Astrid
Prange*
É
a maldição da amizade: como os dois países cooperam bem há décadas, essa
relação bem-sucedida é vista como algo natural e que não necessita de maiores
cuidados. Para a jornalista Astrid Prange, um erro grave.
A
chanceler federal alemã, Angela Merkel, e a presidente brasileira, Dilma
Rousseff, teriam todos os motivos para se demorar um pouco mais nas primeiras
Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha. Especialmente do
ponto de vista alemão, a intensificação das relações com o Brasil é estrategicamente
essencial. Berlim parece, até agora, não ter reconhecido isso suficientemente.
Já
a indústria alemã reconheceu. As subsidiárias brasileiras de empresas alemãs
são responsáveis por 10% do Produto Interno Bruto da sétima maior economia do
mundo. Em junho, a Basf inaugurou um novo complexo químico no Brasil, com um
volume de investimentos superior a meio bilhão de dólares.
Só
que outros países estão ganhando terreno. Linhas férreas, dutos, concessões de
exploração de petróleo, modernização de aeroportos, telefonia, construção de
estradas, portos – a ampliação da infraestrutura brasileira é impulsionada por
consórcios internacionais, nos quais a Alemanha nem sempre está à frente.
Também
em nível político, o Brasil parece desempenhar um papel secundário para a
Alemanha. A iniciativa conjunta para a reforma do Conselho de Segurança da ONU
está parada. Outro exemplo é o escândalo de espionagem da NSA, no qual tanto
Merkel quanto Dilma foram vítimas de escutas telefônicas: a reação dos dois
governos não foi muito além da indignação verbal.
Com
as Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha, Berlim pretende
impulsionar novamente as relações bilaterais. A assinatura de 15 acordos e uma
declaração conjunta sobre proteção climática deverão reaquecer a cooperação. O
Brasil entra no rol de nove países com quem a Alemanha mantém contatos
regulares de primeiro escalão.
Mas
não importa o quão importante e acertada seja essa iniciativa: 24 horas de
consultas intergovernamentais não bastam para compensar anos de negligência. Em
Berlim ainda falta o reconhecimento e a compreensão da importância do Brasil
como um global player nas áreas de política de paz, proteção
climática, agronegócio e comércio mundial.
Nas
últimas duas décadas, o Brasil não apenas se tornou a sétima maior potência
mundial, mas também um porta-voz dos interesses das economias emergentes. Isso
se evidencia nos numerosos processos ganhos na Organização Mundial do Comércio
(OMC), principalmente na luta contra os direitos de patente de
antirretrovirais, mas também em missões de paz da ONU sob o comando do Brasil
ou no impulso às reformas do Conselho de Segurança da ONU e do Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Ficam
algumas perguntas: por que a Alemanha iniciou consultas intergovernamentais com
a China, a Rússia e a Índia antes de iniciá-las com o Brasil? Por que o país,
aparentemente, ainda é visto como um estranho no ninho dos centros mundiais de
poder? Por que a Alemanha negligencia regiões prósperas da América Latina em
prol de mercados da Ásia, que, é verdade, se destacam com altas taxas de
crescimento, mas também são politicamente problemáticos?
Ambos
os países deveriam aproveitar as consultas intergovernamentais para se despedir
por um instante da crise e adentrar novos horizontes. A Alemanha precisa do
Brasil para ganhar o apoio de países emergentes e em desenvolvimento a questões
de responsabilidade global. E, claro, como parceiro econômico.
O
Brasil, por sua vez, precisa de investimentos e de tecnologia da Alemanha.
Precisa do apoio de Berlim nas negociações sobre um acordo de livre comércio
entre a União Europeia e o Mercosul. E precisa, principalmente, de uma coisa:
um reconhecimento verdadeiro e não somente simbólico.
*Astrid
Prange é especialista em
América Latina da DW
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