sexta-feira, 19 de junho de 2015

Deixar prisão preventiva é sinal de que justiça timorense começa a funcionar - Tiago Guerra




Díli, 16 jun (Lusa) - Tiago Guerra, cidadão português libertado hoje após oito meses em prisão preventiva em Díli, disse à Lusa que a alteração da medida de coação é um primeiro "respirar de alívio" e sinal de que a justiça começa a funcionar.

"Um grande respirar de alívio. Um primeiro passo. Mas parece que desta vez as coisas começam a funcionar, a justiça timorense começa a funcionar. Espero que a partir de agora consigamos esclarecer as coisas todas", afirmou.

"O que acho é que houve injustiça. Parte dela foi hoje corrigida. Esperamos que em breve seja finalmente tudo corrigido e que eu tenha liberdade. Ainda estou aqui em Díli, ainda tenho que me apresentar regularmente", explicou.

Tiago Guerra falava à Lusa na sua primeira entrevista desde que foi preso a 18 de outubro de 2014 e horas depois do Tribunal de Recurso de Timor-Leste alterar a sua medida de coação, de prisão preventiva para Termo de Identidade e Residência (TIR) e apresentações semanais.

"Eu sou inocente. Não tenho a mínima dúvida. Digo isto a toda a gente. Felizmente agora já há bastantes pessoas a dizer o mesmo que eu. No início não foi bem assim. Agora, felizmente, a grande maioria já está com essa opinião. O que é ótimo", confessa.

A dois dias de cumprir oito meses de prisão preventiva - período em que teve que ser hospitalizado duas vezes devido às condições da cadeia de Becora - Tiago Guerra mostra-se compreensivo com os desafios do setor da justiça timorense.

"Às vezes, nós que estamos fora, esquecemo-nos que o país é muito recente, que está tudo a ser reconstruído. Eu quando cheguei a cidade estava queimada, foi tudo reconstruído do zero. O mesmo com as instituições e o mesmo com a justiça também", afirmou.

"Há pessoas que têm que ser capacitadas, prazos que precisam de ser mais longos do que os que estamos habituados noutras geografias. Mas penso que dado o exemplo de hoje, a justiça vai funcionar", considerou.

Uma das primeiras coisas que fez assim que chegou à casa de amigos onde conversou com a Lusa, foi falar com os filhos, que estão em Lisboa, ao telefone. Com a emoção, ainda é cedo para falar do mais difícil de todo o processo, a família.

"Foi. Está a ser. Talvez daqui a mais uns dias possa falar. É ainda muito difícil falar na família agora. Preferia falar depois", explica.

Mas quer destacar o apoio que teve de famílias e amigos, dentro e fora de Timor, importante tanto por demonstrar a "confiança" na sua ética de trabalho, como pelo "carinho e empenho".

"Houve pessoas que vieram de propósito a Díli. Chegaram numa sexta, viram-me no sábado e partiram no domingo. Vários. Colegas de trabalho, clientes, ex-clientes. E isso tudo foi um grande apoio moral para mim e ajudou-me estes meses. E depois bastantes personalidades e a parte política também. Tudo isso ajudou", disse.

Sem se referir ao processo em si, até porque continua em segredo de justiça, Tiago Guerra diz querer "ajudar a justiça o máximo possível", posição que sempre manteve desde o início.

Ainda que reconheça as dificuldades que viveu nos últimos oito meses.

"Estive em duas prisões diferentes. Os primeiros dias na prisão de Caicoli, que não tem condições nenhumas. Zero. Estamos a falar de um local em que a cela não tem uma sanita, nem sequer um buraco. Nem uma torneira. Estamos fechados lá dentro com centenas de mosquitos, sem acesso a nada", recordou.

"Foi muito difícil. Depois as coisas foram evoluindo. Fiquei doente várias vezes, tive que ser internado. Perdi muitos, muitos quilos. E cabelo. Penso que houve uma adaptação minha ao sistema, mas também o sistema foi melhorando", recorda.

"Inicialmente dormia-se no cimento, depois veio uma esteira e depois um colchão. As coisas estão a melhorar. Oito meses lá dentro, as coisas melhoraram", disse.

Sobre os próximos passos, Tiago Guerra diz que só hoje ao final da tarde recebeu a documentação com a decisão do Tribunal de Recurso, que alterou a sua medida de coação, e que a prioridade é "regressar à família o quanto antes".

Nos próximos dias, explica, sorrindo, quer "tomar banhos, vários".

"São coisas difíceis de fazer. Correr, ver o mar, ver o céu. Coisas que não fazemos quando são 19 horas por dia fechados dentro de um cubículo. Com duas ou três pessoas", salientou. 

ASP // EL

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