@Verdade,
em Tema de Fundo
Abraçaram
a docência por paixão. Porém, de há algum tempo a esta parte, o amor à
profissão tem vindo a desfalecer. Baixo salário, salas de aulas superlotadas,
diversas turmas sob a sua responsabilidade e falta de condições
infra-estruturais para a leccionação são alguns dos aspectos com que os
professores moçambicanos têm de lidar, de segunda à sexta-feira. Por ocasião de
mais um aniversário da Organização Nacional dos Professores (ONP), o @Verdade
foi ouvir a opinião dos docentes. Estes queixam-se de tudo, principalmente da
inércia daquela agremiação cuja tarefa devia ser velar pelo bem-estar da
classe.
De
segunda à sexta-feira, a vida de Abubacar Magido, de 32 anos de idade, é
bastante agitada. Reside na vila sede Mecubúri e todos os dias tem de percorrer
pelo menos 20 quilómetros até ao interior do distrito de Mecubúri, na província
de Nampula, para exercer a sua actividade. Há seis anos que é professor do
ensino primário. Na paragem, ele luta para garantir um lugar no “chapa” de modo
a chegar a tempo e horas ao posto de trabalho. Os transportes semicolectivos
ainda são um luxo para a maioria da população. A única alternativa tem sido as
motorizadas.
Quando
abraçou o professorado, fê-lo por paixão. Hoje, ele diz “gosto de ensinar, pois
trata-se de uma profissão nobre, mas as condições que nos são sujeitas são
bastante lamentáveis. Não é possível trabalhar nas condições em que
trabalhamos: salas superlotadas e por debaixo de uma mangueira. Só continuamos
nesta actividade por falta de alternativa”.
Esta
visão não é exclusiva de Magido. Bertil Fazbem, de 29 anos de idade, professor
formado pela Universidade Pedagógica, curso de formação 12+1 ano em 2008,
partilha a ideia. É docente da Escola Secundária de Nioce, distrito de Malema,
onde lecciona a disciplina de Português.
O
nosso interlocutor escolheu a profissão de professor como forma de contornar o
desemprego, ou seja, estando na formação, Fazbem descobriu que tinha dotes para
enfrentar a carreira docente, para além de que se inspira nos seus pais, uma
vez que eles também são docentes.
Em
2009, depois de concluir o seu curso, Fazbem foi afecto no distrito de Malema,
onde viria a ser colocado na Escola Secundária de Cucuteia, sito no posto
administrativo de Mutuáli, a 50 quilómetros da vila sede do distrito. Segundo o
nosso entrevistado, nos primeiros anos da sua carreira, tudo corria às mil
maravilhas. Volvidos três anos, com as exigências dos sonhos do professor
Fazbem, o que era paixão começou a tornar-se num mar de incertezas, dado que
ele pretendia continuar os estudos mas a sua localização não permitia o
ingresso no ensino superior.
A
preocupação do professor em alusão não era só aumentar o salário, mas também
adquirir mais conhecimentos para o seu bom desempenho no Processo de Ensino e
Aprendizagem (PEA).
Esta
pretensão continua a ser o seu maior desafio. Presentemente, ele encontra-se a
frequentar o curso de Ensino de Língua Portuguesa na Universidade Pedagógica,
na cidade de Nampula, algo que não tem sido fácil, dada a distância que separa
o seu posto de trabalho Nioce (Malema) da instituição onde é estudante.
Fazbem
optou por estudar em regime que é considerado pelos dirigentes de educação
irregular por não ter sido fácil conjugar o horário de trabalho e os estudos,
porque os professores não beneficiam das bolsas de estudo que poderiam ajudar
na obtenção não só de altos níveis académicos, mas também dos conhecimentos.
Num
outro desenvolvimento, o nosso interlocutor revelou que não é fácil ser
professor em Moçambique, pois esta classe profissional é relegada, pelo Estado,
para último plano, alegadamente porque é um sector que não produz. “Para o
professor ter uma habitação condigna deve contrair uma dívida numa instituição
bancária. Este é um exemplo claro de que não somos considerados, embora sejamos
pilares para a construção de uma sociedade”, disse Fazbem, tendo acrescentado
que “ninguém ascende aos demais cargos sem passar pelas mãos de um professor”.
Debruçando-se
sobre a actual situação de ensino no país no tocante à sua qualidade, Fazbem
disse que não é das melhores, por várias razões. Primeiro, por causa da própria
política educacional, pois o novo currículo, ora implementado que determina a
passagem automática dos alunos no ensino primário, atenta contra a
aprendizagem.
Para
o professor Fazbem, o Governo deve, com a máxima urgência, desenhar novas
políticas educacionais ou então retornar aos sistemas anteriores, por forma a
recuperar a qualidade de ensino em Moçambique. Caso não o faça, os
estabelecimentos de ensino continuarão a produzir académicos no papel
(certificado) que nada podem demonstrar para justificar os seus níveis.
“Estou
com medo que nos próximos tempos tenhamos, no país, médicos que, ao invés de
curar doenças, irão ceifar vidas por falta de conhecimento por causa destas
políticas que só satisfazem as vontades do partido no poder. Até porque há
cinco anos que já estamos a conviver com académicos sem nenhum conhecimento e
eu pessoalmente conheço colegas (professores) com dificuldades em ler e
escrever. Preocupa-me saber que a culpa é lançada ao professor, mas este é
obrigado a fabricar notas no final de cada trimestre e ano, alegadamente para
atingir e satisfazer as metas”, disse Fazbem.
O
nosso entrevistado chama a atenção aos governantes de modo a encontrarem meios
para manter os alunos, com principal enfoque as raparigas nas zonas recônditas
nas escolas. Porém, o que se assiste nos dias que correm é triste, uma vez que
no começo do ano, nas zonas em alusão, o número de alunos tem sido de 55 a 60,
mas até ao meio do ano chegam apenas 35 a 40.
A
outra dificuldade apontada pelo nosso interlocutor é a falta de bibliotecas nas
escolas secundárias espalhadas pelo país, com particular destaque para as zonas
rurais. E isso, para a nossa fonte, é um perigo eminente para a aprendizagem
não só dos alunos, mas também dos professores.
Fazbem
disse ao @Verdade que no distrito onde trabalha não há uma biblioteca onde o
aluno pode desenvolver estudos individuais ou de grupo, não obstante a
existência de cinco escolas secundárias. Esta preocupação foi apresentada há
anos ao antigo governador da província de Nampula, Felismino Tocoli, aquando da
sua visita de trabalho ao posto administrativo de Mutuáli, onde Fazbem começou
a exercer a actividade de docente, mas até hoje nada foi feito.
Além
de material didáctico, o professor em Moçambique não está motivado para trabalhar
e contribuir para o desenvolvimento do país. Como exemplo disso, segundo
Fazbem, o salário, sem querer dizer que é pouco, não corresponde ao trabalho
feito pela classe. Ademais, o custo de vida no país é elevado, deixando os
professores à beira do desespero.
“O
professor vive de dívidas e quando chega o fim do mês distribui o dinheiro aos
seus credores e, por via disso, é obrigado a gastar o próximo ordenado
antecipadamente. É triste para uma pessoa que tem dependentes”, afirmou.
As
dificuldades por que o professor Fazbem passa são várias, a partir da falta de
material didáctico, o mau desempenho dos seus instruendos, que no entender dele
é motivado pelo sistema actual de educação e o não acompanhamento dos pais e/ou
encarregados de educação, e desaguam nas viagens que tem de percorrer em cada
fim do mês para proceder ao levantamento do seu magro salário. Este último
facto pode durar cerca de três dias ou mais, por causa do sistema que por vezes
condiciona o processo enquanto as suas turmas ficam dias sem aulas.
Fazbem
revelou que a Organização Nacional dos Professores (ONP) em Moçambique é um
sindicato neutro, é um organismo fantoche que nada faz em prol do professor.
O
@Verdade ouviu também a professora de nome Esmeralda Parula que, actualmente,
lecciona na Escola Primária Completa de Murrapaniua 1, na cidade de Nampula.
Para ela, ser professor em Moçambique é uma tarefa difícil por causa do
tratamento a que estes profissionais de educação são sujeitos.
Esmeralda
foi formada no Instituto de Formação de Professores de Quelimane, na província
da Zambézia. Ser professora era o seu maior sonho desde a infância, mas hoje
disse que está inconformada com a situação que vive no Ministério de Educação e
Desenvolvimento Humano (MINEDH). Salário baixo contra preços onerosos de
produtos de primeira necessidade, e a má qualidade de educação que o país
atravessa são alguns dos aspectos apontados.
A
professora lecciona a primeira classe e disse que tudo corre às mil maravilhas.
Para ela, trabalhar com crianças, sobretudo ensinar a ler, contar e escrever,
faz parte das maiores realizações da sua vida, pois acredita que está a
contribuir para melhorar o país.
“Escolhi
ser professora para trabalhar, ajudar a sociedade, ensinar as crianças as
maravilhas das letras e números, para além de saberem se portar-se nas
comunidades onde se encontram inseridas, e como interagir com os mais velhos e
a realidade da vida. Mas sinto-me desanimada, uma vez que não há incentivos no
sector da Educação”, afirmou.
Esmeralda
lamenta o facto de o Estado partidarizar as escolas. Contudo, a nossa
interlocutora disse que em todas onde passa tem sido obrigada a participar nas
reuniões do partido no poder, em detrimento das aulas.
Quando
questionada sobre o que a ONP faz em prol do professor, Esmeralda com risos
ininterruptos respondeu ironicamente que não sabe da existência de tal
organização, uma vez que desde que ingressou na Educação, desconhece quaisquer
realizações da mesma em benefício dos seus membros (professores).
“Eu
pessoalmente não conheço esta organização. Só sei que em cada ano tenho menos
120 meticais que é levado à ONP, mas sem quaisquer justificações. Não sei se estou
a pagar uma quota ou uma outra coisa. Não tenho algum documento que me
identifica como membro da ONP. Há problemas que os professores enfrentam, como
a falta de pagamento de horas extraordinárias, turnos e meio, mas nunca vi e
nem ouvi falar da intervenção da ONP em torno disso”, lamentou.
A
professora é mãe de três filhos e vive com o seu marido. Neste dia 12 de
Outubro, Esmeralda vai passar em casa na companhia da sua família.
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