Paulo
Monteiro Jr* - Expresso das Ilhas (cv), opinião
Enquanto
as vítimas do vulcão geofísico da ilha do Fogo continuam a viver em condições
muito difíceis, o vulcão da desigualdade social em Cabo Verde começou no
final do mês passado a expelir lavas. Com efeito, num contexto em que se
acentua a desigualdade na distribuição do rendimento, a capacidade de gerar
consensos na sociedade tende a diminuir.
Depois
de mais de 14 anos no poder, o Governo e o partido que o sustenta insistem em
vender ilusões, como se o falhanço da sua estratégia de crescimento económico e
o não cumprimento das promessas inscritas no seu programa de governação
pudessem ser mascarados pela aritmética política do Instituto Nacional de
Estatística (INE) e do Banco de Cabo Verde (BCV).
Assim,
com uma taxa de crescimento média no período 2012-2014 de apenas um por cento,
a fantasmagoria da aritmética política do INE de Cabo Verde registou uma
diminuição do desemprego no país. Em 2014 a economia cabo-verdiana apresentou
uma taxa de crescimento do produto interno bruto de um por cento, observando-se
uma redução do produto per capita, não se percebe como o desemprego
tenha reduzido nesse ano tão rapidamente (3,7 por cento!). O mistério adensa-se
ainda mais tendo em conta o facto de o número de pessoas empregadas na economia
ser, em 2014, inferior ao que existia em 2012. Refira-se que, neste quadro, o
EI nº 696 demonstra que o valor do desemprego «não oficial» (número de
desempregados não reconhecidos pelas estatísticas do INE) é quase igual ao do
desemprego «oficial» (15,8 por cento). Os dados do desemprego do INE baixaram
só porque estão truncados do valor do desemprego «não oficial». Se somarmos o
valor da estatística governamental e o do desemprego «não oficial» constatamos
que houve um aumento significativo da taxa de desemprego no período em análise.
Por
sua vez, o BCV, através de indicadores obscuros, retira conclusões
inconsistentes sobre a evolução actual e futura da economia
cabo-verdiana.
No
que diz respeito à evolução da economia no curto prazo, o foco do governo e do
partido que o sustenta será nas medidas que aumentem a despesa pública corrente
primária, ciclo político-eleitoral oblige (eleições em menos de um ano).
Assim, os dados recentes sobre o crescimento da procura interna e que foram
fonte para o BCV ficcionar um cenário risonho de aceleração do crescimento nos
dois primeiros meses de 2015, quando a maioria dos indicadores - em especial, a
estimativa de execução do orçamento do Estado em vigor e a taxa real de
desemprego – apontam para um naufrágio, permite consolar os cabo-verdianos
neste fim de ciclo histórico, até começar… o inadiável processo de correcção
dos desequilíbrios macroeconómicos existentes na economia cabo-verdiana.
No
que respeita à evolução tendencial da actividade económica, ela constitui um
desafio importante para uma pequena economia como a cabo-verdiana,
caracterizada por uma dívida pública excessiva, bem como por baixos níveis
médios de produtividade, nomeadamente em alguns sectores não transaccionáveis.
É
impressionante como o governo incumbente lida com a realidade vivida no
dia-a-dia no país, cultivando um «estado de negação» sobre as evidências mais
singelas, nomeadamente, fraquezas estruturais, elevados rácios de endividamento
nos diferentes sectores institucionais, desemprego massivo - principalmente dos
jovens - e perda do poder de compra das famílias. Neste contexto, a aprovação
pela Assembleia Nacional, do Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos «ETCP»,
em particular da parte respeitante aos salários e às regalias dos deputados,
provocou uma insatisfação muito generalizada dos cidadãos cabo-verdianos e
manifestações de protestos.
Daí
a inevitabilidade do veto do Presidente da República ao diploma que aprovou o
Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos (ETCP). Mesmo que este veto fosse
destituído de gravidade política – e não é –, a construção da narrativa à volta
da justificação do ETCP, em especial no que diz respeito aos salários e
regalias dos principais intérpretes do primeiro acto deste «drama», revela uma
resistência quase doentia às leis elementares da equidade e da justiça social. Esta
peça do Governo e da maioria governativa deveria ser encenada com uma
preocupação de coesão social e ter também em conta os tempos difíceis que o
país tem pela frente.
Cabo
Verde vai ter que reforçar o seu potencial de crescimento económico e viabilizar
a sua rota de desenvolvimento, com implicações profundas e complexas sobre a
reorganização do tecido empresarial. Por um lado, a reorganização do tecido
empresarial do nosso país deveria ser acompanhada de políticas de regulação
multidimensional, levando a uma maior competitividade da economia. Por outro
lado, o processo de reestruturação do tecido empresarial, que decorre em
paralelo com a correcção dos desequilíbrios macroeconómicos acumulados nos
últimos anos, deveria traduzir-se no reforço dos incentivos à participação das
empresas nos mercados externos e num crescimento robusto das exportações de
bens e serviços.
Esperemos
que a memória dos cidadãos não seja curta e que no momento da consulta
eleitoral possam escolher em consciência o projecto governativo que esteja à
altura dos novos desafios.
*Prof.
de Economia do ISCJS
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