Nuno
Saraiva – Diário de Notícias, opinião
Ao
contrário do que acontecia no Estado Novo, em que o direito à imbecilidade só
era garantido a quem alinhasse na União Nacional, 41 anos após o 25 de Abril
constatamos que, além da liberdade de reunião e de manifestação, de pensamento
e de opinião, de imprensa e de expressão, entre tantas outras conquistas,
também garantimos a liberdade de burrice. Em democracia é assim, há espaço para
tudo sem o receio de ir bater com as costas no Aljube.
Foi
o que nos mostraram esta semana alguns deputados dos chamados partidos do arco
da governação - PSD, CDS e PS. A pretexto de garantir uma pretensa maior
pluralidade mediática das eleições, os iluminados parlamentares desenharam uma
aberração a que chamaram anteprojeto de lei que, entre outras pérolas, previa a
obrigatoriedade de entrega antecipada de um plano de cobertura para validação,
isto é, "exame prévio", em que os media teriam que descrever com
minúcia a uma "comissão mista" as entrevistas e debates que pretendem
realizar, as ações de campanha que tencionam cobrir, além de impor opinião a
metro - nunca poderia ser maior que a notícia - e proibir os adjetivos ou
juízos de valor sobre eventos partidários. Ou seja, se a infâmia tivesse
seguido em frente, um comício do CDS em Vale de Cambra com meia dúzia de gatos
pingados teria o mesmo tratamento que a Festa do Avante! com a Atalaia à pinha.
Ou um jantar do PS em Ponte de Lima que estivesse às moscas seria, por omissão,
um sucesso tão grande quanto um almoço do PSD em Vila Real em que não
cabia nem mais um penetra.
Não
creio que exista naquelas cabeças qualquer pulsão controleira ou censória.
Seria exigir demasiado a gente tão poucochinha. É mesmo só ignorância e
estupidez ao quilo. Basta, aliás, atentar no timing escolhido para o parto
prematuro - 24 de abril -, a véspera do dia em que celebramos a abolição da
censura. Sim, porque não vale a pena ter medo das palavras, aquilo que estava
em cima da mesa era censura, com direito a visto prévio e tudo, mas, desta vez,
com lápis tricolor - laranja, azul e rosa.
A
consequência óbvia do que os inteligentes discutiram durante um ano era a
transformação dos jornais, rádios e televisões em veículos de propaganda pura e
dura, sem mediação jornalística. Se é isso que querem, caros senhores, dou-vos
uma notícia: há uma coisa nova e inovadora chamada tempos de antena. E também
existe a publicidade paga, que os jornais obviamente agradecem.
Em
boa hora este atentado à liberdade abortou. Em boa hora os responsáveis máximos
dos partidos viram a luz e perceberam que a liberdade de imprensa é um valor
intocável de qualquer democracia. E em boa hora tiraram o tapete aos seus bobos
da corte.
Mas
o que esta ópera bufa nos provou, mais uma vez, é que nada está garantido. A
Democracia, por madura que esteja, é como um cravo. Tem de ser regada para não
murchar. E passados 41 anos sobre a conquista da liberdade, ainda há que estar
atento e vigilante porque há muitos, demasiados, que não sabem ou não querem
saber o que foi viver na violência da ditadura. Basta-lhes perguntar "onde
é que tu estavas quando Portugal foi à bancarrota?". Os ignorantes e os
imbecis podem não passar disso mesmo. Mas nunca fiando.
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