Rui Peralta, Luanda
No
Estado Democrático de Direito a liberdade assume dois sentidos complementares,
não antagónicos e não isoláveis: a) a liberdade como não-impedimento, como
licitude, ou seja o que não é obrigado nem proibido é permitido; b) a liberdade
como autonomia, ou seja, como oposto a coerção, no sentido de ser um poder de
estabelecer normas a si próprios e de não obedecer a normas que não sejam
estabelecidas para si próprios.
Em
a) livre é o homem que não está preso; em b) livre é o homem que pensa pela sua
própria cabeça.
Em
a) liberdade implica acção (uma acção livre é uma acção licita, não impedida);
em b) liberdade implica vontade (uma vontade livre é uma vontade que se
autodetermina).
Quando
estes dois princípios não são praticados (por impedimento ou por coerção) é
porque algo não está a funcionar devidamente no Estado Democrático de Direito,
uma estrutura organizacional tão falível como qualquer outra e tão sujeita às
tentações totalitárias como outras tentadas na Historia Politica. E quando
assim acontece, quando os princípios são colocados na gaveta ou apenas
atropelados, devemos olhar á nossa volta e observar com atenção os sinais que
manifestam-se no horizonte.
Geralmente
os problemas apresentam-se com requisitos básicos comuns, seja a montante ou a
jusante: desigualdade social, pobreza, desemprego, miséria, obscena
concentração de riqueza, factores que no seu conjunto, ou isoladamente, actuam
como elemento de erosão, gerador de desresponsabilização por parte dos governos
em relação ao Contrato Social assumido. Na realidade acabaremos por observar
que estes factores (desemprego, pobreza, concentração de riqueza) acabam por
ser inseridos num discurso, amalgamados, para serem mantidos como ideais
irrenunciáveis, como chamariz para a s multidões insatisfeitas. O objectivo
deste discurso não é a mobilização para efectivar um percurso diferente, que
combata o desemprego ou a pobreza e crie uma sociedade onde a riqueza seja
melhor distribuída, mas apenas para manter a adesão das massas esperançadas.
Desta
forma as lideranças aglutinam os seus fiéis e incondicionais seguidores e
erguem-se como intérpretes das necessidades mais elementares das massas,
enquanto desenvolvem, em simultâneo, a habilidade de detectar os sentimentos e
as aspirações dos grupos que pretendem descobrir caminhos alternativos e
soluções para os problemas que os rodeiam. Também estes grupos são sujeitos a
lideranças atractivas, mobilizadoras e ávidas de fiéis.
Um
dos sectores que mais responde ao apelo da mobilização é a juventude. Juventude
saudável é rebeldia, condição necessária para a criação de novos desafios e de
novas interpretações da realidade. Essa rebeldia é, também, saudável, desde que
não instrumentalizada por caudilhos, que escondem os seus objectivos reais por
detrás de um discurso populista, tão populista como o discurso das lideranças
que governam e que são responsáveis pela situação de descontentamento. Entram
então em choque dois discursos, ambos populistas, ambos com o único objectivo
de manipular e de contentar multidões insatisfeitas.
Os
grupos de lealdade juvenil são facilmente manipuláveis e corifeus
incondicionais de actividades e acções irracionais e violentas (mesmo quando
feitas em nome da contra-violência). Tornam-se desta forma descartáveis,
modulares e de multiusos.
Do
outro lado, do lado do Poder, está, no fundo o mesmo discurso, apenas dito de
forma mais pausada, mais cautelosa. Ambas as lideranças discursivas (as do
Poder e as do descontentamento) apostam na indolência cidadã, na maneira
silenciosa da cidadania se ausentar, no Contrato Social atirado para o cesto
dos papéis. Ambas apostam na violência das palavras e dos caceteiros, seja da
Segurança sejam dos mártires. Ambas posicionam-se equidistantes em relação á
cidadania. E ambas fazem parte dos alicerces da lixeira em que as sociedades
são implacavelmente transformadas, através das logicas mercantis que
transbordaram do seu espaço próprio, inundando as esferas do(s) Poder(es)
politico(s).
Talvez
seja possível restabelecer o Contrato Social, afirmando o equilíbrio necessário
que permita diferenciar o socialmente justo do injustamente imposto e erradicar
as tentações do círculo vicioso que transforma a Politica (a gestão da Polis)
em lucrativo e lamacento negócio de traficantes. Talvez seja possível e é
desejável que assim seja. Caso contrário apenas nos restará a ruptura e com ela
o abismo inebriante de uma nova ordem de coisas…Uma Revolução? Mas…porque não
uma metamorfose?
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