A
evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda.
Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria
dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou
indirectamente, da terra queimada.
Oficialmente,
continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria
dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a
negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários
seriam pessoas mentalmente diminuídas.
Mas
a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:
1
– Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE
concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países
europeus da orla mediterrânica?
Porque
é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes
imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após
tantos anos de ocorrências?
Porque
é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem
metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?
Porque
é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o
Verão desocupados nos quartéis?
Porque
é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados
ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?
2
– A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel
pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No
entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem
ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro
intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as
autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios…
3
– Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país,
sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos
onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em
vias de o ser, contra o que diz a lei.
4
– À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e
telefonemas anónimos do seguinte teor: “enquanto houver reservas de caça
associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder”. Uma clara
vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso
ao regime livre.
5
– Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios
provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais
tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas
conhecem bem esta realidade.
Há
cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo
com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de
ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O
argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se
sentiam motivados a praticar o crime…
Participei
nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me
indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o
rendimento da floresta – e até as habitações – e o poder político estivesse
preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?
Estranhamente,
voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração
pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que
assolam o país.
Há
uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma
organização comum mas têm o mesmo objectivo – destruir floresta porque
beneficiam com este tipo de crime.
Estranhamente,
o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:
1
– Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente
possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de
aquisição de equipamento militar.
2
– Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções
de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções
pontuais de vigilância e combate às chamas).
3
– Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente
as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores.
4
– Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos
previstos na lei.
5
– Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha,
criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.
6
– E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.
Com
uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será
possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será
igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas
com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo.
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