sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A ALEMANHA PRECISA DO BRASIL - opinião



Astrid Prange*

É a maldição da amizade: como os dois países cooperam bem há décadas, essa relação bem-sucedida é vista como algo natural e que não necessita de maiores cuidados. Para a jornalista Astrid Prange, um erro grave.

A chanceler federal alemã, Angela Merkel, e a presidente brasileira, Dilma Rousseff, teriam todos os motivos para se demorar um pouco mais nas primeiras Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha. Especialmente do ponto de vista alemão, a intensificação das relações com o Brasil é estrategicamente essencial. Berlim parece, até agora, não ter reconhecido isso suficientemente.

Já a indústria alemã reconheceu. As subsidiárias brasileiras de empresas alemãs são responsáveis por 10% do Produto Interno Bruto da sétima maior economia do mundo. Em junho, a Basf inaugurou um novo complexo químico no Brasil, com um volume de investimentos superior a meio bilhão de dólares.

Só que outros países estão ganhando terreno. Linhas férreas, dutos, concessões de exploração de petróleo, modernização de aeroportos, telefonia, construção de estradas, portos – a ampliação da infraestrutura brasileira é impulsionada por consórcios internacionais, nos quais a Alemanha nem sempre está à frente.

Também em nível político, o Brasil parece desempenhar um papel secundário para a Alemanha. A iniciativa conjunta para a reforma do Conselho de Segurança da ONU está parada. Outro exemplo é o escândalo de espionagem da NSA, no qual tanto Merkel quanto Dilma foram vítimas de escutas telefônicas: a reação dos dois governos não foi muito além da indignação verbal.

Com as Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha, Berlim pretende impulsionar novamente as relações bilaterais. A assinatura de 15 acordos e uma declaração conjunta sobre proteção climática deverão reaquecer a cooperação. O Brasil entra no rol de nove países com quem a Alemanha mantém contatos regulares de primeiro escalão.

Mas não importa o quão importante e acertada seja essa iniciativa: 24 horas de consultas intergovernamentais não bastam para compensar anos de negligência. Em Berlim ainda falta o reconhecimento e a compreensão da importância do Brasil como um global player nas áreas de política de paz, proteção climática, agronegócio e comércio mundial.

Nas últimas duas décadas, o Brasil não apenas se tornou a sétima maior potência mundial, mas também um porta-voz dos interesses das economias emergentes. Isso se evidencia nos numerosos processos ganhos na Organização Mundial do Comércio (OMC), principalmente na luta contra os direitos de patente de antirretrovirais, mas também em missões de paz da ONU sob o comando do Brasil ou no impulso às reformas do Conselho de Segurança da ONU e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Ficam algumas perguntas: por que a Alemanha iniciou consultas intergovernamentais com a China, a Rússia e a Índia antes de iniciá-las com o Brasil? Por que o país, aparentemente, ainda é visto como um estranho no ninho dos centros mundiais de poder? Por que a Alemanha negligencia regiões prósperas da América Latina em prol de mercados da Ásia, que, é verdade, se destacam com altas taxas de crescimento, mas também são politicamente problemáticos?

Ambos os países deveriam aproveitar as consultas intergovernamentais para se despedir por um instante da crise e adentrar novos horizontes. A Alemanha precisa do Brasil para ganhar o apoio de países emergentes e em desenvolvimento a questões de responsabilidade global. E, claro, como parceiro econômico.

O Brasil, por sua vez, precisa de investimentos e de tecnologia da Alemanha. Precisa do apoio de Berlim nas negociações sobre um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. E precisa, principalmente, de uma coisa: um reconhecimento verdadeiro e não somente simbólico.

*Astrid Prange é especialista em América Latina da DW

Deutsche Welle, opinião

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