do atual governo em sua tentativa de ocultar os atos violentos no país
e o aumento no número de mortos, que já ultrapassou aquele registrado no
período do presidente Felipe Calderón [2006-2012]. "Como as autoridades
não sabem onde estão os rapazes, se ali mesmo em Iguala, para onde os levaram,
está o 41º Batalhão de Infantaria?", indaga.
Na
zona da escola conhecida como "cavernas do Corredor G", Bernardo foi
o único ocupante do quarto número 4 que escapou do desaparecimento. É
integrante do grupo musical da escola; naquele dia teve que ensaiar e, por
isso, ficou limpando seu trompete. Na noite de 26 de setembro, antes da
meia-noite, os líderes estudantis ligaram para a base para que todos se
concentrassem na quadra de basquete. Deram a eles a notícia que paralisou a
todos: "A polícia atacou nossos companheiros que estavam a caminho de
Iguala". Um dos rapazes conseguiu ligar para a escola e contou que, quando
tentavam sair do centro já com os dois ônibus que os trariam de volta, policiais
os impediram, atravessando uma patrulha na estrada para cercá-los. Quando os
estudantes desceram para tentar mover a viatura, começaram a receber tiros.
"Israel Jacinto estava contando como estavam atacando. Escutamos pelo
celular tiros que pareciam de escopetas, de revólveres; dava para escutar os
barulhos das caminhonetes, gritos, golpes e vidros quebrando", relata
Bernardo. O saldo: 43 desaparecidos, seis mortos.
Ernesto
Pérez estaciona sua kombi em frente à quadra de basquete da escola. Carmen
Hernández desce com pratos descartáveis, copos e uma bandeja de madeira. Ele
pega dois panos de prato e os coloca sobre as alças de uma panela de aço de 30 litros cheias de pozole
em ebulição, e a leva com dificuldade até uma mesa. “Vamos, sobrinhos, que vai
esfriar”, grita Carmen, que tenta transmitir sua atitude positiva às famílias
dos 43 desaparecidos.
A
cena se repete de manhã, de tarde e de noite desde o ataque. Alguns levam café,
feijões, pão, atole [bebida de milho tradicional no México]; outros levam
chicharrón com molho verde, miudezas com caldo de tomate, picadinho, chá ou o
que podem. Chegam também famílias com água e papel higiênico. Ficam um pouco,
abraçam as pessoas e vão embora. A solidariedade dos povoados vizinhos e até
mesmo a que chega de outros municípios é notória.
O
senhor Pérez conta que há menos de dois meses teve dengue. Alguém deu a notícia
ao pessoal da escola normal. O Comitê Executivo Estudantil organizou um grupo
com alunos recém-ingressados que foi imediatamente visitar o camponês
convalescente. Não era a primeira vez que recebia auxílio dos estudantes.
Alguns anos antes, quando morreu sua sogra e ele não tinha dinheiro, os rapazes
foram, cavaram a sepultura e, mais tarde, chegaram com um porco criado na
granja que usam em suas atividades do módulo de produção. O animal serviu para
alimentar os presentes durante o funeral.
Muitas
famílias da região guardam boas recordações dos estudantes. Muitas se lembram
da tragédia do furacão Manuel, cujas chuvas provocaram inundações de até um
metro e trinta centímetros. Ao ver a magnitude dos danos, os rapazes começaram
a trabalhar imediatamente. Improvisaram canoas com as bases dos colchões e começaram
a resgatar idosos e crianças. O exército só chegou semanas mais tarde, e como
os soldados levavam uma equipe de televisão para gravar as atividades de
resgate, as pessoas partiram para cima deles.
Tradução:
Henrique Mendes
Matéria
original publicada na Emeequis, revista semanal mexicana sobre cultura, política
e sociedade.
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