Fernando
Belo* - Público, opinião
Nas
estatísticas, os lucros vêm nas rubricas financeiras relativas ao capital,
enquanto os salários não aparecem, vêm na contabilidade dos “custos sociais”.
1.
Os economistas gabam-se de a ciência deles ser a "mais matemática"
das ciências sociais, mas enganam-se tantas vezes que não se percebe de que é
que se gabam; pior, ultimamente revelam-se impotentes para obstarem às
consequências terríveis duma especulação financeira que tomou os freios nos
dentes e anda a comprar ao desbarato as economias produtivas mais frágeis,
depois de as ter incentivado a desenvolverem-se com base no crédito fácil.
Truques dignos duma qualquer fábula de La Fontaine, a inventar, se não a há já.
E vê-se a multidão de economistas de todo o gabarito a acharem que não há
alternativa. Ciência exacta? Ainda que não exacta: ciência?
2.
Para vislumbrar uma resposta: o que é que faz da Física, Química e Bioquímica
ciências exactas? Não é tanto a teoria interpretativa, que tem as suas falhas
como qualquer saber de humanos, mas a sua dupla matematicidade: as equações
algébricas que se inventaram para dar conta dasmedidas de movimentos
variados, deslocamentos, correntes eléctricas, transformações moleculares, etc.
Ora essas medidas relevam da tradição geométrica que o século XVII algebrizou
(curvas em coordenadas cartesianas correspondentes a equações) e têm a
propriedade de os seus resultados, em unidades convencionadas, se destinarem a
ocupar as variáveis dessas equações e a verificá-las ("verdade"
duma "igualdade"), qualquer que seja a proximidade das interpretações
teóricas delas, discutida frequentemente entre os cientistas. As medidas
dependem de técnicas diversas (régua, relógio, balança, etc.), consoante a
dimensão da experimentação laboratorial, e é usando, por sua vez, de forma
politécnica, as equações e aplicando as técnicas de medida que a engenharia
constrói mecanismos capazes de movimentos concertados segunda as descobertas
experimentais. Mas é sempre ao tipo de fenómeno singular, com experimentações
científicas repetidas que corresponde quer a equação física, quer o fenómeno
técnico.
3.
Os fenómenos de cujo saber a Economia se ocupa são os do mercado, compras
e vendas, segundo uma "língua de preços em unidades monetárias, oscilando
conjunturalmente, língua que todos os agentes devem conhecer, já que é desses
preços que se fazem os custos mais complexos dos orçamentos de cada unidade
social, empresa ou família. Se se pergunta em que é que consiste o laboratório
da Economia, percebe-se logo uma diferença importante: não há nada de
geométrico nele nem de equações algébricas cujas variáveis correspondam a
técnicas de mensuração. Essencialmente, o laboratório dos economistas, cuja
manipulação lhes dá um saber que mais ninguém tem de outra forma qualquer,
consiste nas estatísticas em seus arquivos, os principais sendo
oficiais. Elas não podem ter em conta os fenómenos singulares do mercado, com é
óbvio, cada compra e venda, cada custo e cada orçamento, e está aí uma primeira
diferença em relação às ciências exactas: elas registam somas aritméticas de
milhares desses fenómenos, contando com o "equivalente" que a moeda é
– outorgando preço – a qualquer mercadoria para não precisar de ter em conta as
diferenças entre elas, adentro duma região de fenómenos estatisticamente
seleccionados. Na estatística – interesse e limite dela –, os fenómenos
económicos encontram-se misturados e quanto mais se subir em generalidade
económica, maior é a mistura. E o que é que se sabe que releve de
cientificidade? Movimentos sociais económicos, dados pelas diferenças entre
estatísticas correspondentes a dois períodos de tempo, comparando as respectivas
taxas: estas não têm dimensão, apenas cresceram ou diminuíram? Por definição de
ciência social, o "singular" desaparece, donde que nenhuma técnica
exacta seja possível aos economistas, cujo saber é sempre de aproximações
(nunca há 100%), sempre com uma forte componente de interpretação.
4.
Ora, esta é necessariamente política e a razão é simples. Se alguém
preocupado com a solidariedade social pode pensar que o fenómeno crucial da
Economia enquanto ciência seria tratar a maneira de decidir a partilha justa do
que se ganha com a venda do que abastece o mercado de mercadorias entre os
lucros dos que investem o capital na maquinaria e os salários dos que laboram
com esta, deverá saber que não há nenhum critério rigoroso, aritmético ou
científico para essa decisão: os seus critérios são sempre políticos, de
concertação ou de luta social, com intervenção ou não do Estado. Ora, nas
estatísticas, os lucros vêm nas rubricas financeiras relativas ao capital,
enquanto os salários não aparecem, vêm na contabilidade dos “custos sociais”, a
dimensão política essencial entre ambos não joga nas interpretações feitas com
base nas estatísticas que os economistas fabricam e consultam, fica escondida
nelas. O que se chama "neoliberalismo" vive dessa trapaça.
*Filósofo
Sem comentários:
Enviar um comentário