sexta-feira, 17 de abril de 2015

Cabo Verde. ARITMÉTICA E TEATRO POLÍTICO



Paulo Monteiro Jr* - Expresso das Ilhas (cv), opinião

Enquanto as vítimas do vulcão geofísico da ilha do Fogo continuam a viver em condições muito difíceis, o vulcão da desigualdade social em Cabo Verde começou no final do mês passado a expelir lavas. Com efeito, num contexto em que se acentua a desigualdade na distribuição do rendimento, a capacidade de gerar consensos na sociedade tende a diminuir.

Depois de mais de 14 anos no poder, o Governo e o partido que o sustenta insistem em vender ilusões, como se o falhanço da sua estratégia de crescimento económico e o não cumprimento das promessas inscritas no seu programa de governação pudessem ser mascarados pela aritmética política do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Banco de Cabo Verde (BCV).

Assim, com uma taxa de crescimento média no período 2012-2014 de apenas um por cento, a fantasmagoria da aritmética política do INE de Cabo Verde registou uma diminuição do desemprego no país. Em 2014 a economia cabo-verdiana apresentou uma taxa de crescimento do produto interno bruto de um por cento, observando-se uma redução do produto per capita, não se percebe como o desemprego tenha reduzido nesse ano tão rapidamente (3,7 por cento!). O mistério adensa-se ainda mais tendo em conta o facto de o número de pessoas empregadas na economia ser, em 2014, inferior ao que existia em 2012. Refira-se que, neste quadro, o EI nº 696 demonstra que o valor do desemprego «não oficial» (número de desempregados não reconhecidos pelas estatísticas do INE) é quase igual ao do desemprego «oficial» (15,8 por cento). Os dados do desemprego do INE baixaram só porque estão truncados do valor do desemprego «não oficial». Se somarmos o valor da estatística governamental e o do desemprego «não oficial» constatamos que houve um aumento significativo da taxa de desemprego no período em análise.

Por sua vez, o BCV, através de indicadores obscuros, retira conclusões inconsistentes sobre a evolução actual e futura da economia cabo-verdiana.  

No que diz respeito à evolução da economia no curto prazo, o foco do governo e do partido que o sustenta será nas medidas que aumentem a despesa pública corrente primária, ciclo político-eleitoral oblige (eleições em menos de um ano). Assim, os dados recentes sobre o crescimento da procura interna e que foram fonte para o BCV ficcionar um cenário risonho de aceleração do crescimento nos dois primeiros meses de 2015, quando a maioria dos indicadores - em especial, a estimativa de execução do orçamento do Estado em vigor e a taxa real de desemprego – apontam para um naufrágio, permite consolar os cabo-verdianos neste fim de ciclo histórico, até começar… o inadiável processo de correcção dos desequilíbrios macroeconómicos existentes na economia cabo-verdiana.

No que respeita à evolução tendencial da actividade económica, ela constitui um desafio importante para uma pequena economia como a cabo-verdiana, caracterizada por uma dívida pública excessiva, bem como por baixos níveis médios de produtividade, nomeadamente em alguns sectores não transaccionáveis.

É impressionante como o governo incumbente lida com a realidade vivida no dia-a-dia no país, cultivando um «estado de negação» sobre as evidências mais singelas, nomeadamente, fraquezas estruturais, elevados rácios de endividamento nos diferentes sectores institucionais, desemprego massivo - principalmente dos jovens - e perda do poder de compra das famílias. Neste contexto, a aprovação pela Assembleia Nacional, do Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos «ETCP», em particular da parte respeitante aos salários e às regalias dos deputados, provocou uma insatisfação muito generalizada dos cidadãos cabo-verdianos e manifestações de protestos.

Daí a inevitabilidade do veto do Presidente da República ao diploma que aprovou o Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos (ETCP). Mesmo que este veto fosse destituído de gravidade política – e não é –, a construção da narrativa à volta da justificação do ETCP, em especial no que diz respeito aos salários e regalias dos principais intérpretes do primeiro acto deste «drama», revela uma resistência quase doentia às leis elementares da equidade e da justiça social. Esta peça do Governo e da maioria governativa deveria ser encenada com uma preocupação de coesão social e ter também em conta os tempos difíceis que o país tem pela frente. 

Cabo Verde vai ter que reforçar o seu potencial de crescimento económico e viabilizar a sua rota de desenvolvimento, com implicações profundas e complexas sobre a reorganização do tecido empresarial. Por um lado, a reorganização do tecido empresarial do nosso país deveria ser acompanhada de políticas de regulação multidimensional, levando a uma maior competitividade da economia. Por outro lado, o processo de reestruturação do tecido empresarial, que decorre em paralelo com a correcção dos desequilíbrios macroeconómicos acumulados nos últimos anos, deveria traduzir-se no reforço dos incentivos à participação das empresas nos mercados externos e num crescimento robusto das exportações de bens e serviços.

Esperemos que a memória dos cidadãos não seja curta e que no momento da consulta eleitoral possam escolher em consciência o projecto governativo que esteja à altura dos novos desafios.

*Prof. de Economia do ISCJS

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