domingo, 2 de novembro de 2014

Portugal: A COLIGAÇÃO POR UM CANUDO



Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião

1 Começa a parecer evidente que Passos Coelho não está interessado em fazer uma coligação com o CDS para as próximas eleições legislativas. Só isso pode explicar a forma como destrata publicamente Paulo Portas. Uma semana não lhe passa cartão na elaboração do Orçamento de Estado, na outra acusa-o de querer ganhar eleições baixando impostos e aumentando salários e nesta lembrou-o que lhe deu a tarefa de fazer uma reforma do Estado mas que ele ainda não cumpriu a sua missão. Foi, aliás, interessante ver como Portas e Passos iam trocando acusações através da comunicação social sobre quem devia fazer o quê no que diz respeito à reforma do Estado.

É compreensível que Passos Coelho queira criar um incómodo tal ao CDS que este se veja obrigado a concorrer sozinho. O líder do PSD sabe que não pode tomar a iniciativa de romper com a coligação. Isso daria um trunfo ao CDS: não pode ser o PSD a dar a ideia de que os centristas não teriam concordado com todas as opções da governação, porque isso abriria um espaço de voto ao eleitorado de centro-direita que não se reviu neste governo. Por outro lado, Passos Coelho sabe que terá de dar mais deputados ao CDS do que os centristas poderiam obter se concorressem sozinhos. Sendo previsível que o PSD perca muitos deputados, será complicado explicar ao aparelho social-democrata que ainda terão de se encaixar deputados do CDS.

Para piorar mais o cenário, os deputados extra que o PSD poderá dar ao CDS poderão servir para que os centristas façam um arranjo de governação com o PS. Seria estranho o CDS concorrer coligado com o PSD e depois aceitar viabilizar um governo do PS, mas a inevitável confusão em que entrará o PSD no período pós-eleitoral - até que se encontre um interlocutor no PSD levará meses -, e com a pressão que existirá para que haja um apoio maioritário na Assembleia, não será disparatado pensar que essa pouco ortodoxa solução possa acontecer. Claro está que se parte da hipótese provável que nem o PS ganhará com maioria absoluta nem existirão votos à esquerda do PS que permitam um governo suportado por uma maioria absoluta.

E o CDS? Os centristas sabem que se o divórcio partir deles, para ter algum espaço político, terão de justificar porque é que aceitaram deixar cair todas as suas bandeiras (contribuintes, pensionistas). Teriam de enveredar pelo discurso do coitadinho que tentou mas que os outros malandros não deixaram. Podem, claro está, defender intransigentemente toda a herança dos últimos anos, mas aí nada os separará do PSD. Nesse caso, o que levará um eleitor que concorde com a governação a votar no CDS em vez de no PSD? Pouco ou nada, esse cidadão votará naquele que acredita ser o partido mais capaz de derrotar os socialistas. Qualquer uma destas alternativas poderá devolver ao CDS o título de partido do táxi.

Mas vejamos as coisas de outro ângulo. Partindo do princípio de que o CDS, em caso de ir coligado com o PSD, se compromete a não viabilizar sozinho um governo do PS, os poucos deputados que o CDS poderá vir a obter serão mais importantes para o aparelho - o tal que ajudou decisivamente Paulo Portas a revogar o carácter irrevogável da sua demissão - do que os suplementares que o PSD lhe garantiria: é que esses poderiam permitir ao CDS manter-se como partido de poder.

Claro está, podia olhar-se para uma eventual ida do CDS sozinho às eleições como um reposicionamento ideológico, colocando-o como um partido de verdadeiro centro. E não há dúvida de que esta opção do PSD - que não durará muito - em tornar-se no partido mais à direita do espetro político ajudaria o CDS. Só que o problema do CDS neste momento é de sobrevivência e não de escolhas político-ideológicas.

Muita água ainda vai correr na relação entre o PSD e o CDS, mas há algo que parece claro: a manter-se a tensão que existe entre os dois partidos, que a guerra pública entre os dois líderes é apenas a ponta do icebergue, a ideia de concorrerem juntos parece distante.

2 É no Orçamento do Estado que estão espelhadas as grandes opções políticas. Da oposição, sobretudo da que ambiciona governar, não se espera propriamente a apresentação de um orçamento alternativo, mas pistas do que seria a sua alternativa e, pelo menos, um questionar bem fundamentado das medidas governamentais.

É difícil conceber um OE que levante tantas dúvidas, que mostre tantos erros de avaliação, que exiba tantas falhas de rigor.

Digamos que não augura nada de bom ver o PS a fazer um discurso cheio de generalidades e lugares-comuns em que não se vislumbrou nem uma luzinha de alternativa. Não é admissível que o PS se tenha apresentado no mais importante momento do ano político tão pouco combativo e, mais do que tudo, tão seco de ideias.

Se há algo que os portugueses já aprenderam, e a duras penas, é a não passar cheques em branco. O pior que nos podia acontecer era alguém ganhar as eleições apenas com a promessa vaga de que irá fazer melhor ou menos mal. Não chega.

*Gestor

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