O
Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenções Arbitrárias (UNWGAD) exige
a “libertação imediata” do activista dos Direitos Humanos angolano José Marcos
Mavungo, considerando “arbitrária” e “violadora” da lei internacional a
detenção e condenação.
Num
comunicado, a instituição da ONU, além de exigir a libertação, pede ao Governo
de Luanda que pague uma indemnização a Marcos Mavungo, detido em Março de 2015
sob a acusação de “rebelião” por ter organizado uma manifestação para protestar
pacificamente contra as violações aos Direitos Humanos e a “má governação” em
Cabinda.
“A
liberdade de expressão e a realização de manifestações pacíficas são
fundamentais para a democracia e ninguém deverá ser detido por exercer
legitimamente esses direitos”, disse Paulette Brown, presidente da American Bar
Association (ABA), que integra o Grupo de Trabalho da ONU.
Recorde-se
que o tribunal de Cabinda julgou José Marcos Mavungo acusando-o da prática de
um crime de rebelião contra o Estado. Provas? Nem vê-las. Mas para o regime não
são precisas. Basta o regime dizer.
Marcos
Mavungo foi acusado pelo Ministério Público do regime angolano da prática de um
crime de rebelião contra o Estado e também de incitar à violência e do uso de
material explosivo, que a polícia, alegadamente, recuperou na véspera de uma
manifestação agendada para 14 de Março de 2015, em Cabinda.
Em
declarações à DW África em Cabinda, Francisco Luemba – um dos advogados do
acusado – disse que o Ministério Público não apresentou nenhuma prova concreta
contra o seu cliente. Ou seja, o Ministério Público (do regime) continua igual
a si próprio, pondo em prática a lei de que todos são culpados… até prova em
contrário.
“Pelas
declarações do capitão que realizou a operação, eles não encontraram qualquer
elemento que permitisse imputar esse material (explosivos e panfletos) a Marcos
Mavungo ou aos organizadores da marcha, ou ainda aos ex-responsáveis da ONG
Mpalabanda,” garante Francisco Luemba.
Francisco
Luemba afirma ainda que a outra parte dos panfletos que “dizem terem sido
distribuídos em algumas artérias da cidade, só foram encontrados por dois ou
três agentes da polícia nacional”. E o advogado considera estranho que os
panfletos distribuídos “fossem visíveis só por esses dois ou três elementos da
polícia”.
O
advogado de Marcos Mavungo sublinha por outro lado, que até agora não foi
estabelecida nenhuma relação entre esses panfletos e Marcos Mavungo.
A
defesa constata ainda que das acusações do Ministério Público ficou provado que
o oficial militar que assina o relatório não foi quem produziu o mesmo
documento.
“Ele
não conhece mais do que a parte, digamos operativa, o que foi encontrado que é
da sua responsabilidade. Mas dali às decisões que são tomadas e que tem de ser
feita uma participação contra os organizadores da marcha e os antigos membros
da Mpalabanda, isso já é uma decisão da hierarquia, embora não exista nenhum
elemento objectivo que permita fazer esse juízo”, destaca o advogado Francisco
Luemba, para em seguida acrescentar que o material não foi submetido a qualquer
exame, não houve qualquer diligência destinada a provar a origem do mesmo, quem
o tinha na posse, para quem se destinava e o que é que essas pessoas deveriam
fazer com esse mesmo material.
“Tudo
isso não foi apurado e decidiram apenas que teria que ser imputado por um lado,
aos organizadores da marcha e por outro, aos antigos membros da Mpalabanda”,
sublinhou.
Um
regime corrupto e incompetente
No
dia 14 de Março de 2015 estava prevista, pelas 15 horas, a realização na cidade
de Cabinda de uma manifestação para dar a conhecer a má governação e a violação
dos direitos de cidadania naquela província.
Para
o efeito, dando provas da sinceridade e da transparência dos seus desígnios, um
grupo de activistas, liderado por José Marcos Mavungo, enviou uma missiva ao
Governo Provincial de Cabinda, na qual anexaram o conteúdo de alguns dísticos
que apresentariam no decorrer do evento, por exemplo: “Queremos a reabilitação
da Mpalabanda – Acção Cívica de Cabinda, Cabinda é um povo com direito à
liberdade e à dignidade”.
Erro
dos activistas! Não levaram em conta que dar prova de sinceridade e
transparência à espera de serem ouvidos e serem contemplados com uma resposta
cordata é o mesmo que esperar o comboio num aeroporto.
No
dia anterior à data da manifestação (13), aconteceu uma espécie de milagre
inspirado naqueles que algumas seitas religiosas fabricam, foram apanhados em
flagrante delito indivíduos que transportavam uma mochila com explosivos e
panfletos arruaceiros. Os “terroristas” conseguiram – estrategicamente – fugir,
mas ficou a mochila com a sua insignificância probatória.
Na
noite desse mesmo dia, ó coincidência bendita!, insultuosos panfletos foram
distribuídos pela cidade. Era demais, “Basta! Vamos prender esse Mavungo”. E
prenderam-no no dia seguinte. À saída da missa. Não poderia haver melhor lugar.
O
peso da acusação
1)
A acusação que pesa sobre José Marcos Mavungo assenta sobre nada, a não ser a
descoberta e apreensão dessa tal mochila contendo explosivos e panfletos que
incitavam a violência.
Segundo
o que consta nos autos deste processo, o resgate da referida mochila foi feito
quando alguns indivíduos foram interpelados pelos Serviços de Inteligência (?)
do Estado no dia 13 de Março do ano passado nas imediações do bairro 4 de
Fevereiro da cidade de Cabinda, capital da província com o mesmo nome.
Aconteceu,
porém, que a operação redundou num fracasso inexplicável, uma vez que só a
mochila foi apreendida. Os indivíduos interpelados tiveram mais do que tempo de
obedecer ao estabelecido e pôr-se em fuga e os policiais levaram a mochila sem
terem a mais pequena ideia de onde ela vinha e de quem eram os seus
transportadores.
Tal
descuido, por parte de elementos que fazem parte de uma das instituições melhor
treinadas de África, para não dizer do mundo, merece, pelo menos, alguns
esclarecimentos sobre o modo como a “fuga” desses indivíduos aconteceu. Mas não
vale a pena esperar que tal aconteça, fugiram e mais nada. Se é que tiveram
necessidade de fugir. Coisas que acontecem a muita gente, mas praticamente
nunca a quem tenha boné do MPLA.
2)
Segundo o que o advogado de Mavungo declarou numa entrevista concedida à DW,
“até agora os explosivos nunca foram vistos nem nunca foram mostrados, nem ao
réu, nem à defesa, mas, de acordo com as informações que nós encontrámos no
processo, são blocos de TNT de 200 e 400 gramas, alguns metros de mecha lenta e
de cordão detonante e cápsulas detonantes. Há também material de propaganda,
material subversivo, como eles dizem. Seriam dez ou 11 panfletos (nos autos
constam nove panfletos). Mas, até agora, não há nenhum exame ou qualquer
elemento objectivo que permita relacionar este material com Marcos Mavungo”.
É
elementar, claro está! Deixaram fugir, no decorrer de uma situação de suposto
flagrante delito, aqueles que poderiam dar informações sobre o nome dos
eventuais mandantes ou proprietários e a proveniência da dita mochila,
transformando esta última em vírus sem anfitrião, ou seja, uma prova de crime
inerte, sem valor provatório. A não ser que os explosivos estejam autografados
ou… falem. Nunca se sabe.
3)
“Vamos arrancar à força estes valores, se necessário for, usando a violência
como forma de conquistar. A polícia nada poderá fazer contra a nossa vontade.
Caso nos impeçam recorram à força com paus, pedras e catanas”; “Devemos
arrancar a força do governo e do MPLA, o que nos pertence e pacificamente não é
possível. O recurso tem que ser a força e é este o momento”.
Este
são dois exemplos de conteúdos lavrados nos alegados panfletos, cujo autor foi
identificado como sendo Mavungo. Ninguém sabe como, mas foi! Estariam,
presume-se, assinados, tinham impressões digitais ou vestígios de ADN de Marcos
Mavungo.
4)
Nos autos consta também: ”O réu, dada rejeição do evento, em gesto de ameaça e
afronta, proferiu as afirmações segundo as quais, “A manifestação teria lugar,
nem que fosse por força da ponta dos bayonetes”.
Falsidades
da mais baixa estirpe
Esta
afirmação apontada a Marcos Mavungo, saiu da boca – embora possa ter origem em
qualquer outra parte do corpo – da governadora de Cabinda. Foi ela quem
pronunciou essas palavras. Não se pode admitir que o juiz tome por palavra de
Evangelho as declarações duma personalidade política demente e que usa
artifícios torcidos a preceito para redourar os seus brasões ferrugentos junto
do Executivo.
Em
função de toda esta construção jurídica, feita sem contraditório, assente em
presunções e agravada por intromissão de grosseiras mentiras no conteúdo da sua
argumentação, o juiz concluiu que a manifestação teria de ser interdita por
haver prováveis confrontos com possibilidade e probabilidade consideráveis de
risco de poder haver perda de vidas humanas, ao mesmo tempo que, dada a sua
postura, agressiva, Marcos Mavungo deveria permanecer encarcerado por uma
questão de prudência. Em Angola, a justiça é isto!
As
aventuras de um juiz na ilegalidade
Que
a Justiça em Angola vai mal é por demais conhecido, mas que fosse tanto assim é
que não. O Conselho Superior da Magistratura judicial e o Presidente do
Tribunal Supremo, se quiserem – e puderem – ser honestos, em relação à doutrina
do Direito teriam de tomar uma atitude de nobreza.
O
juiz, quando coloca na pronúncia que o arguido decidiu realizar a manifestação
quando esta não foi autorizada, demonstra não ter competência para o exercício
do cargo, uma vez o art.º 47.º ser claro:
1)
“É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação
pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da
lei.
2)
As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à
autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei.“
Ora,
onde é que este (suposto) juiz tirou a necessidade de autorização, logo só isso
em qualquer país do mundo, incluindo o Estado Islâmico, este juiz seria
imediatamente demitido por ofender a justiça e demonstrar analfabetismo
jurídico, merecedor de um repouso compulsivo.
Não
podem ficar indiferentes, como se nada estivesse a passar num reino cada vez
mais putrefacto, como é o da justiça, aplicada de acordo com as conveniências
políticas e/ou com o engajamento dos juízes e procuradores pertencentes ao
comité de especialidade dos juízes e procuradores do MPLA.
Quem
lê a pronúncia do juiz Jeremias Sofera, não pode deixar de apanhar um enjoo e
nojo ante total desconhecimento sobre a Constituição e a Lei. Isto, é claro,
partindo do princípio de que um juiz deve conhecer a Constituição e a Lei.
Todos
podemos ser desconhecedores de alguns meandros do direito, mas não se admite
analfabetismo jurídico de quem foi um dia investido na pele de juiz, para
aplicar justiça, interpretando fielmente a doutrina e as leis.
Ora
não é o caso do juiz provincial de Cabinda, por sinal, quadro castrense, pois
antes esteve ligado à justiça militar e por altura da extinção da Mpalabanda,
quando os juízes proeminentes de Cabinda foram transferidos “compulsivamente”,
por alegadas ordens dos generais Manuel Hélder Vieira Dias Kopelipa e José
Maria, para Luanda, colocando no seu lugar juízes dóceis, não importa se
competentes, pois para julgar Cabindas ou a FLEC, qualquer servo serve para o
caso.
Como
é que alguém pode pronunciar-se às cegas partindo de presunções?
Um
juiz, mesmo com o primeiro ano, mandaria o processo regressar para melhor
instrução ou mesmo poderia não se pronunciar, por falta de clareza, ausência de
flagrante delito e factos esponjosos, que não blindam a acusação e agora a
pronúncia.
Quando
um juiz diz que Marcos Mavungo disse que a manifestação sairia a bem ou a mal e
outras invencionices, estas foram declarações da governadora e aqui não houve
contraditório, para se apurar em que altura Mavungo disse aquilo. Mais uma vez
a palavra de um elemento do MPLA, mesmo sendo mentira e uma sacanagem, tem
força de lei.
Enfim,
a derradeira pérola (The last, but not the least) é a de terem uns tipos sido
avistados por diligentes agentes secretos, carregando sacos com TNT e não terem
sido agarrados mas o produto que só a polícia viu e diz que os homens eram de
Mavungo, mas sendo Cabinda uma cidade pequena como é que não conseguiram os
homens aparecer à luz duma simples investigação?
Com
juízes deste quilate, os amantes das liberdades e democracia nunca serão
cidadãos iguais aos do MPLA e Angola vai continuar a ter uma casta isenta dos
direitos mais elementares, ainda que constitucionalmente consagrados.
Folha
8
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