sábado, 3 de outubro de 2015

Moçambique. VIVER A PAZ MAIS DO QUE FALAR DA PAZ



ALBATH DA CRUZ*

ESCREVE­MOS, no passado, alguns arti­gos sobre a paz, com a simples fi­nalidade de propor uma fór­mula adequada à luz de al­guns intelectuais tais como Epicuro, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Montes­quieu, entre outros que já partiram para a vida eterna onde, provavelmente, po­dem estar com saudades de voltar para a vida fisica.

Assim afirmamos, para sustentar a ideia segundo a qual “se morrer é descan­sar, prefiro viver cansado”. É de salientar ainda que com tais escritos publicados por nós no passado, sobre a paz, pretendíamos ainda resgatar alguns príncipios valiosos para manter a vida harmoniosa que por que todos clamamos. Muitos de nós falamos e rezamos pela paz, mas não percebemos o que é a verdadeira paz. Al­guns continuam a matar e a criar desordem em nome da paz. Até parecem-se aque­les crentes que roubam em nome Deus. Consomem o álcool de forma exagerada, alegando que Jesus trans­formou a água em vinho e o mesmo era para ser con­sumido. Outros até chegam a dizer que se Deus tivesse visto que a bebida alcoólica é má, nem a teria inventado.

É verdade que não são estes os assuntos que pretende­mos tratar nesta nossa dis­sertação, mas sim a grande “ladainha” que é a paz. Algo bastante importante e in­dispensável para uma boa convivência entre os ho­mens; sem deixar de lado os animais irracionais que também precisam de viver num clima tranquilo. Hoje o ponto de reflexão no seio da sociedade moçambica­na é a paz. Viramos para a direita, ouvimos a paz. Viramos para a esquerda, ouvimos a paz. Passamos pelas barracas, o debate é em torno da paz. Entramos nas igrejas, ouvimos a paz. Prova esta das igrejas que testemunhamos na cele­bração dos setenta e cinco anos da Arquidiocese de Maputo no Estádio da Ma­chava, onde desde o Bispo Dom Chimoio até aos líde­res políticos falavam da paz nos seus discursos. Talvez o que esteja a falhar ou a faltar é, sem dúvida, viver a paz e não falar da paz!

Inspirados em Epicuro, no tocante à paz precisamos de beber dos quatro remédios, analisando a expressão qua­drifármaco para retrar os remédios que fazem o Ho­mem atingir a paz efectiva e duradoira para os moçambi­canos.

Platão estava preocupado com a limitação de poderes e manutenção da paz obvia­mente; isto é, para que uma única pessoa não possuísse poderes demasiado pode­rosos, por isso havia neces­sidade de limitar com um outro poder, estabelecendo uma divisão de classes es­tratificadas; o que Montes­quieu considera de equipo­tência de poderes. Portanto, é possível, em Platão, visua­lizar a questão da separação de poderes e a limitação dos mesmos. Quando aborda sobre a separação das fun­ções da cidade na instituição da cidade, quando este dis­correu da polís perfeita, afir­mando que deveria haver distinção de funções dos en­tes da comunidade, ou seja, cada pessoa deveria realizar a sua função junto ao grupo social, ficando mais clara essa ideia. Mesmo quando menciona que os guerreiros deveriam proteger a cidade, os magistrados deveriam governá-la e os mercadores deveriam produzir e comer­cializar os bens de consumo (PLATÃO, 1998:19).

Platão poderia se conside­rar o primeiro pensador a trazer a ideia de uma des­centralização de tarefas, levantando uma doutrina baseada no equilíbrio, pro­porcionando por uma or­ganização política formada por partes, defendendo uma teoria de que o todo prece­de as partes. Entendia a rea­lização das funções de cada indivíduo de acordo com as suas atribuições, como o princípio de uma ordem jus­ta e harmoniosa (PLATÃO, 1998: 19).

Ora, para que possamos vi­ver em paz, por exemplo à luz de Santo Agostinho, te­ríamos de ler e colocar em prática o que o autor de­fende na Cidade de Deus. Agostinho não distingue o fundamento ético do Ho­mem e Estado. Para ele o Estado será bom, justo, cor­recto e em paz se os homens que o compõem forem mo­vidos pela verdadeira justi­ça que se encontra somente em Deus. Esta, segundo o filósofo hiponense, é a con­dição necessária para que o Estado desempenhe com eficácia sua função de salva­guardar a segurança, a paz e a concórdia dos cidadãos. Esses deveres do Estado po­dem bem ser parafraseados pela própria definição de Estado que Santo Agostinho na Cidade de Deus explicita: “Uma concorde multidão de pessoas unidas entre si por um laço social” (AGOSTI­NHO, 1990: 8).

Motesquieu, no que toca a paz considera que cada uma das três formas possí­veis de governo é animada por um princípio: a demo­cracia baseia-se na virtude, a monarquia na honra e o despotismo no medo. Ao rejeitar este último e afir­mar que a democracia só é viável em repúblicas de pe­quenas dimensões territo­riais, decide-se em favor da monarquia constitucional. Elabora a teoria da separa­ção dos poderes, em que a autoridade política é exer­cida pelos poderes execu­tivo, legislativo e judiciário, cada um independente e fiscal dos outros dois. Seria essa a melhor garantia da liberdade e da paz dos ci­dadãos moçambicanos e, ao mesmo tempo, da eficiência das instituições políticas. Seu modelo é a monarquia constitucional britânica. A liberdade, a paz só é possí­vel quando se limitam os poderes governamentais. A melhor garantia da liberda­de e da paz é a salvaguarda mais conveniente contra as possíveis tiranias políticas e reside, segundo Montes­quieu, na separação dos poderes executivo, legisla­tivo e judiciário, tal como supunha que existia na Inglaterra. O exercício de cada poder deve estar a car­go de um órgão apropriado, mediante o estabelecimento de um sistema de equilíbrio (GETTELL, 1993: 295).

Segundo o antigo Presiden­te da República, Joaquim Alberto Chissano, numa en­tervista concedida à Rádio Moçambique e que passou ao ar na noite do dia 22 de Setembro, o povo moçambi­cano deve revisitar o Acor­do Geral da Paz para não se deixar enganar por inter­pretações erradas de alguns políticos falaciosos. Todos são chamados a defender um Estado de Direito, que está em construção. Recu­sando totalmente a guerra e em aqueles que procuram destruir a democracia com ameaças que promovem o desequilibrio social. Diz ainda Chissano que a recon­ciliação deve residir nos mo­çambicanos e não nos inte­resses individuais. O pensar diferente deve constituir um mecanismo de crescimento rumo ao desenvolvimento. As ameaças e a guerra não constroem nenhuma socie­dade de irmãos. O diálogo não deve consistir somente em duas pessoas, nem com a finalidade de beneficiar uma ou duas pessoas mas sim do interesse da nação. A re­conciliação não se negoceia, constrói-se deixando de lado todas as barreiras que pos­sam atrapalhar. O diálogo deve construir confiança. Não existe nenhuma Cons­tituição de onde quer que seja que não possua alguma imperfeição. Defende ainda Chissano o seguimento e o respeito pela Constituição, realidade esta tratada tam­bém na antiguidade clássi­ca por Aristóteles, quando afirmava que o Homem é um animal político que se distingue dos outros ani­mais pelo facto de estar integrado numa polis (cida­de), que resulta de uma civi­lização contínua da espécie humana: família, tribo, al­deia e cidade. Pela primeira vez Aristóteles “considera a cidade como Constituição de tal maneira que mudar uma Constituição é na ver­dade mudar o Estado, por­que a Constituição que não poucas vezes é apelidada por lei-mãe é que dá uma ordem à vida social e so­bretudo ao funcionamento correcto de todos órgãos do Estado, com maior desta­que aos de soberania ou de chefia” (REALE; ANTISERI, 1990:208).

Faço votos para que Chis­sano nos tenha inspirado para vivermos em paz. Que os seus ensinamento consti­tuam algo bastante impor­tante para uma convivência pacifica. Esta é a nossa fé, que acabamos depositando na juventude. Mas como temos dito, que a juventude não siga todos os exemplos errados de alguns mais ve­lhos que procuram desesta­bilizar a vida social e semear um clima de terror. Que a paz reine sempre em nossas vidas. Iniciemos hoje a viver a paz e não falar dela. Pri­meiro vivamos a paz, para depois falarmos dela. Assim seja.

*EM MOÇAMBIQUE

Folha 8 digital, 03 outubro 2015

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