Mais
de três mil moçambicanos fugiram dos confrontos entre as forças governamentais
e homens armados da RENAMO, a maioria mulheres e crianças. Os refugiados acusam
as forças de defesa de tortura, mas a polícia nega.
Luísa
Mateus, camponesa e mãe de quatro crianças, está no centro de acolhimento de
Kapise, no sudoeste do Malawi, desde o final de novembro de 2015. Todos os seus
pertences foram destruídos, alegadamente pelas forças de defesa moçambicanas.
"Queimaram
tudo dentro da minha casa. Até abandonei a minha 'machamba'", diz.
Estima-se
que, tal como Luísa Mateus, cerca de três mil moçambicanos tenham fugido para o
Malawi, à procura de abrigo, desde junho do ano passado, altura que se
começaram a registar confrontos entre as forças governamentais e os homens
armados do maior partido da oposição, a RENAMO, na província de Tete.
Muitos
refugiados estão acomodados nos centros de acolhimento de Kapise e Chikwawa,
distrito de Mwanza, a cerca de 130 quilómetros da cidade moçambicana de Tete.
Segundo responsáveis do centro de acolhimento, só em Kapise estão mais de 1.800
refugiados. As Nações Unidas alertaram, a 15 de janeiro, para um aumento do número
de refugiados nas últimas semanas.
Refugiados
vindos da localidade de Nkondedzi, distrito de Moatize, acusam as forças de
segurança de violarem mulheres e queimarem casas e celeiros de populares –
supostamente por apoiarem homens armados da RENAMO.
"Fugimos
porque as nossas casas foram incendiadas. Muitas pessoas foram mortas e
mulheres estão sendo violadas", conta Adelino Benedito, que está no distrito
de Mwanza desde junho passado, na companhia dos seus nove filhos e duas
esposas. Benedito não pensa regressar a Moçambique antes do fim da tensão
política.
"São
preguiçosos"
As
autoridades negam as acusações. O comandante-geral da Polícia da República de
Moçambique (PRM), Jorge Khalau, rejeita que as forças de defesa tenham
torturado civis em Nkondedzi: "Não é verdade que eles estão a fugir da
polícia. Eles estão a fugir desta barbaridade, desta situação de rapto que a
RENAMO está fazendo", declarou Khalau numa conferência de imprensa, na
sexta-feira (22.01).
Segundo
Jorge Jasse, chefe do posto administrativo de Zóbue, distrito de Moatize, não
há moçambicanos a fugir para o Malawi – antes malawianos que atravessam a
fronteira para Moçambique, onde praticam agricultura, e que com a tensão
político-militar na província de Tete regressaram ao país de origem.
"Isso
é montagem. Esses não são moçambicanos", afirma Jasse. "São
preguiçosos que não querem trabalhar a terra e que se acumulam aí para o
Governo lhes dar comida."
Moçambique
e Malawi partilham uma vasta fronteira aberta.
Vida
difícil
No
centro de acolhimento de Kapise, muitos refugiados são acomodados em tendas e
cabanas improvisadas, e passam por muitas dificuldades. "Fazemos biscates
nas comunidades locais para ter comida suficiente. Não temos roupa e produtos
de limpeza", diz um dos refugiados, Matias Khobwe.
Edgar
Chihama, chefe de plano de desenvolvimento do distrito de Mwanza, reconhece os
problemas nos centros de acolhimento. Mas, segundo ele, faltam fundos para
oferecer melhores condições de estadia aos refugiados: "Dependemos dos
apoios de terceiros, como o Programa Alimentar Mundial (PAM), o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os Médicos Sem Fronteiras e a Oxfam,
entre outros."
A
refugiada Luísa Mateus diz que já pediu ajuda ao Governo moçambicano para
adquirir utensílios e recipientes para conservar água. Segundo Mateus, só o
Executivo de Maputo tem o dever de prestar auxílio tendo em conta que os
refugiados são moçambicanos.
Citada
pela imprensa local, a secretária permanente do Governo Provincial de Tete,
Lina Portugal, disse que será enviada uma equipa ao Malawi para averiguar as
condições nos centros de acomodação.
Entretanto,
a situação militar em Nkondedzi continua tensa. Muitos camponeses estão
impedidos de visitar os seus campos de cultivo, localizados nas zonas de
confrontos.
No
distrito de Moatize, cerca de duas mil crianças não fizeram os exames finais no
ano passado, segundo dados oficiais. A Direção Provincial de Educação e
Desenvolvimento Humano de Tete ainda não sabe quantas crianças poderão ficar
impedidas de ir à escola este ano.
Amós
Zacarias (Kapise) – Deutsche Welle
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