sábado, 12 de dezembro de 2015

CIMEIRA ÁFRICA-CHINA



 Martinho Júnior, Luanda

1 – A África do Sul acolheu a cimeira África – China em reforço de sua integração nos BRICS, mas também aberta, com a administração de Jacob Zuma, a encontrar denominadores comuns em matérias que vão para além dos relacionamentos recíprocos já em curso, estendendo-os por África.

É a primeira vez que esta cimeira ocorre no continente africano e pela primeira vez vão-se discutir questões que se prendem sobretudo à paz no continente-berço da humanidade, algo que passa a ser encarado pela China como uma questão inadiável, de forma a encontrarem-se denominadores comuns de segurança e prevenção, levando em consideração a proliferação do caos e a disseminação do jihadismo terrorista, assim como as evidências relativas às vulnerabilidades dos muito frágeis estados africanos.

Também em relação a África, a República Popular da China não perde de vista os relacionamentos humanos com os factores físico-geográficos-ambientais; efectivamente a abordagem chinesa em relação a África passa a colocar ênfase especial na África Austral (SADC), tirando partido do papel da África do Sul enquanto um dos BRICS, constituindo a Nigéria o maior agregado mais a norte da região Sub Sahariana.

A China diminui a intensidade de seus investimentos no Sahel (no rescaldo das experiências traumatizantes da Líbia, do Sudão e ainda do Mali) em benefício da África Sub Sahariana.

2 – Desde a última cimeira que a evolução da situação global tende a agravar-se no âmbito duma IIIª Guerra Mundial não declarada, mas que evidencia o facto do mundo se ter tornado numa muito desequilibrada “casa comum”, ou numa “aldeia global”, onde os fenómenos dizem respeito a todos e a cada um, como nunca antes.

Face a face está uma concepção de globalização promotora de hegemonia unipolar, alicerçadas nas culturas anglo-saxónicas versus uma globalização emergente e multipolar que se estende a um conjunto muito alargado de culturas

A China em África sentiu os efeitos pontuais dos acontecimentos no Sudão (em especial no Sudão do Sul) e na Líbia, mas não pode perder de vista o grau de influência neo colonial, adstrito ao complexo NATO/AFRICOM, ou ao “pré carré” francês que decorre em toda a transversal Oeste-Este, do Senegal a Djibouti, tirando partido tacitamente da instrumentalização jihadista…

A China não pode perder de vista ainda o facto da expansão do jihadismo terrorista ter a ver com o reforço neo colonial, pois as potências ocidentais estão nesse sentido a justificar o aumento das capacidades resultantes da sua presença em termos de serviços de inteligência e militares, com esse tipo de ameaças e de riscos, que elas próprias ou por interpostas entidades (Turquia, Arábia Saudita, Qatar e Paquistão) vêm financiando.

A dialéctica do caos, advogado desse modo pelas potências da NATO (com a simbiose conseguida via AFRICOM), está mais visível que nunca, o que obriga ao fortalecimento das medidas consentâneas com o reforço da paz no continente africano.

O domínio dos 1% sobre a restante humanidade, é feito recorrendo ao materialismo dialéctico, utilizado como um instrumento de acção por parte da aristocracia financeira mundial, bem como pelas oligarquias e elites afins, algo que o relacionamento África – China não pode ficar agora mais que nunca, indiferente.

Na perspectiva dos 99% da humanidade, com base na emergência multipolar e nas potencialidades de relacionamento justo entre os estados, as nações e os povos, obriga-se o relacionamento África – China à acção materialista dialéctica fiel à paz e ao renascimento de África, numa plataforma de entendimentos que tem de ser assegurada e consolidada, face à dialéctica de caos que está também a ser imposta ao continente africano.

3 – A África do Sul, Angola e a SADC são factores de paz, de segurança e de desenvolvimento sustentável no actual ambiente profundamente tocado pela dialéctica de caos com que a hegemonia unipolar, via integrantes da NATO / AFRICOM e seus aliados arábicos têm inculcado nas relações internacionais e particularmente em África.

A África do Norte e o Sahel estão profundamente tocados pela expansão jihadista e contrapõem-se até sob o ponto de vista físico-geográfico à África do Sul, onde se realizou a Cimeira de Joanesburgo sobre a Cooperação China-África.

A África Austral dá assim mais garantias à China para enquadrar os factores estruturantes e integradores: a construção de ferrovias, de rodovias, de gasodutos e de oleodutos tão necessários a África.

Para o efeito os planos trianuais correspondem melhor aos interesses recíprocos, havendo a necessidade de impor um maior rigor aos contextos económicos e financeiros.

Isso não quer dizer que a China não advogue a unidade africana, quer dizer, isso sim, que a China vai proteger melhor seus investimentos em África, resguardando-os de golpes que já experimentou, sobretudo na Líbia (onde teve de evacuar 36.000 cooperantes em 2011) e no Sudão do Sul (em 2014, devido às sangrentas disputas internas) e resguardando-os de desvios nos programas de aplicação.
  
4 – Angola terá de realizar muito mais esforços para melhor poder corresponder ao novo triénio de relacionamentos, em termos de rigor na aplicação dos recursos, gestão do estado e responsabilidade em relação à “res publica”.

A influência da era Bush em Angola, alicerçada no “lobby” do petróleo, provocou desregramentos consideráveis sob os pontos de vista económico, financeiro e social, com uma parte das elites angolanas a deslumbrarem-se e a tornarem-se egocêntricas nos seus propósitos e nas suas intervenções, esbanjando e delapidando as capacidades que deveriam ter outra abrangência, provocando assim o aumento do fosso de desigualdades e desequilíbrios humanos.

Chegou-se ao ponto contraditório da implantação dum visível “apartheid social”, efectivamente contra a natureza do Movimento de Libertação em África!

O rigor do novo relacionamento de Angola com a China, encontra essa parte das elites angolanas ainda em estado de entorpecimento, pelo que as tensões internas em Angola poderão tornar-se mais evidentes, face à implementação das acções do estado com impactos na economia, nas finanças e na sociedade.

É por essas brechas que fermentam tendências, algumas delas correspondendo claramente a ingerências e manipulações externas.

No que ao MPLA diz respeito, a questão do rigor está intimamente associada à história do Movimento de Libertação em África, após a consumação do seu Programa Mínimo: hoje dá-se sequência na luta contra o subdesenvolvimento às décadas de luta contra o colonialismo, contra o“apartheid” e contra as suas sequelas e isso implica identidade e responsabilidade para com todo o povo angolano (e não para com grupos elitistas de ocasião) e por tabela rigor, responsabilidade e coerência no âmbito do estado angolano.

Há trinta anos (em 1985) que esse rigor foi grandemente posto de parte, face aos impactos que o país veio a sofrer: ingerências, manipulações, sangrenta desestabilização e globalização segundo a hegemonia unipolar, influíram sobre as fileiras do MPLA, mas agora o retorno ao rigor sem ferir o estado democrático e de direito, torna-se um imperativo em resposta à crise e correspondendo ao novo relacionamento que a República Popular da China estende a África.

A paz em Angola, na SADC, no Golfo da Guiné e nos Grandes Lagos, bem como noutras regiões do continente africano (recorde-se por exemplo a República Centro Africana), vai merecer uma longa luta face à expansão jihadista no Sahel e a partir do Sahel.

Para aquela parte das elites alienadas e egocêntricas, fermentadas na era Bush, deve-se lembrar que não há caminho se não se respeitar a história e ela própria não se converter ao rigoroso trabalho em prol de todo o povo angolano, mais ainda quando a diversificação da economia se impõe!

O estado não pode ser uma “cosa nostra” e terá de ser respeitado como o foi nos dez primeiros anos de independência!
  
Figuras:
- Mapa AFRICOM da expansão islâmica na África Sub Sahariana e acções dos dispositivos norte americanos de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento;
- Cimeira de Joanesburgo sobre a Cooperação China-África.

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