Inês
Cardoso – Jornal de Notícias, opinião
Alguém
devia avisar Paulo Rangel que nunca houve legislaturas em que um
primeiro-ministro fosse tão investigado como as lideradas por José Sócrates.
Poderá sempre argumentar-se que o mérito não foi dos agentes da Justiça, mas da
especial propensão que o antigo líder socialista parece sempre ter demonstrado
para se ver envolvido em polémicas. Seja qual for a causa, certo é que Sócrates
pode ostentar, até ver, o título de primeiro-ministro em exercício mais citado
em processos judiciais.
Os
seis anos das suas duas legislaturas foram todos eles coincidentes com o
inquérito ao licenciamento do Freeport em que, não tendo sido constituído
arguido, foi desde início apontado como suspeito. Em 2009 estalou o caso Face
Oculta, do qual derivaram dois outros processos com o primeiro-ministro como
alvo. Num deles, o chamado caso TVI, Sócrates chegou a ser considerado suspeito
do crime de atentado contra o Estado de direito e foram questões processuais
que impediram a validação das escutas intercetadas a Armando Vara. Outro dos
casos investigou o pagamento a Luís Figo, através do Taguspark, para
alegadamente apoiar a candidatura de Sócrates nas legislativas.
Levar
a operação Marquês para a campanha, como Paulo Rangel fez, é feio, baixa
política e um completo tiro no pé. Não dá votos, como se apressou a alertar
Marques Mendes, e até pode permitir leituras perversas - se a justiça é
permeável a pressões políticas, estará Sócrates a ser investigado apenas porque
é o PSD que está no poder?
Se
houve, como argumentaram Rangel e Passos Coelho, um aprofundamento da eficácia
do Ministério Público na investigação de crimes de corrupção e conexos,
perfeito. Mas nunca esse pode ser invocado como um mérito do poder político. Em
todos os cargos e instituições haverá pessoas de todas as cores políticas e
algumas mais permeáveis do que deviam a pressões partidárias. Qualquer
tentativa de politizar a justiça é, contudo, perigosa e ofensiva para todos os
seus agentes.
O
que o eurodeputado social-democrata disse este fim de semana na Universidade de
Verão do PSD seria grave, se não fosse prontamente desmentido pela realidade.
Assim, a bem do "ar democrático", mais vale encolher os ombros e
classificar a frase "Alguém acredita que se o PS fosse governo um
primeiro-ministro seria investigado?" como uma piada. Uns minutos de mau
gosto de um proeminente advogado que já foi candidato à liderança do PSD e
secretário de Estado da Justiça, e que deveria respeitar mais um poder independente
com o qual trabalhou tão de perto.
*Subdiretora
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