A
marcha do golpe se acelera e sua natureza vai se revelando despudoradamente. A
flagrante violação das regras do Estado de Direito, combinada com a natureza
autoritária que o governo interino já não dissimula, precipitam o Brasil numa
ditadura civil
Tereza
Cruvinel, de Brasília:- em Correio do Brasil
Desta
tragédia só podemos nos salvar por uma nova eleição presidencial, como um sal
purificador. E o caminho para as urnas não tem atalho, senão pela convocação de
um plebiscito que, revelando o anseio nacional pela escolha de um presidente
legítimo, force o Congresso a fazer a alteração constitucional necessária. Se o
Congresso tivesse mesmo compromisso com a voz das ruas, fazendo sempre o que
ela pede, como apregoa, não estaria o Senado legalizando o golpe, mas tratando
de viabilizar a saída pelas urnas.
É
este o clamor que as pesquisas de opinião revelam. Ao longo das próximas
semanas o Senado escolherá entre o papel que representou em 1964, quando
avalizou a deposição militar do presidente Goulart, e o alinhamento com a
vontade popular e a legalidade.
Dilma
vem apontando o caminho certo, o do plebiscito. Precisa enfatizar mais que deve
ser absolvida porque não cometeu crime mas que, uma vez restaurado seu mandato,
seu compromisso será com a realização de um novo pleito.
Nas
últimas horas o traço golpista do impeachment expôs-se em toda sua extensão. O
relator na comissão especial, Antônio Anastasia, ao condenar novamente Dilma à
cassação, ignorou todas as demonstrações de que ela não cometeu crime de
responsabilidade. Ignorou a perícia do próprio Senado e a palavra de um
procurador federal, afora todas as argumentações da defesa e a palavra de
outros depoentes.
O
vice-presidente em exercício pressiona o presidente do Senado a antecipar a
votação do parecer em plenário para que ela ocorra antes da cassação de Eduardo
Cunha. E assim, quando e se Cunha atirar contra Temer, as favas já estão
contadas. Muito embora, como já dito aqui, Temer é uma figura descartável pelo
status quo, que não hesitará em fazê-lo se Cunha o ferir de morte. Mas se isso
acontece no ano que vem, teremos a lamentável eleição indireta de um presidente
pelo Congresso apodrecido que aí está, golpeando a própria democracia que lhe
deu origem.
Na
segunda-feira saberemos se o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, a quem a
Constituição reserva a condução do processo, concordará com esta manobra.
Sorrateiramente, uma comissão aprovou hoje o aumento dos vencimentos dos
ministros do STF, que ganham o teto salarial do setor público. O aumento se
reproduzirá em cascata, gerando mais gastança, apesar do discurso oco da
austeridade.
Ao
olhar externo, o Brasil vai se afigurando como um país antidemocrático e
autoritário. Vai se isolando. O presidente de Portugal chegou ontem ao Rio e se
isolou no Palácio São Clemente. Não quer contatos com o governo golpista, para
não contrariar a opinião pública portuguesa. A Venezuela lançou ontem um
comunicado que explicita a destruição dos laços de amizade pela chancelaria
interina de José Serra. Da vizinhança sul-americana, poucos chefes de governo
virão para as Olimpíadas. Não reconhecem o governo interino de Temer, que age
como efetivo.
E
aqui, se consumado o golpe pelo Senado, vamos mergulhar não apenas na ditadura,
mas no retrocesso social, por artes de uma política neoliberal que planeja
subtrair direitos e entregar os problemas sociais à mão impiedosa do mercado.
Tudo o que Brasil conquistou em matéria de redução da desigualdade nos últimos
anos irá pelo ralo, com a restauração do velho padrão em que a renda e a
riqueza são para poucos.
De
toda esta tragédia, só a nova eleição nos salva. Um conservador, se eleito,
será um presidente legítimo. É sobre esta escolha entre o arranjo golpista e a
vontade popular que os senadores devem refletir nos próximos dias, conversando
com as tradições republicanas da Casa que integram, pelo voto popular.
*Tereza
Cruvinel, é jornalista.
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