Surge
novo dissidente anônimo. Seus vazamentos comprovam: drones de Washington matam sem
qualquer chance de julgamento justo; atiram errado em nove em cada
dez alvos; e acabam alimentando terror fundamentalista
Antonio
Luiz M. C. Costa, na Carta Capital – em Outras Palavras
Criado
pelo empresário Pierre Omidyar e pelos jornalistas Glenn Greenwald e Laura
Poitras, celebrizados pela cobertura do caso Edward Snoden, além de Jeremy
Scahill, famoso pelas reportagens sobre a “Guerra ao Terror” e os mercenários
norte-americanos no Oriente Medio, o site jornalístico The Intercept acaba
de publicar uma reportagem devastadora intitulada The Drone Papers sobre
o uso de drones pelo Pentágono. Baseia-se em documentos secretos
fornecidos por uma fonte anônima — na maioria, slides de apresentações
internas.
O
material descreve como o governo dos Estados Unidos encobre a realidade sobre o
número de civis vitimados por drones ao classificar
mortos não identificados como “inimigos”, mesmo se não fossem os alvos
pretendidos. Desde que sejam homens e não haja prova positiva de que eram
inocentes, presume-se que eram terroristas.
Também
mostra como a lista de suspeitos aparece nos terminais dos operadores de
drones, ligando códigos associados com celulares para localizá-los por GPS.
Revela ainda que os alvos estão longe de se limitar a membros identificados de
organizações terroristas como a Al-Qaeda e do Taliban.
Qualquer
um pode ser transformado em alvo se for considerado “ameaça aos interesses dos
EUA ou a seu pessoal”, inclusive em países como o Iêmen e a Somália, onde
Washington não tem tropas nem interesses declarados. Basta os militares
selecionarem um alvo e Obama assinar uma autorização, processo que geralmente
demora 60 dias.
Para
identificar, caçar e matar pessoas, os militares dependem de sinais de
inteligência, ou “SIGINT”, baseados em comunicações interceptadas e metadados
sobre uso de computadores e celulares, de caráter reconhecidamente pouco
confiável. “Isso exige uma fé cega na tecnologia”, diz a
fonte anônima. “Há inúmeros casos em que eu me deparei com inteligência falha.
É impressionante o número de casos em que identificadores são mal atribuídos a
certas pessoas. Depois de seguir alguém por meses ou anos pensando estar perto
de um alvo realmente quente, você descobre que era o tempo todo o telefone da
mãe dele.”
É
um retrato de uma campanha voltada para o assassinato sem riscos para
estadunidenses, ao custo de violência e morte crescentes entre os afegãos. Nove
em cada dez vítimas de ataques de drones não eram os alvos pretendidos. Ao
matar inocentes, os bombardeios dos EUA enfurecem os sobreviventes civis e
muitos deles passam a apoiar os fundamentalistas ou juntam-se às suas fileiras.
Quando de fato se consegue eliminar algumas lideranças, o resultado também é
contraproducente.
Como
mostram estudos sérios, isso tende a tornar os grupos militantes
menos seletivos e ainda mais violentos contra civis, talvez por promover
membros de nível inferior com menos escrúpulos que os superiores assassinados.
Para
evitar alimentar a oposição interna à guerra ao pôr em risco soldados e
aviadores — alguns dos quais inevitavelmente acabariam mortos, capturados ou
mutilados — Obama e o Pentágono optaram por uma tática indolor aos olhos da
mídia e do público ocidental e capaz de obter êxitos imediatos de propaganda. Mas
tal tática não é capaz de efetivamente frear os avanços das forças
fundamentalistas. Pelo contrário, a longo prazo tende a favorecê-las e
multiplicá-las, ampliando ainda mais o ódio e o rancor contra a intromissão de
Washington e seus aliados.
Além
disso, ao distanciar os comandantes e operadores do cenário da batalha real a
ponto de reduzir os alvos inimigos a códigos impessoais, selecionados pela
análise estatística de uso de comunicações, o programa cria no Pentágono uma
ilusão de onipotência totalmente contraproducente. Ao mesmo tempo, perde-se a
compreensão do que realmente se passa na frente de batalha, do modo de pensar
do inimigo e da situação política, entendimento sem o qual é impossível vencer
qualquer guerra. É abrir mão da sabedoria em nome da informação.
Sem comentários:
Enviar um comentário