Carvalho
da Silva* – Jornal de Notícias, opinião
Este
ano de 2015 que agora termina foi desavergonhadamente classificado de "ano
de saída limpa", entretanto, na sua ponta final, está a propiciar-nos uma
perceção mais clara das sujidades escondidas ao longo das últimas décadas e, em
particular, durante a governação da Direita na anterior legislatura. Os crimes
políticos (e outros) contra os direitos e superiores interesses dos portugueses
foram muitos e de enorme dimensão.
A
Direita tem consciência do que fez, por isso já se colocou em reformulação e
está a criar as várias caras com que pretende dar eficácia à sua ação. No seu
seio está entranhado um forte ressentimento face à solução política que o voto
dos portugueses permitiu; então fica entregue ao CDS o papel de o exprimir,
dado que ideologicamente a Direita não democrática se identifica naquele
partido e ali não faltam quadros arrogantes, desavergonhados e sem pudor. Ao
PSD ficam entregues as tarefas de representar uma Direita responsável que de
novo quer ser dialogante, logo empenhada em recompor todos os mecanismos e
compromissos do centrão de interesses, de que aliás também uma parte do Partido
Socialista tanto gosta. Passos Coelho está em reciclagem e, porque pode ser-lhe
atribuída forte responsabilidade pelo desastre e sofrimento em que o país e o povo
foram colocados, já vai dizendo: "Espero que não façam demasiadas
passa-culpas".
Sem
espírito de vingança, mas com determinação e rigor, há que pôr a nu as
charlatanices e maldades que nos têm sido impostas. A participação e
responsabilização social e política das pessoas exige conhecimento objetivo da
realidade em que se movem, dos perigos que trilham e das capacidades
mobilizáveis para a construção "de projetos de vida e de felicidade",
de que nos falou o primeiro-ministro na sua mensagem de Natal. O diálogo, a
transparência e o compromisso de que os portugueses necessitam têm de partir
destas premissas.
O
Serviço Nacional de Saúde foi depauperado: surgem doenças e mortes em resultado
dessa política. Sem alarmismos, há que assumir esses factos identificando bem
os elos e as capacidades destruídas. Os recursos do país são escassos, os
profissionais de saúde, que tão maltratados têm sido, vão ter de fazer
sacrifícios para ajudarem à eliminação dos problemas mas, naturalmente, só o
farão se houver verdade na responsabilização, se se sentirem parte da
construção das políticas e se as promiscuidades de negócio entre o público e o
privado forem desmanteladas. Os novos governantes não podem fazer abordagens
redondas que diluem culpas.
Num
tempo de premência de investimento produtivo, é dramático constatar-se que, em
menos de uma década, o sistema bancário destruiu 40 mil milhões de euros.
Grande parte da poupança de que agora tanto precisávamos foi distribuída aos
acionistas em forma de "lucros", os gestores pagaram-se
principescamente e outra parte do dinheiro evaporou-se em negociatas e atos de
gestão irresponsável. O buraco do Banif ampliou-se em resultado de uma atuação
politicamente oportunista de Passos, Portas, Maria Luís e Carlos Costa. A
"saída limpa" de Portas e Passos foi camuflada pelo acumular de
buracos no setor financeiro e nem o professor de finanças que mora em Belém
quis topar a coisa. Os seus amigos da troica e do poder instituído na União
Europeia deram cobertura a este caminho, porque estão em funcionamento
mecanismos que colocam, sem apelo nem agravo, o povo a pagar as faturas.
Cavaco
Silva, na escalada do disparate que vem preenchendo o seu discurso, afirmou que
"Em matéria de governação, a realidade acaba sempre por derrotar a
ideologia". Este grande "malandro" da política - está no combate
ideológico e político há 40 anos e faz de conta que é um tecnocrata sem
ideologia - chama realidade ao conjunto de estruturas, práticas e regras
neoliberais criadas por quem pensa como ele, e coloca como irreais os valores
da democracia, da soberania e da dignidade humana.
O
discurso das reestruturações e reformas tem se ser substituído, em parte
significativa, pela ação política de reabilitação das estruturas e
infraestruturas humanas que organizam e gerem o setor público e privado.
*Investigador
e professor universitário
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