sábado, 19 de setembro de 2015

Brasil. DIA 3 DE OUTUBRO A DEMOCRACIA VAI PÔR O BLOCO NA RUA



A sanha golpista recrudesceu neste início de setembro. Embalada por fatos como a perda do grau de investimento do Brasil segundo classificação da agência de risco Standard & Poor’s, no último dia 9, as forças de direita apostam no caos para conquistar o que as urnas lhes negam há quatro eleições consecutivas.

Vermelho, editorial

Não importa, no caso, que a citada agência tenha sido condenada por fraude em seu próprio país. Ou mesmo que muitos economistas não levem em consideração seus desacreditados prognósticos. Ou ainda que o capitalismo esteja atravessando uma das piores crises de sua história. A única coisa que conta para os golpistas é tentar levar ao paroxismo o ataque à figura da presidenta da República, no que contam com o poderoso apoio de uma mídia facciosa e descompromissada com os interesses nacionais.

E novos fatos, visando jogar mais água no moinho do golpe, podem estar sendo gestados, como seria o caso de uma injustificável rejeição, pelo TCU, das contas do governo Dilma.

Como é inevitável, esta ofensiva conservadora vem acompanhada de uma inflexão cada vez mais à direita de setores que antes estavam situados mais próximos ao centro do espectro político.

Em nome da obsessão em atingir o poder central de qualquer forma, figuras com algum passado democrático alinham-se aos que defendem a tortura, aos que pregam um golpe militar, aos que transpiram preconceitos de toda espécie, vociferados em epítetos de ódio cada vez mais comuns.

Até o Supremo Tribunal Federal (STF) serve atualmente de palco a espetáculos desta natureza, como vimos durante o julgamento da ação sobre financiamento de campanha, nesta quarta-feira (16), quando o ministro Gilmar Mendes proferiu uma prédica que seria vergonhosa em qualquer ambiente, mas que partindo de um magistrado da nossa mais alta corte, em plena sessão, causa estupefação aos democratas, mas não ainda a reação necessária a tal despautério.

Por mais que alguns golpistas neguem e se proclamem democratas, suas atitudes são de claro compromisso com o que existe de mais atrasado e obscurantista na sociedade brasileira.

No golpe militar de 1964, oportunistas desta espécie também faziam juras de amor à democracia, e o final da história todos conhecem.

A atual estratégia golpista, embora por caminhos e métodos diferentes do movimento que implantou o regime militar, também é o de solapar a democracia para em seguida atacar os direitos sociais, a soberania nacional, a integração da América Latina e, não se enganem os incautos, mesmo as liberdades civis mais comezinhas estarão ameaçadas se o poder central for empolgado pela poderosa aliança entre a direita e os veículos da mídia hegemônica.

Pois neste cenário, os desmandos daqueles serão acobertados por estes, reeditando o que tantas vezes aconteceu na trajetória da nação e ainda acontece em regiões onde o PSDB e seus satélites governam.

Fica claro, portanto, que qualquer outra atitude que não seja a defesa intransigente do legítimo mandato da presidente Dilma, é cegueira política.

Tal compreensão vem mobilizando cada vez mais amplas parcelas da sociedade.

A resolução da Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), aprovada no dia 14 (segunda-feira), faz a seguinte conclamação: “O PCdoB, nesta hora em que paira sobre a Nação brasileira essa ameaça de retrocesso, renova o chamamento a todos que têm a democracia como um dos bens mais preciosos da Nação para que se unam, para que lutem para preservá-la, tendo como condição primeira a garantia de que a presidenta Dilma Rousseff conclua, conforme determina a Constituição, o seu mandato em 2018”.

Momento fundamental desta luta será o dia 3 de outubro, data em que a Petrobras completa 62 anos.

Neste dia, a recém-organizada Frente Brasil Popular, que reúne forças de esquerda, movimentos sociais, artistas e intelectuais, programou uma agenda de mobilizações de massa, tendo como primeira palavra de ordem a defesa do mandato presidencial de Dilma Rousseff.

Assim como no dia 20 de agosto, que representou um valioso momento de resistência democrática, no dia 3 de outubro veremos de novo nas ruas todos os rostos e cores que formam o miscigenado povo brasileiro se encontrarem, em defesa da Petrobras, dos direitos sociais, e das bandeiras da democracia e do progresso.

Como asseverou a presidenta do PCdoB, deputada federal Luciana Santos: “Não vamos aceitar golpe. Esse país vai entrar num processo de conflagração e nós estaremos na trincheira, defendendo o legado de um projeto para o país que democratizou na prática e garantiu avanços significativos na vida das pessoas”.

Será fundamental, na luta para afastar do horizonte as nuvens cinzentas do golpe e da ofensiva conservadora, construir de forma exitosa o dia 3 de outubro quando, como diz o poeta, o país vai “cantar a evolução da liberdade / até o dia clarear”.

O RACISMO NO BRASIL AINDA FAZ SANGRAR - diz professora gaúcha



Pelotas/RS – Para a professora Olga Pereira, doutora em Letras e Coordenadora de Ações Inclusivas da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura do Instituto Federal Sul Riograndense (IFSUL), o racismo no Brasil “envolto a uma frágil e capenga democracia racial, ainda faz sangrar diariamente os verdadeiros protagonistas da história: os negros e as negras”.

“Gritar que vivemos numa democracia racial é apenas uma forma confortável  de esconder por debaixo do tapete a vergonha de uma herança histórica  que persiste em criar  fronteiras entre o eu  e o outro. Infelizmente, vivemos numa sociedade racista, onde o pigmento de uma pele parece se sobrepor a valores e sentimentos de humanidade já tão esquecidos”, afirma.

Licenciada em Literatura brasileira e portuguesa pela Universidade (UCPel), ela acaba de lançar os livros “Reinterpretando silêncios – Reflexões sobre a docência negra na cidade de Pelotas/RS” e “Cicatrizes da escravidão: da história ao silenciamento”, respectivamente, pelas Nandyala e Um2, em que trata dos temas relacionados a presença negra no Brasil e as sequelas da escravidão.

“Algo que sempre me chama muito a atenção é o questionamento dos não negros pelo interesse e causa que abraço como ideal. É como se ainda soasse estranho uma mulher branca se comprometer e participar de eventos e discussões relacionados a negros e negras. No entanto, há muito aprendi que não devemos alimentar discussões diante de pessoas que, infladas por preconceitos  em relação ao próximo, em nada nos acrescentam. Sinto-me gratificada quando sou acolhida com esse refrão: chegou a nêga Olga!”, acrescenta.

Confira, na íntegra, a entrevista concedida por Olga Pereira, ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira.

Afropress - A senhora acaba de lançar o livro “Cicatrizes da escravidão: da história ao silenciamento” pela Editora Um2, e também “Reinterpretando silêncios – reflexões sobre a docência negra na cidade de Pelotas/RS” pela editora Nandyala. A que conclusões chega nesses dois livros acerca da persistência do racismo no Brasil?

Olga Pereira - Não sou pessimista,  tampouco, ignoro os direitos conquistados a duras penas pelos negros e negras do nosso país,no entanto,  não posso negar que o racismo, envolto a uma frágil e capenga democracia racial, ainda faz sangrar diariamente os verdadeiros protagonistas da  história: os negros e negras. São manifestações e atitudes racistas que se proliferam nas redes sociais, no cotidiano das relações pessoais e, a mais danosa, àquelas que, no velado das relações mais próximas entre o eu e o outro, continuam  a menosprezar o negro e sua intelectualidade a partir do pigmento de sua pele. Gritar que vivemos numa democracia racial é apenas uma forma confortável de esconder por debaixo do tapete a vergonha de uma herança histórica  que persiste em criar fronteiras entre o eu e o outro. Infelizmente, vivemos numa sociedade racista, onde o pigmento de uma pele parece se sobrepor a valores e sentimentos de humanidade já tão esquecidos. Os avanços tecnológicos e científicos que a cada dia têm servido para enaltecer a singularidade e intelectualidade do homem parecem somas contraditórias quando comparadas a atitudes tão preconceituosas que se reverberam a todo instante.

No livro “Reinterpretando silêncios: reflexões sobre a docência negra na cidade de Pelotas-RS” podemos identificar a persistência de uma racismo institucional que nos envergonha como educadores.  Se a escola,  fonte primeira de valorização do ser humano e de sua história, ainda se mostra repetidora de vícios tão indesejáveis, creio que é chegado o  momento de rever seus conceitos e posicionamentos. Não podemos mais  permitir que o critério cor ou raça ainda seja usado como desculpa para a depreciação de docentes negros/as espalhados em cada cidade e estado do Brasil. As vozes dos docentes negros presentes na minha pesquisa demonstram nitidamente a persistência de atitudes racistas e preconceituosas tanto nas escolas como na própria sociedade. No livro “Cicatrizes da escravidão: da história ao silenciamento”, coletânea de artigos apresentados em eventos sobre a temática afro-brasileira e africana, trago reflexões  sobre as diversas formas usadas pelo brancos para manter acesa as fronteiras das desigualdades alimentadas pelo critério “cor”.

Por isso, em cada artigo que compõe os dezesseis capítulos do livro, tragos reflexões de Franz Fanon, Carlos Moore, Aimé Cesáire, Marcien Towa, Munanga , Abdias do Nascimento, Milton Santos, Petronilha Gonçalves, Nelson Mandela, Martin Luther King e muitos  outros pesquisadores que, através de um olhar diferenciado, nos faz refletir sobre a verdadeira história do negro descontaminada pela narrativa eurocêntrica.

Afropress - Como tem vivido a experiência de ser uma intelectual não negra e antirracista numa cidade como Pelotas?

OP - Posso dizer que sou muito respeitada pelo trabalho que venho desempenhando ao longo da minha trajetória acadêmica. Na verdade, o meu interesse pela problemática enfrentada pelos irmãos negros, começou bem antes de ingressar na universidade. O despertar por tais narrativas, como bem sinalizado por um amigo da Frente Negra Pelotense, talvez possa ser explicado somente através de um olhar espiritual. Nasci e me criei na cidade de Pelotas, historicamente marcada pelo longo período charqueadense, e posso afirmar que, em se tratando de racismo  e preconceito pela cor, o presente ainda se escara com cara de passado.  Algo que sempre me chama muito a atenção é o questionamento dos não negros pelo interesse e causa que abraço como ideal. É como se ainda soasse estranho uma mulher branca se comprometer e participar de eventos e discussões relacionados a negros e negras.

No entanto, há muito aprendi que não devemos alimentar discussões diante de pessoas que, infladas por pré-conceitos em relação ao próximo, em nada nos acrescenta. Vou continuar lutando por uma  sociedade melhor com pessoas melhores. Sei que os meus livros são sementes solitárias que vão se fortalecendo através do olhar e da reflexão de muitos outros. Isso é o que realmente importa: fazer do meu trabalho um  exercício-reflexivo em prol da valorização e protagonismo do negro em nosso país.

Afropress - Como vê a situação do movimento negro no Brasil?

OP - Como bem nos faz lembrar um provérbio africano  “Até que os leões tenham suas histórias, os contos de caça glorificarão sempre o caçador”, e é dessa forma que vejo a situação e mobilização do povo negro em nosso país. A história tem demonstrado as lutas diárias enfrentadas pelo povo negro em busca da efetivação de seus direitos. São  conquistas importantes que, na contramão de tudo que podemos chamar de democracia racial, são batalhas intermináveis e dolorosas. Percebemos legislações ainda frágeis  transformadas em retratações de pouca relevância. Um cenário conflituoso onde o negro a todo instante precisa afirmar sua negritude e identidade, caso contrário, sua história e contribuição cultural tende a ser usurpada eurocentricamente.  Acredito nos Movimentos Negros espalhados em cada canto do nosso país como sinônimos singulares de uma luta permanente contra tudo que se possa chamar de uma única versão da história. A caminhada é lenta e os enfrentamentos bem complexos e velados, no entanto, somente através dessa mobilização coesa é que podemos ter expectativas de um mundo com mais equidade.

Afropress - Pretende lançar os livros nacionalmente?

OP - Escrever no Brasil ainda representa um exercício solitário, desafiador e pouco valorizado.  Dependendo do tema proposto, posso dizer que se torna mais complexo essa caminhada. Os gastos com editora, gráfica e todo processo que envolve a publicação de um livro são alarmantes. Depois nos deparamos com o percentual estipulado pelas livrarias que, na maioria das vezes, acaba nos privando do mínimo que investimos ao longo do processo como um todo. Quero aqui ressaltar que os dois livros que estou publicando em 2015 sobre a temática do negro e sua história, não tive nenhum tipo de ajuda ou patrocínio. Escrevi e arquei com todas as despesas porque acredito que, de alguma forma, minhas reflexões  tendem a ser aprofundadas através de outros e inquietantes olhares. Nenhum escritor escreve para deixar suas palavras escondidas numa velha prateleira, assim como tantos outros, gostaria que os mesmos alcançassem outros universos. Os livros  encontram-se em algumas livrarias da cidade de Pelotas, no entanto, seria gratificante vê-los em outros espaços e ocupando a relevância merecida diante do tema escolhido.

O Brasil está engatinhando em relação à literatura africana, e quando falo isso é porque tenho uma biblioteca-afro particular que só me foi possível construir a partir da compra desses livros em eventos específicos. Caso contrário, somente mediante compra via internert podemos ter acesso a tais referenciais.

Afropress - Como começou a se interessar pelo tema e como tem sido sua interação com o movimento negro brasileiro?

OP - Como dito anteriormente, é algo talvez possa ser explicável espiritualmente. São pesquisas que não se esgotaram com os trabalhos desenvolvidos tanto no mestrado, como, no doutorado. Continuo escrevendo e divulgando artigos sobre o negro e sua história. Continuo participando de eventos e encontros onde as discussões e reflexões sobre o preconceito, racismo e discriminação racial, são contextualizadas a partir das vozes e experiências desses sujeitos. 

Enquanto viver sei que trarei como bandeira acadêmica e pessoal o uso da linguagem e da escrita como fontes de reflexões em prol de uma igualdade racial de fato e de direito. Sinto-me gratificada quando nesses espaços sou acolhida com esse refrão: chegou a nêga Olga!

Afropress - Faça as considerações que julgar pertinentes.

OP - Quero agradecer imensamente ao amigo Dojival Vieira, responsável pelaAfropress - Agência Afroétnica de Notícias, pelo caloroso convite e valorização do meu trabalho e da minha trajetória em prol de uma sociedade mais justa e com pessoas melhores. A Afropress traz esse diferencial que considero um dos mais relevantes: um espaço específico para tratar de temas ainda pouco valorizados em nossa sociedade. Que Deus o ilumine e que tais sementes plantadas por você possam germinar em outros estados e regiões.  


Angola. DEMOCRACIA COM PRESOS POLÍTICOS NÃO É DEMOCRACIA



José Eduardo Agualusa disse hoje em Lisboa que o poder em Angola está a cometer um “grave erro” ao manter jovens presos por motivos políticos, referindo-se aos (pelo menos) 15 acusados de golpe de Estado.

“A questão é que, com a prisão destes jovens, tudo mudou. Eu não conheço democracia com presos políticos e eles são presos políticos. Eu lembro que as primeiras declarações de dirigentes políticos angolanos referiam-se a presos políticos. A seguir, foram referidos como políticos presos e finalmente encontraram a expressão: retidos. São presos políticos e não se constrói uma democracia com presos políticos”, afirmou o escritor no debate sobre Angola, organizado pela Amnistia Internacional em Lisboa.

Para Agualusa, do ponto de vista “estratégico é um erro enorme que o poder e o presidente José Eduardo dos Santos estão a cometer” porque as acusações e as prisões não fazem sentido e viram-se contra o próprio poder.

“Se o MPLA e o Presidente José Eduardo dos Santos pensa em ir a eleições, o que está a fazer é um erro enorme”, disse referindo-se aos jovens detidos em Luanda sob acusação de golpe de Estado e ao activista de Cabinda, José Carlos Mavungo, condenado a seis anos de cadeia efectiva.

No debate em que participaram também Rafael Marques e a eurodeputada Ana Gomes, o escritor sublinhou que está a nascer em Angola e em Portugal um movimento de solidariedade para com os jovens angolanos detidos, abarcando círculos muito próximos do poder.

“Neste grupo de apoio aos jovens há famílias relevantes e ligadas ao poder em Angola e isto está a levar o debate para dentro do próprio partido no poder. O presidente está neste momento a ser muito contestado dentro do seu próprio partido. Eu creio que a imagem do presidente nunca foi tão má e, portanto o que está a ser feito é um erro e já não falo na questão ética ou na questão moral. É um erro estratégico. Libertem estes jovens”, disse Agualusa.

Na prática, segundo o escritor, os movimentos de solidariedade estão a surgir de forma espontânea nas redes sociais e têm recolhido toda a forma de apoios aos presos políticos, dando auxílio às famílias directamente e tentando resolver problemas logísticos como transportes para as familiares poderem visitar os presos políticos.

Foram também organizados em Luanda e Lisboa espectáculos de música para a recolha de fundos e que vão continuar “até que estes presos sejam libertados”.

Por outro lado, José Eduardo Agualusa sublinha que não é correcto afirmar-se que Angola foi o único país em África que conseguiu resolver os problemas da guerra e integrar os antigos adversários.

“Isso não é verdade. Temos o exemplo da Namíbia que é um país que funciona muito bem, que teve uma guerra e os seus problemas mas que integrou toda a gente”, disse, acrescentando também o exemplo de Moçambique.

“Moçambique já teve quatro presidentes e nós estamos com o mesmo Presidente desde sempre. Não conheço nenhuma democracia em que o mesmo Presidente esteja no poder há 35 anos”, conclui Agualusa.

Folha 8

COMUNIDADE LUSÓFONA EM BERLIM AJUDA CRIANÇAS ANGOLANAS HOSPITALIZADAS



Um grupo de voluntários falantes da língua portuguesa tem vindo a acompanhar e a visitar crianças angolanas carenciadas com doenças graves, a receberem tratamento médico na Alemanha, e que se encontram no país sem a família.

"São crianças que vêm de meios sociais extremamente carenciados. Está fora de questão a família vir com eles", explicou Ines Thomas de Almeida, coordenadora da campanha Tempo e Livros que se enquadra na ação social da Berlinda, uma associação sediada em Berlim dedicada à interação cultural entre o mundo da língua portuguesa.

As crianças viajam até à Alemanha, ao abrigo da ação humanitária da associação alemã Friedensdorf, onde recebem tratamento adequado em hospitais de primeira linha durante seis meses. A instituição recolhe semestralmente cerca de 250 crianças de países com défices na área da saúde.

"A criança vem e está perdida" lamentou Ines e "por maior que tenha sido a fase de informação, a criança está ali a viver um filme de terror porque está a ser alvo de tratamentos médicos intensivos num sítio onde não entende a língua e ninguém a compreende a ela".

Em declarações à agência Lusa em Berlim, a coordenadora do projeto disse que os voluntários são essenciais "sobretudo na fase inicial" porque fazem a ponte entre a equipa médica e a criança "que não entende o que se passa".

Cristóvão, 14 anos, foi a primeira criança a receber visitas dos voluntários da Berlinda e relembrou que a chegada a Berlim foi um "pouco assustadora" porque se sentia "sozinho e não sabia falar alemão".

Três anos de tratamentos depois - um período de exceção na ação humanitária do Friedensdorf - Cristóvão está a preparar o regresso a Luanda e, além dos lápis, livros e folhas de desenho, leva consigo a fluência do alemão que desenvolveu ao longo da estadia em terras germânicas.

"As crianças aprendem o alemão muito rápido, ao fim de seis meses já conseguem comunicar muito bem", acrescentou Ines. A coordenadora do programa referiu que a manutenção da língua portuguesa é um dos papéis do voluntário porque "por incrível que pareça e, muita gente não acredita, muitas crianças desaprendem o português", rematou.

Cristóvão, que tem o quarto do hospital decorado com cartazes do homem aranha, garante sentir-se bem na Alemanha, à parte da comida que é "esquisita", mas tem saudades da família que não vê há três anos.

"A ideia é não transformar demasiado a criança", mas no caso do Cristóvão "ele já tem uma mentalidade alemã e tornou-se outra pessoa", revelou Ines. A voluntária receia que o regresso a Luanda "seja uma enorme deceção" porque "o que ele vai encontrar não é aquilo que ele deixou com 11 anos".

Ines quer agora encontrar uma instituição parceira em Angola que possa acompanhar as crianças no regresso. Cristóvão, que conversa com a família esporadicamente por telefone, disse: "Eles estão à espera da minha volta. Mas é bom saber que eu também tenho uma família aqui na Alemanha".

Em 2014, o programa contou com 18 voluntários de nacionalidade alemã, angolana, brasileira e portuguesa, mas a adesão cresceu em 2015.

A ação humanitária do Friedensdorf - que em português significa aldeia da paz - recebe cerca de 160 crianças angolanas anualmente e já tratou um total de 2.700 desde 1994. Duas vezes por ano, uma pequena equipa médica alemã viaja até Luanda e seleciona as crianças que vão receber tratamento na Alemanha. Além de Angola, a instituição trata crianças do Afeganistão, Arménia, Gâmbia, Gaza, Geórgia, Nigéria, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão.

Lusa, em Notícias ao Minuto

ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS PREOCUPADOS COM TENSÃO POLÍTICA EM MOÇAMBIQUE



Associações de estudantes universitários moçambicanos manifestaram-se hoje preocupadas com a tensão política em Moçambique, enaltecendo a importância da paz e da estabilidade para o desenvolvimento do país.

"Viémos manifestar a nossa indignação e preocupação, notamos, com alguma tristeza, que há determinados acontecimentos que ameaçam a paz no país", disse à agência Lusa Nuno Horácio, presidente da Associação de Estudantes Universitários da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), à margem de uma manifestação de apelo à paz em Maputo, organizada hoje pela União Nacional de Estudantes de Moçambique.

Numa altura em que o país atravessa um clima de tensão, com a ameaça de confrontações militares entre o exército e o maior partido da oposição, a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), os estudantes universitários apelaram às partes envolvidas para optarem por um diálogo sério, franco e aberto, assinalando que a educação é a base para o desenvolvimento de qualquer Estado, mas que esta é impossível num clima de guerra.

"A paz é a condição para o nosso desenvolvimento. Aliás, foi a paz que nos trouxe espaço para o surgimento das academias", sublinhou Joaquim Cabaca, vice-presidente da Associação de Estudantes da Universidade Técnica de Moçambique, convidando os lideres políticos a aconselharem-se junto das academias para melhor dirigirem os destinos do país.

Trajados de camisetas brancas, com mensagens de apelo ao diálogo e a imagem de uma pomba, a aludir à paz, centenas de estudantes de várias instituições de ensino superior publicas e privadas concentraram-se na praça da paz às 08:30 locais (09:30 de Lisboa), mesmo sob a ameaça da chuva e da temperatura baixa que se faz sentir hoje na capital moçambicana.

"Todos nós, enquanto cidadãos, somos chamados a manifestar-se contra qualquer possibilidade de guerra em Moçambique", afirmou à Lusa Hermenegildo Machoi, presidente da Associação de Estudantes da Academia de Ciências Policiais, salientado que a existência de um "grupo armado não autorizado" é um perigo para a segurança pública, em alusão ao braço armado do maior partido da oposição.

A manifestação, que começou quase com uma hora de atraso, foi acompanhada por um pequeno contingente policial, contrariamente ao que é hábito em situações similares.
"Esta é uma iniciativa louvável e que deve ser levada a sério", declarou à Lusa Teresa Isabel Adriano, diretora pedagógica do Instituto Superior de Gestão e Finanças, relembrando que Moçambique já viveu a guerra dos 16 anos, que terminou em 1992.

"Nós, como um estrato da sociedade, exigimos apenas a paz e pedimos que as partes envolvidas dialoguem para resolução definitiva desse problema", reiterou o presidente da Associação de Estudantes Universitários da UEM.

A Renamo exige a criação das autarquias províncias em todo país e quer governar as seis regiões onde reclama vitória eleitoral nas eleições de outubro de 2014 em Moçambique, sob ameaça de tomar o poder à força.

Na semana passada, uma comitiva do líder da Renamo foi atacada em Chibata, junto do rio Boamalanga, quando regressava de um comício em Macossa, a caminho de Chimoio, capital de Manica, no centro de Moçambique.

Na quinta-feira, a Renamo ameaçou vingar-se do ataque e acusou diretamente o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, de ter dado ordens para assassinar o seu líder, Afonso Dhlakama, imputando ao ministro da Defesa, Salvador Mtumuke, e ao chefe do Estado-Maior General, Graça Chongo, conveniência no alegado plano.

Em 2013, o braço armado do principal partido de oposição bloqueou a única estrada que liga o sul e o centro ao norte de Moçambique, levando a confrontos entre as Forças de Defesa e Segurança e a Renamo durante 17 meses, tendo causado um número desconhecido de mortes.

Os confrontos pararam formalmente em 05 de setembro do ano passado, com a assinatura do Acordo de Cessação das Hostilidades Militares entre Afonso Dhlakama e o então chefe de Estado moçambicano, Armando Guebuza.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Moçambique. Comandante da polícia escapa a rapto ordenado por líder da Renamo



O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, ordenou o rapto do comandante distrital da polícia e do administrador de Tambara, Manica, centro de Moçambique, para os "espancar publicamente", mas estes escaparam, denunciou o administrador Maurício Macharubo.

A tentativa de rapto, ocorrida na quarta-feira, foi hoje divulgada por Maurício Macharubo na Rádio Moçambique e confirmada numa gravação de declarações de Dhlakama num comício, no mesmo dia e também em Tambara, a que a Lusa teve acesso.

"Vão buscar agora o comandante da polícia e o administrador, quero dar 'mbama' [bofetada] publicamente", ordenou Afonso Dhlakama, alegando ter recebido denúncias de maus-tratos a apoiantes do maior partido de oposição naquele distrito.

"Tambara é Renamo [Resistência Nacional Moçambicana], por isso não podemos admitir brincadeiras", disse Dhlakama, ordenando a cinco comandos da sua guarda para trazer ao comício os visados, mas regressaram com informações de que o administrador e o comandante da Polícia estavam ausentes.

A Lusa tentou hoje em vão ouvir o comandante local da polícia e o administrador de Tambara.

Citado pela estatal Rádio Moçambique, Maurício Macharubo, administrador de Tambara, contou que homens armados da Renamo dirigiram-se ao comando da polícia e à administração distrital para "capturar" o administrador, o chefe das operações da polícia e o primeiro-secretário da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique, no poder), em cumprimento das ordens do seu líder.

"O grupo mandatado para capturar o administrador e o chefe de operações [da Polícia] desceu para o comando e um outro grupo dirigiu-se para o gabinete do administrador, encontrou o meu assistente e perguntaram: 'Onde está ao administrador?' O meu colega respondeu que o administrador está no seu programa, fora da vila", descreveu Maurício Macharubo.

O administrador contou que havia instruído os membros do governo distrital para que se retirassem dos gabinetes e deixassem as suas residências, durante o período em que decorria o comício, o que permitiu que não fossem alvos do plano do líder da Renamo.

Este incidente segue-se a um ataque no sábado em Manica contra uma coluna em que seguia Dhlakama, que saiu ileso.

A Renamo imputou o ataque às forças de defesa e segurança de Moçambique, por ordem do chefe de Estado, Filipe Nyusi, e na quinta-feira ameaçou retaliar.

Este posicionamento, enfatizou, em conferência de imprensa, o secretário-geral da Renamo, Manuel Bissopo, "não é uma declaração de guerra, mas que fique claro que a Renamo irá reagir política e sabiamente".

Moçambique vive momentos de incerteza política, com o líder da Renamo a não reconhecer os resultados das últimas eleições gerais e a exigir a governação nas províncias onde reclama vitória, sob ameaça de tomar o poder pela força.

Lusa, em Notícias ao Minuto - ontem

PAPA AINDA SOBREVOA ATLÂNTICO A CERCA DE DUAS HORAS DE CUBA



Papa a caminho de Cuba e dos Estados Unidos

A diversidade de contextos que Francisco vai encontrar e a alta incidência política e diplomática são alguns dos principais desafios desta deslocação histórica.

O Papa Francisco partiu este sábado de manhã para uma visita pastoral histórica a Cuba e aos Estados Unidos.

Vão ser quase 12 horas de voo, entre Roma e Havana. A partida do avião papal está marcada para as 10h15, a chegada ao Aeroporto José Martí, está prevista para as 20h50 (Hora de Lisboa).

Ao todo, vão ser nove dias de uma viagem histórica a dois países que o Papa ajudou a aproximar.

A deslocação é aguardada com grande espectativa e é também mais longa do pontificado de Francisco.

A diversidade de contextos que o Papa vai encontrar e a alta incidência política e diplomática são os principais desafios desta deslocação histórica.

Na agenda de Francisco estão marcados encontros com o Presidente de Cuba, Raul Castro, e com o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Pela primeira vez, um Papa vai falar ao Congresso norte-americano.

Francisco chega este sábado a Cuba e no domingo vai presidir a uma missa na Praça da Revolução, em Havana.

Numa mensagem de vídeo gravada e transmitida esta sexta-feira em Cuba, Francisco quis agradecer aos cubanos a forma como têm estado a preparar a sua visita.

“Quero estar entre vós como um missionário da misericórdia, da ternura de Deus, mas permitem-me que vos anime a serem também vós missionários desse amor infinito de Deus”, disse Francisco.

Como é tradição por todos os países que sobrevoa, o Papa enviou este sábado um telegrama a saudar o povo português, endereçado ao Presidente da República, Cavaco Silva.

Renascença – Título PG com atualização

BLOQUEIO CONTRA CUBA: GUERRA DIÁRIA CONTRA A POPULAÇÃO CIVIL



Apesar dos progressos alcançados no plano diplomático com o restabelecimento das relações com os EUA, a hostilidade no campo do comércio ainda vigora.

Darío Pignotti, enviado especial a Havana - Carta Maior

O milagre cubano, sem a ajuda de deus: viver sob bloqueio econômico durante mais de meio século e manter a revolução de pé é uma façanha inquestionável. Faltando menos de 24 horas para a chegada do papa Francisco a Cuba, não pode haver outro assunto no país que não seja a visita do pontífice argentino, sua colaboração para o restabelecimento do diálogo com os Estados Unidos, a expectativa sobre o seu discurso e o que ele dirá sobre o bloqueio.

Os postes das principais avenidas e alguns edifícios públicos estão decorados com faixas amarelas e brancas, as cores da bandeira do Vaticano, que também se reproduzem nas lonas que cobrem o tablado montado na Praça da Revolução, onde Francisco celebrará a missa de domingo, abençoado pela famosa imagem de seu compatriota, Ernesto Che Guevara.

O chanceler Bruno Rodríguez declarou que seu governo aguarda com atenção esse discurso, no qual realmente se espera que o papa fale a respeito do bloqueio. “Escutaremos tudo o que ele tem que dizer, com profundo respeito, sabendo que o Santo Padre tem uma extraordinária autoridade, não só religiosa, mas também ética, e uma influência a escala mundial”.

Apesar dos progressos alcançados no plano diplomático, com o restabelecimento das relações com os Estados Unidos, a hostilidade no campo das relações comerciais continua de pé, afirmou Rodríguez, em entrevista para os correspondentes estrangeiros.

“Nos últimos anos, inclusive durante o período de diálogo e de conversas confidenciais com o governo dos Estados Unidos – ocorridas nos anos de 2014 e 2015 – o bloqueio continuou se fortalecendo, com um claro e crescente caráter extraterritorial, em particular no âmbito financeiro”.

O governo de Cuba, segundo o seu chanceler, valoriza e reconhece a atitude positiva do presidente Barack Obama, ao se abrir a uma recomposição das relações diplomáticas, mas agrega que isso não acabou com o acosso representado por uma “violação massiva, flagrante e sistemática dos direitos dos cubanos”.

Citou como exemplos as travas financeiras que impedem Cuba de comprar medicamentos oncológicos, o que afeta a um grande número de pacientes – inclusive empresas brasileiras, que exportam produtos com insumos norte-americanos, e que deixaram de vender para a ilha, explicou Rodríguez.

Traduzindo a valores atuais, pode-se dizer que o bloqueio causou um impacto estimado de 121 bilhões de dólares.

Cuba denunciará novamente o bloqueio no final deste mês, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, onde insistirá em que esta guerra econômica continua sendo o maior obstáculo para normalizar as relações de forma definitiva, apesar da reabertura das embaixadas em Washington e em Havana, que ocorreram em julho, com a presença do secretário de Estado John Kerry.

Ao comentar o informe “Cuba contra o bloqueio”, que será a base da proposta de resolução que Cuba levará às Nações Unidas, o chanceler confirmou que haverá uma menção sobre a nova conjuntura e o vínculo com a Casa Branca, e que Obama conta com atribuições constitucionais que lhe permitiriam atuar para mitigar a guerra comercial e financeira.

O bloqueio no “meu carro cor-de-rosa”

David Hernández é um jovem taxista, tem menos de 40 anos e me espera na parada em frente ao Hotel Nacional, ao dado do mítico Malecón de Havana.

Começou a chover, Hernández fechou o teto conversível de lona branca, antes de iniciar a viagem em direção ao bairro da Havana Velha, em seu Ford Victoria 1953 – “V8, oito cilindros, meu compadre” – pintado de um furioso tom rosado. “A pintura é novinha, eu coloquei há dois anos, o carro é velho mas continua aguentando, o único problema desses carros é que consomem muito combustível, são carros norte-americanos, eles fazem os carros para consumir combustível porque lá eles têm de sobra, mas aqui nos falta”.

David, como bom cubano, esbanja senso de humor: “espero que este papa nos ajude a derrubar o bloqueio, meu carro é mais velho que o bloqueio, mas não sei quanto tempo mais vai aguentar, já está velhinho, e as ruas estão cheias de buracos”.

O mundo está com os olhos sobre Cuba: mil jornalistas estrangeiros solicitaram credenciamento aos dois ministérios de relações exteriores, para acompanhar a visita do Papa, segundo informou o chefe de imprensa do organismo cubano, Alejandro González.

“Nós gostamos de falar com a imprensa, porque queremos que as pessoas de fora de Cuba saibam que aqui nós estamos lutando, todos os dias, esperando que as coisas melhorem, que haja mais prosperidade, e temos fé em que este Papa nos trará uma boa mensagem. Veja, eu disse que tenho fé, mas não sou religioso, sou ateu, mas tenho meu próprio deus” conta David, que me deixa na esquina da estreita e bonita Rua Campanilla, um local que preserva a arquitetura colonial, onde ele se despede com um cordial “quando quiser, conta com a minha ajuda”.

Raúl, Fidel e Malcolm X em Nova York

O chanceler Rodríguez anunciou a viagem do presidente Raúl Castro à Assembleia Geral das Nações Unidas, no que será sua primeira visita aos Estados Unidos desde 1959, quando integrou a comitiva encabeçada por Fidel Castro, poucos meses depois do triunfo da Revolução.

Raúl fará seu discurso na sede da entidade, em um dia em que, provavelmente, Francisco e Barack Obama estarão presentes.

O fato do trio Raúl, Francisco e Obama comparecerem em um mesmo evento, no edifício sede da ONU, despertou uma série de especulações entre os jornalistas que já estão trabalhando na sala de imprensa do Hotel Nacional, decorado com imagens de Che e Fidel durante seus anos de combatentes em Sierra Maestra.

Alguns colegas comentaram, entre tantas dessas especulações, que poderia haver um encontro entre os três, o que seria, certamente “a foto do ano”. Por enquanto, a única certeza é que o chefe de Estado cubano viajará aos Estados Unidos avivado por um clima de aproximação que ontem foi celebrado pelo chanceler, quando conversou com os correspondentes estrangeiros.

Os acontecimentos que nos esperam em Nova York serão reflexo das movidas diplomáticas discretas que sucedem estes dias em Cuba, no Vaticano e nos Estados Unidos. Contatos que devem se intensificar a partir do sábado quando o Papa desembarca no aeroporto internacional José Martí. Sabe-se que o atual sumo pontífice é um “animal político”, habituado à negociação cara a cara, um estilo muito pessoal que ele consolidou no ano passado, durante seus encontros privados que manteve com Raúl e com Obama, separadamente, na Santa Sé.

Mas independente do novo encontro entre Raúl e Obama, reeditando o ocorrido em abril, na Cúpula das Américas do Panamá, a visita do mandatário cubano a Nova York traz à memória outras viagens legendárias.

Como aquela de Fidel Castro, há mais de meio século, quando se alojou em um modesto hotel do Harlem, logo após abandonar outro, onde o proprietário temia que sua imagem fosse contaminada pela reputação de “comunista”. Depois do incidente, Fidel e sua comitiva foram grandiosamente acolhidos pela comunidade do bairro negro da cidade, e foram os próprios vizinhos os que estabeleceram um cordão de segurança em torno do hotel, onde o líder da Revolução foi visitado pelo presidente soviético Nikita Kruschev, o mandatário egípcio Nasser e por Malcolm X, o líder dos “Panteras Negras”. Fidel literalmente revolucionou os novaiorquinos, fascinados com o guerrilheiro que havia derrubado a ditadura de Fulgêncio Batista, figura sobre a qual pairava mil perguntas na época. Uma delas era justamente se Fidel era mesmo comunista.

Quem respondeu a pergunta foi o próprio Kruschev, dizendo que conversou com Fidel e quis saber se ele era comunista, e que ele teria respondido: “o que sei é que sou fidelista”.

Tradução: Victor Farinelli - 
Créditos da foto: LaughingRaven / Pixabay

PROFECIAL TROPICAL: EM 1996 FRANCISCO ESCREVEU LIVRO SOBRE FIDEL



O livro 'Diálogo entre João Paulo II e Fidel' foi escrito em 1998 pelo atual papa. Obra profética. O estudo confirma o interesse de Bergoglio pela ilha.

“Bem-vindo a Cuba, Papa Francisco” dizem os cartazes que recebem os turistas recém-chegados ao aeroporto José Martí. Os mesmos cartazes que se repetem em alguns balcões da Havana Velha, onde o rosto sorridente do sumo pontífice Jorge Mario Bergoglio se confunde com os branquíssimos lençóis que se secam ao sol.

Dario Pignotti, enviado de Carta Maior em Havana 

Nesta quinta, enquanto arquitetos e artesão davam os últimos retoques na restauração da catedral, na Itália, a milhares de quilômetros da capital cubana, foi lançada uma nova edição do livro “Diálogos entre João Paulo II e Fidel”, escrito em 1998 pelo então arcebispo de Buenos Aires Jorge Bergoglio, quando ninguém, nem sequer ele mesmo, imaginava que algum dia seria o chefe da Igreja Católica, e tampouco que ele viajaria a Cuba em setembro de 2015. Será recebido neste domingo pelo presidente Raúl Castro, e, possivelmente pelo próprio Fidel, no sábado.

O livro que foi relançado esta semana em Roma tem um teor quase profético, escrito como se fosse um apanhado de “notícias do futuro”, segundo comenta o professor Fernando Lucero Schmidt, que escreveu o prefácio da obra, e que trabalhou com Bergoglio na década de 90.

Na primeira edição, lançada na Argentina em 1998, a capa mostrava um Fidel saudável, de paletó e gravata, cumprimentando o envelhecido porém obstinado Karol Wojtyla. A foto é da época em que o papa polonês já sofria do mal de Parkinson – cujos primeiros sintomas apareceram em 1992, durante a cerimônia de beatificação do espanhol José María Escrivá de Balaguer, fundador do Opus Dei e apoiador da ditadura de Francisco Franco – mas ainda assim continuava viajando por diversos países.

O Opus Dei é um grupo católico ultradireitista, ao qual pertencem vários padres de Miami e seus seguidores, que defendem o bloqueio norte-americano, militam na contrarrevolução e repudiam a visita do papa argentino a Cuba.

Foi desse mesmo Opus Dei “verminoso”, batizado como “o Exército de João Paulo II”, que nasceram centenas de quadros políticos que se apoiaram e trabalharam para as ditaduras sul-americanas dos Anos 70 e 80.

Na nova edição de “Diálogos entre João Paulo II e Fidel”, que acaba de ser apresentada na Europa, já não aparece na capa a imagem do sumo pontífice falecido em 2005, mas sim a do primeiro papa latino-americano.

Como se sabe, os tempos da Igreja marcham no ritmo dos milênios, com uma cadência muito diferente daquela da vida cotidiana, onde as mudanças ocorrem como um turbilhão.

A visita de Karol Wojtyla marcou de forma profunda as relações entre o Vaticano e Havana. A ilha havia reformado sua constituição alguns anos antes, e alterado especialmente os pontos relativos à religião.

O papa polaco foi um missionário anticomunista, aterrizou em Cuba tardiamente, depois de visitar praticamente todos os países da América Latina, entre eles o Chile, do ditador e terrorista de Estado Augusto Pinochet, em 1987.

Ainda assim, Fidel recebeu o ex-arcebispo de Cracóvia de braços abertos, e aplaudiu o discurso realizado por ele na Universidade Havana.

Bem antes de sua viagem ao Vaticano, ocorrida em 1996, o comandante havia decidido conhecer mais profundamente o catolicismo, como foi relatado pelo livro de Frei Betto, “Fidel e a Revolução”, de 1985. O texto conta a abertura de Fidel e do socialismo existente em Cuba, onde se estabelece um diálogo importante com a Teologia da Libertação. Enquanto os intelectuais cubanos começaram a dialogar com o cristianismo surgido do Concílio Vaticano II, as conferências episcopais latino-americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979), se aproximaram do arsenal teórico surgido do marxismo.

Contudo, esses avanços nas décadas de 60 e 70 sofreram uma derrota importante a partir da chegada de João Paulo II à Santa Sé, em 1978, um religioso que ficou conhecido por ter varrido os bispos e arcebispos progressistas das principais dioceses e arquidioceses do continente.

Nada é casual

“As relações entre Cuba e o Vaticano é um dos temas que interessam a Bergoglio há décadas, porque são um desafio para uma Igreja com espírito de diálogo,” aponta Francesca Ambrogetti, a biografa do Papa.

O caminho do reencontro entre ambos foi “muito delicado, rico em matizes, algo que sempre despertou o interesse de Bergoglio, que viu na visita de João Paulo II, em 1998, um sinal importante. Compreendeu que aquela visita era histórica, talvez porque era o encontro de duas pessoas diferentes, com interesse em dialogar”.

“É importante destacar que Bergoglio sempre foi um religioso de pensamento próprio, sempre escreveu ensaios, organizou debates, existem trabalhos interessantíssimos feitos por ele em 1975, sobre a importância de compreender a diversidade”, comenta a escritora italiana, entrevistada pela Carta Maior.

Nos 17 anos que se passaram desde a publicação da primeira edição do livro houve mudanças na ordem internacional, favorecendo a multipolaridade, e entre essas mudanças, duas eleições papais. Na de 2005, o escolhido foi o alemão Joseph Ratzinger, cuja visita a Cuba, em 2012, não deixou nada importante. Na de 2013, quando foi eleito Jorge Bergoglio, o papa vindo “do fim do mundo”, como ele mesmo disse para uma multidão na Praça São Pedro, ao lado do cardeal brasileiro Cláudio Hummes.

Sem dúvidas, a reedição do livro, nas vésperas de sua viagem a Havana não é uma casualidade, pelo contrário, é um fato carregado de simbologia. Significa que este chefe de Estado do Vaticano, o primeiro da América Latina, refletiu sobre a ilha revolucionária com mais profundidade e dedicação que os seus antecessores eurocentristas.

E mostra ao mesmo tempo uma série de indícios de mudanças e de continuidade.

Sinais de mudanças, porque Bergoglio não se parece em (quase) nada com Wojtyla. Está livre da contaminação da “guerra de fronteiras ideológicas contra o comunismo” da qual o Vaticano foi aliado (e cúmplice) de Washington.

Francisco não será acolhido como um sócio de Washington, mas sim como alguém que deu “apoio ao diálogo entre os governos de Cuba e dos Estados Unidos” afirmou ontem o chanceler cubano Bruno Rodríguez, em coletiva para a imprensa internacional.

Esta viagem “será um acontecimento transcendental, pois as posições (de Francisco) suscitam admiração na América Latina e surgem em um contexto internacional hemisférico muito particular” afirmou o ministro de relações exteriores.

Além disso, em termos confessionais, este papa demostrou ser capaz de recuperar parte do legado da Teologia da Libertação combatida por Wojtyla e Ratzinger. Meses antes, ele recebeu no Vaticano o padre peruano Gustavo Gutiérrez, mentor dessa corrente de pensamento que ainda sobrevive nas comunidades eclesiásticas de base.

Porém, ao mesmo tempo, Francisco encarna uma forma de continuidade. Sua chegada à ilha invencível, esta semana, retoma agenda de João Paulo II, em sua preocupação por injetar vitalidade ao catolicismo numa cultura religiosa com importante influência dos cultos africanos.

Também há de se considerar a prioridade dada ao continente latino-americano, onde os neopentecostais, abençoados pela geopolítica da fé estadunidense, ganham mais território a cada dia, algo que se observa com preocupação na América Central, a poucas milhas marinhas de Cuba.

Se a viagem papal de 1998 inspirou o ensaio de Bergoglio, esta viagem possivelmente será motivo de outros livros, que serão escritos a partir da perspectiva dos longos tempos históricos, os tempos da relação entre a Igreja e o marxismo, os tempos da relação entre a conquista e o Novo Mundo. Neste domingo, quando o jesuíta Francisco ingresse à catedral havanera, uma verdadeira joia barroca, se reencontrará com uma obra que começou a ser construída em meados do Século XVIII, por seus irmãos da Ordem de São Ignácio de Loyola.

Tradução: Victor Farinelli

Brasil. O GOLPE É PARA “PRIVATIZAR TUDO”



A economista Elena Landau, que foi apelidada de 'musa das privatizações' durante o reinado de FHC, escancara os interesses que movem esta conspiração.

Altamiro Borges, em seu blog – Carta Maior


Animados com a possibilidade do impeachment da presidenta Dilma, alguns tucaninhos começam a abrir o bico e a revelar as verdadeiras razões deste golpe. Em artigo publicado na Folha desta quinta-feira (17), a economista Elena Landau, que foi apelidada de "musa das privatizações" durante o triste reinado de FHC, escancara os interesses que movem esta conspiração. Para ela, "é hora de privatizar" - de preferência, entregando o patrimônio público e as riquezas nacionais para o capital estrangeiro.

A entreguista Elena Landau, conhecida por seu doentio complexo de vira-lata, teve papel de destaque no criminoso processo da "privataria tucana" - tão bem descrito no livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr.. Ela foi assessora da presidência do BNDES e diretora do "Programa Nacional de Desestatização" do governo FHC. Ela faz parte do grupo de economistas ultraneoliberais da PUC-RJ, que tem entre os seus expoentes figuras como Armínio Fraga, Pérsio Arida, Gustavo Franco e André Lara Resende. Ela também tem sólidas ligações com o império, tendo estudado no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), um antro mundial das teses destrutivas e regressivas do neoliberalismo.

Com este currículo, Elena Landau tornou-se a musa dos tucanos e porta-voz dos interesses de rapina das corporações estrangeiras. A partir da vitória de Lula, em outubro de 2002, a economista caiu no ostracismo e passou a cuidar dos seus negócios. Só voltava à tona nas campanhas eleitorais, ajudando na elaboração dos programas dos candidatos derrotados do PSDB - José Serra, Geraldo Alckmin e, no ano passado, do cambaleante Aécio Neves. A Folha tucana, sempre tão generosa, até garantiu um palanque para a economista neoliberal, mas sem maior repercussão. Agora, com a ofensiva golpista pelo impeachment de Dilma, Elena Landau adquire novamente "prestígio".

No artigo intitulado "É hora de privatizar", ela demonstra que mantém o bico tucano afiado. Do seu palanque, ela critica o pacote fiscal apresentado nesta semana pelo governo federal. Ele seria muito tímido. "Os ajustes propostos não atacam erros fundamentais que levaram ao descalabro nas contas, entre eles o gigantismo do Estado, e pouco avança neste campo. A privatização não foi mencionada uma vez sequer". Para ela, "a privatização é parte da solução dessa crise. Ela não depende, na maioria dos casos, de apoio do Legislativo. Apenas da vontade política do Poder Executivo".

Após passar um período de esquecimento, ela até tenta se jactar dos seus feitos no desastroso reinado de FHC. Vaidosa, ela se gaba do "sucesso" do Programa Nacional de Desestatização. Só não diz que parte do patrimônio público foi vendida a preço de banana - é só lembrar da entrega da Vale - e que, mesmo assim, o país ficou de joelhos por três vezes diante do FMI e quase quebrou totalmente. FHC e Landau, entre outros privatistas e entreguistas, foram escorraçados do governo pelo voto popular. Agora, eles desejam voltar ao poder através de um golpe para concluir o serviço sujo da privatização.

"A crise abre oportunidade para nova rodada de privatizações... A lista de ativos federais, estaduais e municipais a serem vendidos pode e deve ser ampliada. Há oportunidades na área de distribuição de gás, transportes e saneamento. A quantidade de empresas e o montante de recursos a serem arrecadados é grande. Some-se ainda o plano de desinvestimento da Petrobras e os valores duplicam. O PND (Plano Nacional de Desestatização) precisa sair de sua longa hibernação e o BNDES deve recuperar sua vocação para coordenar o projeto de desestatização nacional, com lei específica e regras claras. A gravidade da crise não permite tergiversação", conclui a economista neoliberal.

Portugal. É VOCÊ QUE VAI VOTAR EM PASSOS, NUM MENTIROSO COMPULSIVO?



“Conheço várias. Sim, conheço várias famílias que pagam hoje menos impostos!” – Passos Coelho

Isabel Moreira – Expresso, opinião

O debate entre Passos e Costa ocorrido nas rádios, omomento foi este:

Debatendo-se a carga fiscal, tentando Passos passar ao lado “do enorme aumento de impostos” que flagelou o país, Costa pergunta-lhe isto:

- Mas conhece alguma família que hoje pague menos impostos?!

E Passos responde:

- Conheço! Sim, conheço várias famílias que pagam hoje menos impostos!

Este é o ponto do debate, não apenas por insultar a inteligência do povo, mas por revelar o que António Costa tão bem demonstrou: o total desfasamento de Passos e da coligação PAF da realidade.

Não têm programa e agarram-se à narrativa antidemocrática de levar às eleições, não a anterior legislatura, mas a que lhe precedeu, já julgada pelo povo.

Não é por acaso.

A realidade é a maior oposição a cada palavra que sai pela boca de Passos.

Admito que seja difícil falar dos quatro anos desta governação sem mentir, mas a democracia exige verdade e Passos não tem um bom percurso no que toca ao prometido e ao feito.

Seria pois estranho que quem prometeu x antes das eleições e descaradamente fez y, sem que nada o obrigasse a isso, pudesse agora falar do que fez nos últimos quatro com adesão à realidade.

A realidade está, porém, na pele de cada um. No país que não é trimestral.

Enunciando, por exemplo, os seguintes flagelos, e ouvindo Passos, pergunta-se em que mundo vive o candidato ou em que mundo pensa o dito que nós vivemos:

- A riqueza nacional (PIB) recuou 15 anos, regredindo para os níveis de 2000;

- O emprego retrocedeu quase duas décadas, recuando para os níveis de 1995, tendo sido destruídos, durante a vigência deste governo, mais de 200.000 empregos;

- A recessão económica foi a mais longa e mais profunda de sempre;

- A pobreza aumentou, recuando aos níveis de pobreza do início do século;

- O número de portugueses em risco de pobreza, segundo o INE, é de mais de 2 milhões;

- A pobreza das crianças ameaça o futuro e agrava a injustiça, sendo que 1 em cada 4 crianças está em risco de pobreza;

- O Complemento Solidário para Idosos foi retirado a 70.000 idosos, fruto de alterações introduzidas pelo Governo, abandonando os idosos com mais baixos rendimentos que o PS quis proteger com a criação deste apoio em 2006;

- O Rendimento Social de Inserção foi retirado a 27.000 famílias (114.000 pessoas), na sequência de alterações promovidas pelo Governo;

- Os rendimentos dos mais pobres caíram três vezes mais do que os rendimentos dos mais ricos (modelo terceiro-mundista);

- O desemprego jovem sofreu um brutal aumento, com 1 em cada 2 jovens ativos a encontrarem-se desempregados, no subemprego ou na categoria dos desencorajados (os jovens que, embora disponíveis para trabalhar, não provam, de acordo com os requisitos administrativos definidos, que estão à procura de emprego, não entrando por isso na estatística do desemprego);

- 1 em cada 3 jovens, segundo o Eurostat, está em risco de pobreza ou exclusão social, num total de 250.000 jovens nestas condições;

- O número de jovens que emigraram de forma permanente duplicou, sendo que entre emigrantes permanentes e temporários, saíram do país, por algum momento, 133 mil jovens;

- O governo duplicou, e, nalguns casos, triplicou, o valor das taxas moderadoras a cobrar nos hospitais e centros de saúde;

- As atuais taxas moderadoras afastaram os utentes dos cuidados de saúde, como já alertou o Observatório Português dos Sistemas de Saúde, e isso traduziu-se em menos 1.300.000 consultas médicas e menos 250.000 urgências hospitalares À última hora, a maioria entendeu castigar as mulheres que recorrem à IVG;

- 47 tribunais fecharam e 400.000 pessoas perderam um tribunal com jurisdição efetiva no seu concelho;

- O crash do sistema Citius provocou o caos no sistema – e agora estamos em estado de apagão das estatísticas da justiça para 2015;

- O número de famílias com grandes dificuldades no pagamento das suas despesas, segundo o Eurostat (Estatísticas Europeias), aumentou 20% entre 2011 e 2013 (2,6 milhões de pessoas estão nestas condições);

- 43% da população, segundo o Eurostat, diz-se incapaz de enfrentar uma despesa financeira inesperada;

- O rácio do crédito vencido das famílias (crédito em situação de incumprimento de pagamento), segundo o Banco de Portugal, não para de aumentar;

- O peso dos impostos diretos no rendimento disponível das famílias atinge o maior valor de sempre, asfixiando os rendimentos da classe média, alavanca da pobreza numa lógica retributiva.

A janela escancarada da realidade é longa e poderia continuar.

Porque a realidade não cabe num artigo de opinião.

Já a negação total da realidade, do país punido sem se alcançar qualquer dos objetivos da Governação, cabe desgraçadamente numa frase:

“Conheço várias. Sim, conheço várias famílias que pagam hoje menos impostos!” – Passos Coelho, dia 17 de Setembro de 2015.

Este foi o momento do debate.

*Título PG

Portugal. AS PERGUNTAS QUE FICARAM POR FAZER



É difícil não ver ou ouvir um debate político sem ficar com algumas perguntas que gostaríamos de ter feito. Dos candidatos a futuro primeiro ministro, eu gostava sobretudo de saber como iriam reagir a quatro ameaças económicas ao funcionamento do nosso Estado de direito e da nossa economia de mercado.

Ricardo Reis – Dinheiro Vivo, opinião

Primeiro, o que faria o candidato se no seu mandato um grande banco português repentinamente ficasse insolvente? O actual governo teve o caso BES, o anterior teve o BPN. A resposta não foi ideal em nenhum dos dois casos. Estes dois episódios muito provavelmente custarão mais do que as perdas dos pensionistas durante a última legislatura. O que fariam no futuro Pedro Passos Coelho ou António Costa? Outro benefício desta pergunta é que permitia perceber qual dos dois percebe o que está em jogo na nova união bancaria europeia e quais são os seus reais poderes.

Segundo, como vão os dois lidar com a perda permanente de soberania fiscal? No mínimo, a aplicação do fundo de garantia de depósitos da união bancária nos próximos doze meses vai exigir um maior controlo sobre as contas do Estado por parte das instituições europeias. A provável criação de um instrumento de dívida europeia e de um fundo de resgate para responder a futuras crises na zona euro vão dar ainda mais poder a Bruxelas para ditar as finanças públicas portuguesas. No extremo, a vaga a favor do federalismo europeu deixaria o governo português com pouco controlo sobre o seu défice ou despesa pública. Em vez de perguntar quem chamou a troika ou melhor lidou com ela, gostava que os candidatos respondessem: o que pensam e vão fazer acerca da troika permanente que se está a desenhar em Bruxelas?

Terceiro, como vêm os candidatos o papel de regulador do Estado? Não passa uma semana sem que eu ouça pelo menos um português queixar-se do comportamento abusivo por parte de uma companhia de telecomunicações, electricidade, entre outras. Fica a impressão clara que os reguladores não estão a conseguir proteger os consumidores destas empresas monopolistas. O que vão Pedro Passos Coelho ou António Costa fazer para proteger o mercado: mudar a legislação, dar outros poderes aos reguladores, promover a concorrência e a informação do consumidor, pressionar o sector da justiça a defender de forma mais célere os consumidores?

Quarto, qual vai ser a nova etapa no funcionamento da máquina fiscal em Portugal? Mais do que saber se os impostos vão subir ou baixar, os portugueses hoje queixam-se do sufoco das multas constantes das finanças, que têm de ser pagas de imediato para depois ficar anos à espera de uma explicação ou pela correção de claros erros e injustiças. Os dois candidatos vão fazer o quê para recuperar a sentido de justiça por parte dos contribuintes em relação às finanças?

Eu não tenho resposta fácil a nenhuma destas quatro perguntas. Mas quem quer ser meu primeiro ministro devia ter pelo menos uma ideia clara acerca destes desafios ao papel do Estado português.

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