MARIA
JOSÉ CASA-NOVA – Público, opinião
Vejo
pobres diariamente como não via desde a minha infância.
Por
razões profissionais, desloco-me com alguma regularidade a Lisboa. Numa das
últimas viagens, à chegada a Santa Apolónia, com o tempo à justa para a reunião
de trabalho que me esperava, almocei num pequeno restaurante existente na
estação.
No
final da refeição engolida rapidamente e sem tempo para a terminar, levantei-me
para pousar o tabuleiro. Nesse momento, um senhor aproximou-se e, de forma
muito delicada, perguntou: “Desculpe, não vai comer mais? Posso ficar com o
tabuleiro?” Não interessa como reagi, mas a indignação que senti. Vejo pobres
diariamente como não via desde a minha infância. Uma pobreza mais ou menos
camuflada, mais ou menos envergonhada, mais ou menos flagrante, mas ver
procurar alimento nos caixotes do lixo ou ver pedir os restos dos alimentos de
outros, gela-me o corpo e a alma, embarga-me a garganta, rasa-me os olhos, faz
doer todas as terminações nervosas do corpo.
Nos
últimos anos vimos crescer o número de pobres e a pobreza (ver artigo meu e de
outros colegas no Público de 09/06/2015, “Infâncias pobres e pobreza
em Portugal como escolha política”); vimos crescer assustadoramente as lojas
sociais e as cantinas sociais. Olho-as com o olhar de socióloga socialmente
comprometida. O seu significado faz-me pensar no país em que nos tornamos:
crescimento exponencial do desemprego e consequente crescimento exponencial da
emigração (dos menos e dos mais qualificados). Ouvimos governantes referir que
é preciso “sair da zona de conforto” e emigrar como se algum conforto houvesse
nas situações em que a diferença entre emigrar ou permanecer é do tamanho da
incomensurabilidade entre morrer devagar ou (sobre)viver no sofrimento do
abandono familiar, da solidão, da dor de ver o seu país retroceder na
humanização da sua sociedade. Vimos o fecho de hospitais, o despedimento de
profissionais de saúde, o despedimento de professores, o despedimento de
trabalhadores no sector privado; vimos a descapitalização da segurança social;
vimos a privatização de sectores-chave da nossa economia, cujo montante arrecadado
foi sorvido pelos custos dos escândalos financeiros do BPN e do BES e não na
melhoria das condições de vida das portuguesas e dos portugueses. Vimos o nosso
(ainda não sustentado) Estado Social transformar-se num Estado
assistencialista; os Direitos Sociais transformados em caridade, em
benevolência estatal, as reformas cortadas, o Rendimento Social de Inserção um
luxo e não uma segurança de limiar mínimo de sobrevivência física. E hoje,
atónita, vejo o ainda governo referir que “a próxima legislatura será
obviamente social” (Paulo Portas, Jornal I, 29/07/2015) e o Primeiro Ministro,
Passos Coelho referir, na apresentação do programa da coligação PSD/CDS-PP, que
“Poderemos nos próximos quatro anos levar mais longe a aposta na Educação, a
aposta na Saúde, a aposta no social. Nos próximos quatro anos poderemos
devolver mais Estado Social, mais liberdade de escolha, afirmando uma política
segura” (Jornal I, 29/07/2015). Estaremos a falar das mesmas pessoas que
destruíram o excelente Serviço Nacional de Saúde que Portugal tinha, que
transformaram o Estado Social em Estado Assistencialista, que destruíram o
Estado Social? A resposta é SIM; estamos a falar das mesmas pessoas, que hoje
agem querendo branquear as suas políticas; que hoje agem como se tivessem sido
outros a empobrecer Portugal e os portugueses, a fazer definhar a sua economia;
a fazer com que haja portugueses que aceitam trabalhar por 300 euros mensais. A
fazer com que jovens de classes de menor estatuto social que, possuindo uma
licenciatura e um mestrado tirados na expectativa de um futuro melhor do que o
dos seus pais, não conseguem trabalho não qualificado por excesso de
habilitações académicas ou têm de mentir para conseguir emprego nas caixas dos
hipermercados, permanecendo assim na sua condição social de origem, sem
qualquer possibilidade de mobilidade social ascendente.
Mentem.
Mentem como sempre mentiram, desde o tempo em que eram oposição e depois se
tornaram governo (ver artigo meu, no PÚBLICO de 08/09/2013, “Pilares da
democracia e prática política actual em Portugal”). ENGANAM os portugueses,
tratando-os, não como cidadãos, mas como súbditos (de sub-dito), menores (de
inferiores) sem capacidades ou competências para saber distinguir a verdade da
mentira.
Estes
senhores deviam ser responsabilizados e penalizados por enganar os portugueses
e empobrecer intencionalmente o país, indo pra além da Troika,como tantas
vezes referiram. Esperemos que os portugueses e as portuguesas o façam, votando
no próximo Domingo, por um Portugal com futuro, por um povo com dignidade.
Professora
universitária, coordenadora do Núcleo de Educação para os Direitos Humanos,
Universidade do Minho, membro do núcleo fundador do Manifesto para um Mundo
Melhor (manifesto internacional de cientistas sociais). mjcasanova@ie.uminho.pt
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