segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Portugal. JUSTIÇA DE ESQUERDA E DE DIREITA?



Inês Cardoso – Jornal de Notícias, opinião

Alguém devia avisar Paulo Rangel que nunca houve legislaturas em que um primeiro-ministro fosse tão investigado como as lideradas por José Sócrates. Poderá sempre argumentar-se que o mérito não foi dos agentes da Justiça, mas da especial propensão que o antigo líder socialista parece sempre ter demonstrado para se ver envolvido em polémicas. Seja qual for a causa, certo é que Sócrates pode ostentar, até ver, o título de primeiro-ministro em exercício mais citado em processos judiciais.

Os seis anos das suas duas legislaturas foram todos eles coincidentes com o inquérito ao licenciamento do Freeport em que, não tendo sido constituído arguido, foi desde início apontado como suspeito. Em 2009 estalou o caso Face Oculta, do qual derivaram dois outros processos com o primeiro-ministro como alvo. Num deles, o chamado caso TVI, Sócrates chegou a ser considerado suspeito do crime de atentado contra o Estado de direito e foram questões processuais que impediram a validação das escutas intercetadas a Armando Vara. Outro dos casos investigou o pagamento a Luís Figo, através do Taguspark, para alegadamente apoiar a candidatura de Sócrates nas legislativas.

Levar a operação Marquês para a campanha, como Paulo Rangel fez, é feio, baixa política e um completo tiro no pé. Não dá votos, como se apressou a alertar Marques Mendes, e até pode permitir leituras perversas - se a justiça é permeável a pressões políticas, estará Sócrates a ser investigado apenas porque é o PSD que está no poder?

Se houve, como argumentaram Rangel e Passos Coelho, um aprofundamento da eficácia do Ministério Público na investigação de crimes de corrupção e conexos, perfeito. Mas nunca esse pode ser invocado como um mérito do poder político. Em todos os cargos e instituições haverá pessoas de todas as cores políticas e algumas mais permeáveis do que deviam a pressões partidárias. Qualquer tentativa de politizar a justiça é, contudo, perigosa e ofensiva para todos os seus agentes.

O que o eurodeputado social-democrata disse este fim de semana na Universidade de Verão do PSD seria grave, se não fosse prontamente desmentido pela realidade. Assim, a bem do "ar democrático", mais vale encolher os ombros e classificar a frase "Alguém acredita que se o PS fosse governo um primeiro-ministro seria investigado?" como uma piada. Uns minutos de mau gosto de um proeminente advogado que já foi candidato à liderança do PSD e secretário de Estado da Justiça, e que deveria respeitar mais um poder independente com o qual trabalhou tão de perto.

*Subdiretora

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