O
PS desvalorizou as 23 propostas do seu próprio programa que a coligação admitiu
negociar para a estabilidade política
A
coligação PSD-CDS está "absolutamente convencida" de que terá mandato
para governar o país, apesar de a reunião com o PS ter deixado implícita a cada
vez maior clivagem num possível entendimento entre as duas forças políticas.
"Foi
essa a vontade dos portugueses quando deram a vitória à coligação Portugal à
Frente e não ao PS. Não esperamos outra coisa se não um mandado para
governar", sublinhou um alto dirigente desta força política. Questionada
sobre se estariam nessa disposição, mesmo sabendo que o programa de governo e o
Orçamento deverá ser chumbado, a mesma fonte foi perentória: "Uma etapa de
cada vez. O PS e a coligação são os únicos partidos com os quais é possível
[assumir] compromissos no quadro europeu."
Rostos
fechados, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas - que mais uma vez foi, segundo
fonte próxima, quem moderou a conversa, tentando estabelecer pontes entre
coligação e PS - descreveram assim o que se tinha passado no encontro com
António Costa: "Não se avançou rigorosamente nada." Foi
"absolutamente inconclusivo". Passos e Portas esperavam que houvesse
da parte de Costa uma resposta às 23 propostas - retiradas do programa
eleitoral do PS - sobre as quais tinham manifestado "abertura" para
negociar. Mas o secretário-geral "desprezou o trabalho feito", diz um
dirigente da coligação presente no encontro. "Comportam-se como se
tivessem ganho as eleições. Só faltou entregarem-nos o programa eleitoral do PS
e dizerem que ou governamos com ele ou nada feito."
O
designado "Documento facilitador de um compromisso" entre a coligação
e o PS para a "governabilidade de Portugal", continha várias medidas,
retiradas ipsis verbis do programa socialista e não impunha "qualquer
condição prévia para as negociações, além dos compromissos europeus,
determinados pelo Tratado Orçamental".
Aquilo
que a coligação tinha classificado de "proposta interessante, séria"
e que não seria "fácil de desconsiderar", António Costa considerou
"insuficiente" e não demonstrativo de uma verdadeira vontade de mudar.
O líder socialista garantiu ter "esmiuçado", durante a reunião, as
propostas levadas pela coligação, mas realçou a "ausência" de pontos
"imprescindíveis para virar a página de austeridade e combater o
empobrecimento".
A
resposta de Costa
Costa
já revelou parte da contraproposta que vai enviar à coligação e que garante ter
transmitido verbalmente ontem: o "combate à precariedade no
trabalho", o "combate à pobreza infantil", a redução do IVA na
restauração, o fim do corte dos salários na função pública, a educação escolar
para adultos e a alteração dos escalões de IRS para aliviar a
"asfixia" fiscal da classe média. São "17 ou 18 exemplos"de
medidas que, no seu entender, são "essenciais para melhorar o quotidiano
dos portugueses e as condições de investimento das empresas", disse Costa
aos jornalistas. "Não podem olhar para o programa do PS como bolas de
Natal para enfeitar a árvore da coligação", ironizou.
A
contrapor à convicção expressa também no preâmbulo do "Documento
facilitador" de que "é aos partidos integrantes da coligação que deve
naturalmente ser entregue a responsabilidade de formar um novo governo",
Costa lamentou que a coligação não "tenha percebido" que "a
direita sofreu a segunda maior derrota da história da democracia portuguesa".
"A maioria dos portugueses expressou claramente a vontade de mudar de
políticas. Era imprescindível que a coligação percebesse que está perante um
novo quadro parlamentar", salientou.
A
coligação disse aguardar que o PS lhes apresente uma contraproposta ao
documento que levou ao Largo do Rato e Costa aceitou. "Iremos agora, por
escrito, responder ao documento, de forma que aquilo que expressámos oralmente
nesta reunião, aquilo que pudemos transmitir de crítica ao documento
apresentado, não caia no vazio", garantiu.
"Manifestamente
insuficiente"
Aquilo
que para Costa foi "manifestamente insuficiente" já significou a
coligação engolir alguns sapos da campanha eleitoral. O que era classificado
como uma "aventura", agora faz parte da negociação.
A
coligação PSD-CDS abdicou de parte do programa eleitoral para que o PS
viabilize o governo. Desde o teto das pensões aos pilares fundamentais - uma
redução mais gradual da austeridade -, as cedências são várias, ainda que
protegidas por três palavras: "Manifestar abertura para."
Reticências.
Como
contrapartida do que deixa cair, a coligação pedia aos socialistas que se
comprometessem com a "não rejeição do programa de governo" e ainda
com uma "metodologia que permitisse construir um compromisso visando a
negociação do Orçamento do Estado para 2016".
Quanto
a entrar num governo de bloco central, no preâmbulo do "Documento
facilitador de um compromisso entre a Coligação Portugal à Frente e o PS para a
governabilidade de Portugal" é apenas referido que na reunião de dia 9
Passos e Portas "manifestaram e reiteraram a sua total abertura, no que
concerne à formação e composição do governo". No entanto, o PS já disse
que não aceitaria ir para um governo com PSD e CDS, e Matos Correia,
vice-presidente social-democrata, já admitiu em declarações ao DN que seria
desrespeitar o eleitorado da coligação o PS integrar o governo.
A
redução da sobretaxa, o aumento do salário mínimo , o fim do plafonamento nas
pensões, a admissão de cativar lucros das empresas para a TSU (na mesma medida
em que reduz a taxa para quem opta por contratos permanentes) são algumas das
maiores cedências feitas pela coligação.
A
segunda reunião não correu bem e não está agendada uma terceira. António Costa optou,
aliás, por elogiar os encontros que tem mantido com o PCP como contraponto às
negociações com a coligação. O secretário-geral do PS criticou ainda o PSD e o
CDS por não quantificarem o impacto das propostas. Apesar de mais confortável
do que Passos Coelho, Costa advertiu ontem: "Não temos muito tempo."
Valentina
Marcelino e Rui Pedro Antunes – Diário de Notícias - Fotografia © REUTERS/Hugo
Correia
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