José
Soeiro – Expresso, opinião
Portugal
é provavelmente o país da Europa onde se passa mais frio. A afirmação pode
parecer bizarra, dado que Portugal é um país do sul. Mas, paradoxalmente, é
verdade, e sabe-o quem conheça pessoas que vivem noutros países. Em Portugal
passa-se mais frio do que na Bélgica ou do que em França, do que na Áustria ou
do que na Lituânia, e isso acontece porque não temos uma política de
aquecimento pensada como tal nem medidas de combate à pobreza energética.
Tragicamente, e tendo em conta as taxas de mortalidade sazonal, podemos mesmo
dizer que em Portugal, literalmente, morre-se de frio.
O
fenómeno tem duas explicações. A primeira é que cerca de um quarto da população
vive em casas que são energeticamente ineficientes. Os moradores da habitação
social, as pessoas mais pobres em geral e os idosos em meio rural são as
primeiras vítimas de um tipo de construção de má qualidade, sem isolamento
térmico nem sistemas de aquecimento ou conservação de energia.
A
segunda explicação prende-se com o preço da eletricidade. Portugal tem uma das
eletricidades mais caras da União Europeia e o aquecimento doméstico está muito
dependente da eletricidade. Resultado: 70% das famílias pobres não consegue
manter níveis de conforto razoáveis durante o inverno. Para muitas, o dinheiro
não chega para ligar um aquecedor e muitos têm visto mesmo a luz ser cortado.
São essas as que, sendo mais pobres, vivem nas casas mais degradadas e menos
isoladas, onde as necessidades de aquecimento seriam maiores.
A
questão da energia tem por isso de ser discutida simultaneamente como um
problema ambiental (como diminuir a dependência energética e reduzir as
emissões de CO2?) e como um problema de justiça social (como combater a pobreza
energética e a desigualdade no acesso à energia?).
No
debate de especialidade do Orçamento do Estado, o Bloco de Esquerda apresentou
uma proposta que será um primeiro passo, muito importante, para fazer caminho
nesta área. Em resumo, está em causa tornar automática a atribuição da Tarifa
Social da Energia a todas as pessoas com rendimentos muito baixos e que sejam
beneficiárias de apoios sociais de combate à pobreza (CSI, RSI ou os primeiros
escalões do abono de família). No fundo, trata-se de alargar uma medida que já
existe, mas que chega apenas a 110 mil pessoas, de modo a abranger um milhão de
famílias. Do ponto de vista dos custos para o Estado, eles não existem, porque
será a EDP, empresa que teve lucros na ordem dos mil milhões de euros, a
suportá-la. Para as famílias com menos rendimentos, a diferença pode chegar a
cerca de 10 euros por mês na fatura da eletricidade.
É
óbvio que o combate à pobreza energética não fica resolvido apenas com esta
medida. Como sugere num artigo recente um
investigador desta área, uma política séria de reabilitação urbana, medidas de
transição energética que promovam a generalização da energia solar e a
cogeração, a redução do IVA da eletricidade ou a criação de tarifas com
escalões e com variações sazonais podem ser outros caminhos. Mas a aprovação da
tarifa social da energia é a prova de que Portugal pode caminhar na direção
certa. A sua inscrição no Orçamento mostra a diferença que a atual situação
política pode fazer na vida concreta das pessoas.
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