Nem
de propósito. No mesmo dia, hoje, em que o procurador português Orlando
Figueira era detido pela Polícia Judiciária por suspeitas de corrupção e
branqueamento de capitais, processo que envolve Manuel Vicente, Álvaro Sobrinho
e Bento Kangamba, este tornou pública a decisão do Tribunal da Relação de
Lisboa, que decretou a nulidade do arresto dos seus bens em Portugal.
Orlando
Castro*
Neste
caso dos bens, já devolvidos, do general sobrinho do Presidente do MPLA (José
Eduardo dos Santos), do Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos) e
também do Presidente da República (José Eduardo dos Santos), estava em causa um
recurso interposto pelo general à “apreensão preventiva”, em Outubro de 2014,
das suas contas bancárias e propriedades em Portugal, no âmbito de uma
investigação envolvendo fraude fiscal, lenocínio e branqueamento de capitais,
com alegadas ligações a Angola, Brasil e França.
De
há muito que nos areópagos políticos do regime de Eduardo dos Santos se dizia,
com toda a propriedade, que este caso iria ter o mesmo fim de outros similares.
Isto é, o arquivamento. E assim foi, e assim é, e assim será.
No
documento que Bento dos Santos ‘Kangamba’ tornou hoje público, de Novembro de
2015, o Tribunal da Relação de Lisboa refere que o general angolano, mais de um
ano depois, “não foi constituído arguido” e que, até 14 de Outubro último, “não
fora sequer deduzida acusação nem mesmo ainda proferido despacho de
encerramento de inquérito”.
“Decorrido
todo este tempo [até 26 de Outubro de 2015], e sem outros fundamentos, tem como
consequência a peticionada ‘nulidade do despacho que decreta os arrestos
impugnados”, lê-se no acórdão hoje distribuído, que concede “provimento” ao
recurso interposto por Bento dos Santos Kangamba.
O
Ministério Público tinha antes defendido a manutenção da apreensão das contas,
alegando a “natureza das investigações em curso no Brasil (suspeitas de crimes
de lenocínio e branqueamento de capitais praticados entre 2007 e 2013)” e que
“existe uma forte possibilidade” de as contas bancárias “servirem para
ocultação de vantagens obtidas em resultado da prática de factos susceptíveis
de configurar os crimes supracitados e camuflar a respectiva origem”.
À
Lusa, o general Kangamba admitiu que a divulgação da decisão do TRL sobre o
processo que o envolve na Justiça portuguesa visa afastar dúvidas sobre a
investigação no seu caso.
“Não
tenho nada a ver com o que aquilo que estão a noticiar. Aliás, fui um angolano
que provou à Justiça portuguesa que sou uma pessoa legal, provei de onde vem o
meu trabalho, as minhas empresas. E a Justiça portuguesa deu-me razão, é só
isso”, afirmou o também dirigente do MPLA.
O
general, agora também dedicado a comandar as suas tropas na espinhosa missão de
assassinar as redes sociais, assumiu-se ainda “injustiçado”, por ver o nome na
praça pública sem que tenha sido constituído arguido ou deduzida qualquer
acusação, mas também afirma que “sempre” confiou na Justiça portuguesa.
“Vou
a Portugal como país em que gosto de estar, não tenho problema com a Justiça e
agora já não tenho mais nada apreendido, recebi as minhas casas todas bem, não
há estragos, não há nada”, disse ainda, escusando a pormenorizar os montantes
que estavam apreendidos há mais de um ano.
Uma
outra decisão da Relação sobre este caso, de 26 de Março de 2015, referia a
apreensão em Portugal de pelo menos 450 mil euros, mas também recordava que no
processo penal “o ónus da prova cabe ao detentor da acção penal, não o
inverso”, pelo que “é o detentor da acção penal que tem de provar essa origem
ilícita, com factos, não com suposições”.
“Portugal
é um país racista”
O general,
que hoje diz que até gosta de Portugal (pudera!) não se inibiu de recentemente
(26 de Outubro de 2015) acusar Portugal de ingerência nos assuntos angolanos,
avisando que Lisboa não tem “consciência jurídica e política” e acrescentando
que Angola já não é “escravo” de Portugal.
O
aviso cheirou a ultimato. E foi. O resultado está à vista, ou não fosse
Kangamba sobrinho do dono de Angola e tido como o homem forte da mobilização
das estruturas acéfalas do partido no poder desde 1975. Na altura Bento dos
Santos Kangamba falava (sim, é verdade, o general também fala) sobre o caso dos
15 activistas detidos desde Junho e o apoio público e mobilização portuguesa.
“Se
eu fosse português pensava 20 ou 30 vezes antes de falar sobre um estrangeiro.
Primeiro tenho que arrumar a minha casa e depois falar sobre os outros.
Portugal é um grande país, tem grandes políticos, mas neste momento está em
debandada, não tem consciência jurídica e política para se defender nem
defender os angolanos. Há necessidade de haver calma que a Justiça será feita”,
apontou o dirigente do MPLA, general, empresário e figura de topo no que (não)
tange a honorabilidade cívica, política, social e militar.
Isso
mesmo foi, aliás, reconhecido pela própria Interpol que o incluiu no “quadro de
honra” dos procurados por tráfico de mulheres e prostituição.
Também
a Polícia francesa atesta que o general Kangamba é um impoluto cidadão. Segundo
a Polícia, em 14 de Junho de 2013, dois carros foram apreendidos, com poucas
horas de diferença, em portagens no sul de França. Num deles, foram encontrados
dois milhões de euros, em quarenta sacos de cinquenta mil cada. No outro, foram
encontrados mais 910 mil euros. Oito homens foram detidos. Pelo menos cinco
deles, angolanos, cabo-verdianos e portugueses, estariam relacionados com o
general Kangamba.
“Presos
políticos não há, nunca existiram. Não vejo a UNITA, a CASA-CE, a FNLA, o PRS,
a reclamarem os seus militantes presos. Os que estão presos são jovens que
algumas pessoas estão a incentivar para fazerem arruaça que não está prevista
na nossa Constituição”, afirmou Kangamba em Julho de 2015, acrescentando –
certamente à procura da 13ª estrela de general – que na base da agitação “com
cinco ou seis miúdos” estão “outros partidos que querem subir no poder a todo o
custo”.
Desta
vez está em causa estava o apoio de vários sectores da vida portuguesa à
situação dos 15 activistas detidos, incluindo Luaty Beirão, de 33 anos, então a
cumprir o 36º dia em greve de fome exigindo aguardar julgamento em liberdade.
Em
Portugal sucediam-se – sem a devida autorização de Kangamba e seus cangaceiros
– vigílias e manifestações de apoio aos activistas detidos, invocando sempre a
situação de Luaty Beirão, inclusive com protestos junto à embaixada de Angola
em Lisboa apelando à libertação dos 15 elementos.
O
também secretário do comité provincial de Luanda do MPLA para a Área Periférica
e Rural, cargo de relevância nacional e internacional, acusou Portugal de
continuar a ingerir-se nos assuntos angolanos, 40 anos depois da independência.
“As
pessoas são as mesmas, tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer
aí no Bloco de Esquerda. Mas as pessoas que foram contra Angola são as mesmas
[agora]. Eles acham que Angola até hoje é escravo, que nós somos escravos de
Portugal (…) não podemos ser ouvidos e que Portugal é que manda, que Portugal é
que diz e que Portugal é que faz. Os portugueses têm que saber que Angola é um
Estado soberano”, apontou Kangamba em declarações à Lusa.
“As
estruturas da Justiça [angolana] funcionam. Deixem que a Justiça faça o seu
julgamento e o resto vamos ver. O que não se admite é o que os portugueses
estão a fazer. Estão a acudir a um que tem a mesma cor e os outros que têm cor
de carvão ninguém está-lhes a acudir. Isso é feio e é uma coisa que aqui em
Angola já não se vive”, disse ainda o general sobrinho do “querido líder”.
“Vocês
estão a falar do Luaty Beirão, mas estão a esquecer-se que Angola também tem
muita gente presa, pessoas com nome. Até generais que estão acusados em crimes,
à espera que a Justiça decida e ninguém sai para se manifestar”, criticou.
Reafirmando
que o tempo é para “deixar a Justiça trabalhar”, o dirigente do MPLA apelou a
Portugal para “acompanhar os angolanos como irmãos”, ao mesmo tempo que rejeita
as acusações de ingerência política neste processo.
“Isto
não tem nada a ver com o Presidente da República, não tem nada a ver com nenhum
partido. Isso tem a ver com a Justiça. A justiça é autónoma”, atirou,
garantindo que em Angola “há democracia e liberdade”.
Nesse
aparente endurecimento das relações entre o poder politico em Angola e Portugal,
com sucessivas críticas, o general foi mais longe, acusando alguns sectores
portugueses de “falarem à toa”.
“Todos
aqueles que estão falar em Portugal têm uma faca no coração, que eu e outras
pessoas é que ficamos com as coisas dos pais desses senhores [com a
independência de Angola]. É claro que fomos nós”, rematou.
*Diretor-adjunto
do Folha 8
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