Estamos
a recordar 60 anos que ocorreu, em Bandung, Indonésia, uma reunião que viria a
ser relembrada como a Conferência de Bandung; nome com o qual ficou
conhecido, historicamente, este encontro ocorrido naquela cidade indonésia
entre 18 e 24 de Abril de 1955 e que reuniu os líderes de 29 estados asiáticos
e africanos, representando os destinos de cerca de 1.350 milhões de seres
humanos.
Esta
conferência tinha como um dos principais objectivos desenvolver no futuro uma
nova força política global – que alguns passaram a chamar de Terceiro Mundo –
que não fosse sujeita aos ditames bipolar das duas superpotências da época: os
EUA e a então URSS (União Soviética).
Participaram
no encontro 15 países asiáticos (Afeganistão, Birmânia (actual
Myanmar), Cambodja, Ceilão (ou Sri Lanka),
República Popular da China, Filipinas, Índia, Indonésia, Japão, Laos, Nepal, Paquistão, República
Democrática do Vietnam (ou
Vietnam do Norte),Vietnam
do Sul, e Tailândia);
8 Estados do Oriente
Médio (Arábia
Saudita, Iémen, Irão, Iraque, Jordânia, Líbano, Síria, e Turquia); e apenas 6 países de África (Costa do Ouro
(atual Gana), Etiópia, Egipto, Líbia, Libéria e Sudão, bem como delegações
de duas organizações independentistas: Frente de Libertação Nacional argelina,
e a do Destur tunisino). A Federação Centro-Africana que tinha dado a sua
presença como efectiva, acabou por não comparecer.
Foram,
à época, patrocinadores, a Indonésia – pelo então presidente Sukarno – a Índia
– liderada por Pandit Nehru –, a Birmânia (representado por U Nu), o Sri Lanka (então Ceilão,
governado por John Kotelawala) e o Paquistão (de Sir Mahomed Ali), que haviam
preparado a conferência numa reunião anterior em Colombo (Bogor), no Sri Lanka,
de 28 de Abril a 2 de Maio de 1955, com a participação de Ceilão,
Birmânia, Índia, Indonésia e Paquistão.
Nesta
reunião foi apresentada fora proposta de uma actuação coordenada com vista
pôr fim à guerra da Indochina, considerada como uma guerra colonialista. Noções
como o direito de autodeterminação e o respeito às soberanias nacionais, que
seriam mote de Bandung, eram já invocados como princípios fundamentais e
inalienáveis aos povos asiáticos e africanos, os povos do Sul.
Se
a reunião de Colombo foi – ou é – considerada a precursora de Bandung houve,
todavia, outros agentes que contribuíram para a sua realização.
Vários
problemas regionais que diziam respeito, por exemplo, a imigração, a relações
fronteiriças, a relações comerciais, movimentavam as novas nações asiáticas no
sentido de contrapor algo às movimentações na então ordem mundial bipolar.
Daí
que em 1954, o ano de todas as grandes reuniões asiáticas, surge um tratado de
amizade entre Tailândia e Indonésia e duas reuniões entre indonésios e
filipinos e Indonésia e a China popular, ambas por causa de questões de
nacionalidade; reunião entre Cambodja e Índia visando o rompimento de
isolacionismo cambodjano no continente; tratado de amizade entre Índia e
Egipto; o tratado de Panch Shila, consubstanciado nos “Cinco princípios de
coexistência pacífica”, entre a China e a Índia e que visava o i) respeito pela
integridade territorial e de soberania dos dois países; ii) pacto de
não-agressão; iii) pacto de não intervenção em assuntos internos de cada um dos
países; iv) igualdade e benefícios mútuos; e v) pacto de coexistência pacífica.
Estes
últimos cinco princípios acabaram por ser uma das razões de Bandung e do papel
do neologista “Terceiro Mundo” – expressão usada pela primeira vez em 1949 para
definir os países pobres de Ásia – no jogo internacional, tal como foi
percebido e desenvolvido por autores como Eric Hobsbawn e Paulo Vizentini.
Mas
outros factores formaram e consolidaram Bandung: i) promover a boa vontade e a
cooperação entre as nações da Ásia e da África; ii) examinar os problemas
sociais, econômicos e culturais e as relações entre os Estados; iii) estudar
temas associados à soberania nacional, o racismo e o colonialismo; iv) examinar
a posição da Ásia e da África e a contribuição que as nações presentes poderiam
dar à causa da paz e da cooperação; v) criar um Tribunal da Descolonização, que
julgaria os responsáveis pela prática deste crime contra a humanidade,
responsabilizando, igualmente, os países colonialistas levando-os a ajudar a
reconstruir os estragos perpetrados pelos antigos colonos no passado. Todavia,
esta ideia acabou por não vingar devido às pressões dos países mais influentes,
alguns colonialistas, no areópago internacional.
Ou
seja, apesar da reunião de Bandung terem estado representantes africanos, na
realidade foram os países asiáticos quem predominaram e definiram as linhas
mestras da conferência. Realce que já na época, também formada em 1954, os
países asiáticos estavam agrupados numa associação a Organização do Tratado do
Sudeste Asiático (SEATO, acrónimo inglês); nesta organização entravam
Filipinas, Paquistão e Tailândia, Austrália e Nova Zelândia, EUA e Reino Unido
e França. Paradoxalmente, dado a sua génese, Bandung criticou a SEATO e os
princípios colonialistas e capitalistas que a esta estavam subjacentes.
Para
o continente africano e à parte do tratado entre a Índia e o Egipto, só os
princípios de auto-determinação e independência dos povos colonizados tiveram o
necessário impacto e a crítica dos participantes à política segregacionista da
então União Sul-Africana (África do Sul), o apartheid, a que acrescentaram
todas as “questões do preconceito de cor”.
O
apoio explícito à independência de Marrocos, Argélia e Tunísia foram os factos,
relacionados com África – tal como a crítica ao apartheid –, mais importantes
da Conferência.
Na
realidade, só as reuniões subsequentes que ao longo dos anos se vieram a
realizar, como as Conferências do Cairo de 1957-58, 1961 e 1964, de Adis-Abeba,
de 1964, e de Belgrado, de 1961, reconhecida pela conferência “Primeira
Conferência dos Chefes de Estado e de Governo Não-Alinhados”, iniciativa do
presidente jugoslavo Josip Broz Tito, tendo sido estabelecido, oficialmente, o
«Movimento de Países Não-Alinhados» ou os países dos 3 As (África, Ásia e
América Latina).
E
foi com este movimento que as principais independências africanas aconteceram.
Nota:
Sobre esta matéria, proponho-vos vejam os trabalhos (Dissertações) de Pedro
Rocha Fleury Curado (2014) «A Guerra Fria e a “cooperação ao desenvolvimento”
com os países não-alinhados: um estudo de caso sobre o Egito nasserista
(1955-1967)», da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e de Arlindo
José Reis de Souza (2011) «O Orientalismo no (Luso)Trópico Americano:
perspectivas brasileiras sobre a Conferência de Bandung», do ICHF, da
Universidade Federal Fluminense, ambos utilizados como base de apoio a este
artigo.
*Investigador
do CEI-IUL e CINAMIL
Publicado
no semanário Novo
Jornal, edição 377, 1º Caderno, página 19
**Eugénio
Costa Almeida* – Pululu -
Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e
Doutorado em
Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele
poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a
actividade académica, social e associativa.