Rui Peralta, Luanda
Qualquer
um que adquira 49% de uma empresa em algumas economias africanas mais
periféricas e mais sujeitas aos processos culturais, políticos e económicos
neocoloniais, sabe que para a reconstruir e gerir necessitará de uma série de
quadros africanos experientes. Surgem muitos candidatos, quase todos,
aparentemente, bem qualificados pela sua categoria e posição, mas depressa nos
aperceberemos que apenas três ou quatro revelaram ter a experiencia e as
aptidões necessárias.
As
empresas de muitas economias africanas caracterizam-se por terem o dobro dos
gestores e quadros das suas congéneres europeias, americanas ou asiáticas, mas
existe, efectivamente, uma extrema escassez de qualificações e de experiencia
de gestão. É certo que alguns gestores receberam uma excelente formação, mas em
muitos casos passam a sua vida profissional como manuseadores de documentos, ou
como escribas de relatórios sem fim. Outros, talvez por serem mais activos e
não quererem passar o resto da vida a apanhar papéis, correm atrás de
encomendas, a conseguirem matéria-prima e divisas para comprar equipamentos e
máquinas no exterior.
Pessoas
com experiencia e qualificações profissionais de gestão são em escasso número e
esta escassez é um problema grave, embora superável com o tempo (Cronos é o
melhor remédio para tudo na vida). Muito mais difícil será a revolução na
cultura de gestão nas economias africanas neocolonizadas e ultraperiféricas.
Isto porque esta revolução nos mercados africanos implicará o desfazer de
muitas décadas de valores profissionais errados, de práticas profissionais
erradas e de políticas erradas, para além da desfiguração a que o colonialismo
sujeitou estas economias. São, também desde o início da colonização até hoje,
centenas de anos sem dizer a verdade e sem ninguém ter a permissão para relatar
a verdade. A verdade não serve para progredir numa carreira, isso é coisa da
mentira nestas economias. Um mercado actuante é baseado em informação fiável e
em relatórios de confiança, não em quadros dispostos a mentir e a tolerar
mentiras. Nestas economias fica com o trabalho aquele que ao perguntarem-lhe
quanto são dois mais dois responde: “Quanto precisa que sejam, camarada (ou
irmão, ou mano, ou excelentíssimo senhor) director”?
Outro
factor importante é o facto de nada mais assustar estes quadros do que tomarem
uma decisão. Realizam-se reuniões intermináveis, pedem-se estudos, mas não se
tomam decisões, acabando esta por ser delegada á posição mais elevada. Ora a
decisão é um factor básico em qualquer mercado, implica autonomia. É ao
vendedor que compete decidir acerca de uma acção a exercer sobre o cliente, a
medir a receptividade dessa decisão junto ao cliente, ou ao supervisor que
compete decidir sobre a paragem de uma linha de produção para corrigir uma
anomalia. Mas isto torna-se inconcebível nestes mercados.
África
necessita desesperadamente de empresas de pequena e média dimensão, pois as
maiores oportunidades de negócio estão nos sectores tecnológicos, nos serviços
e nos bens de consumo. É nestas áreas que florescem as empresas de pequena e
média dimensão, localmente geridas e geradoras de trabalho. As gigantescas (e
dantescas) empresas governamentais (empresas “públicas” geridas pelo Estado)
encontram-se em situação de falência e apenas podem ser salvas através da sua
divisão em unidades mais pequenas e com uma gestão mais autonomizada e com
menos custos administrativos. Se estes “elefantes brancos” forem privatizados
apenas tornam-se granes empresas privadas não produtivas, não havendo
recuperação económica, apenas estagnação.
Mas
existe, ainda, um problema de cultura de gestão maior do que qualquer outro que
tenha sido descrito até agora: a falta de entendimento do que é a livre
iniciativa e as relações no mercado. Aqui o mercado competitivo é definido com
aquele em que os preços são altos para que cada concorrente obtenha lucro. Nada
mais errado! No mercado a empresa tem de conquistar o lucro! Não existe apenas
“lucro” mas “lucro e perdas”, não há apenas “recompensa”, mas sim “risco e
recompensa”.
É
que a liberdade não é apenas ausência de restrições. É, também, autodisciplina,
responsabilidade e…autonomia de decisão.
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