quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Portugal. Coligação saiu do Rato desiludida mas certa de que vai tomar posse



O PS desvalorizou as 23 propostas do seu próprio programa que a coligação admitiu negociar para a estabilidade política

A coligação PSD-CDS está "absolutamente convencida" de que terá mandato para governar o país, apesar de a reunião com o PS ter deixado implícita a cada vez maior clivagem num possível entendimento entre as duas forças políticas.

"Foi essa a vontade dos portugueses quando deram a vitória à coligação Portugal à Frente e não ao PS. Não esperamos outra coisa se não um mandado para governar", sublinhou um alto dirigente desta força política. Questionada sobre se estariam nessa disposição, mesmo sabendo que o programa de governo e o Orçamento deverá ser chumbado, a mesma fonte foi perentória: "Uma etapa de cada vez. O PS e a coligação são os únicos partidos com os quais é possível [assumir] compromissos no quadro europeu."

Rostos fechados, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas - que mais uma vez foi, segundo fonte próxima, quem moderou a conversa, tentando estabelecer pontes entre coligação e PS - descreveram assim o que se tinha passado no encontro com António Costa: "Não se avançou rigorosamente nada." Foi "absolutamente inconclusivo". Passos e Portas esperavam que houvesse da parte de Costa uma resposta às 23 propostas - retiradas do programa eleitoral do PS - sobre as quais tinham manifestado "abertura" para negociar. Mas o secretário-geral "desprezou o trabalho feito", diz um dirigente da coligação presente no encontro. "Comportam-se como se tivessem ganho as eleições. Só faltou entregarem-nos o programa eleitoral do PS e dizerem que ou governamos com ele ou nada feito."

O designado "Documento facilitador de um compromisso" entre a coligação e o PS para a "governabilidade de Portugal", continha várias medidas, retiradas ipsis verbis do programa socialista e não impunha "qualquer condição prévia para as negociações, além dos compromissos europeus, determinados pelo Tratado Orçamental".

Aquilo que a coligação tinha classificado de "proposta interessante, séria" e que não seria "fácil de desconsiderar", António Costa considerou "insuficiente" e não demonstrativo de uma verdadeira vontade de mudar. O líder socialista garantiu ter "esmiuçado", durante a reunião, as propostas levadas pela coligação, mas realçou a "ausência" de pontos "imprescindíveis para virar a página de austeridade e combater o empobrecimento".

A resposta de Costa

Costa já revelou parte da contraproposta que vai enviar à coligação e que garante ter transmitido verbalmente ontem: o "combate à precariedade no trabalho", o "combate à pobreza infantil", a redução do IVA na restauração, o fim do corte dos salários na função pública, a educação escolar para adultos e a alteração dos escalões de IRS para aliviar a "asfixia" fiscal da classe média. São "17 ou 18 exemplos"de medidas que, no seu entender, são "essenciais para melhorar o quotidiano dos portugueses e as condições de investimento das empresas", disse Costa aos jornalistas. "Não podem olhar para o programa do PS como bolas de Natal para enfeitar a árvore da coligação", ironizou.

A contrapor à convicção expressa também no preâmbulo do "Documento facilitador" de que "é aos partidos integrantes da coligação que deve naturalmente ser entregue a responsabilidade de formar um novo governo", Costa lamentou que a coligação não "tenha percebido" que "a direita sofreu a segunda maior derrota da história da democracia portuguesa". "A maioria dos portugueses expressou claramente a vontade de mudar de políticas. Era imprescindível que a coligação percebesse que está perante um novo quadro parlamentar", salientou.

A coligação disse aguardar que o PS lhes apresente uma contraproposta ao documento que levou ao Largo do Rato e Costa aceitou. "Iremos agora, por escrito, responder ao documento, de forma que aquilo que expressámos oralmente nesta reunião, aquilo que pudemos transmitir de crítica ao documento apresentado, não caia no vazio", garantiu.

"Manifestamente insuficiente"

Aquilo que para Costa foi "manifestamente insuficiente" já significou a coligação engolir alguns sapos da campanha eleitoral. O que era classificado como uma "aventura", agora faz parte da negociação.

A coligação PSD-CDS abdicou de parte do programa eleitoral para que o PS viabilize o governo. Desde o teto das pensões aos pilares fundamentais - uma redução mais gradual da austeridade -, as cedências são várias, ainda que protegidas por três palavras: "Manifestar abertura para." Reticências.

Como contrapartida do que deixa cair, a coligação pedia aos socialistas que se comprometessem com a "não rejeição do programa de governo" e ainda com uma "metodologia que permitisse construir um compromisso visando a negociação do Orçamento do Estado para 2016".

Quanto a entrar num governo de bloco central, no preâmbulo do "Documento facilitador de um compromisso entre a Coligação Portugal à Frente e o PS para a governabilidade de Portugal" é apenas referido que na reunião de dia 9 Passos e Portas "manifestaram e reiteraram a sua total abertura, no que concerne à formação e composição do governo". No entanto, o PS já disse que não aceitaria ir para um governo com PSD e CDS, e Matos Correia, vice-presidente social-democrata, já admitiu em declarações ao DN que seria desrespeitar o eleitorado da coligação o PS integrar o governo.

A redução da sobretaxa, o aumento do salário mínimo , o fim do plafonamento nas pensões, a admissão de cativar lucros das empresas para a TSU (na mesma medida em que reduz a taxa para quem opta por contratos permanentes) são algumas das maiores cedências feitas pela coligação.

A segunda reunião não correu bem e não está agendada uma terceira. António Costa optou, aliás, por elogiar os encontros que tem mantido com o PCP como contraponto às negociações com a coligação. O secretário-geral do PS criticou ainda o PSD e o CDS por não quantificarem o impacto das propostas. Apesar de mais confortável do que Passos Coelho, Costa advertiu ontem: "Não temos muito tempo."

Valentina Marcelino e Rui Pedro Antunes – Diário de Notícias - Fotografia © REUTERS/Hugo Correia

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