domingo, 19 de fevereiro de 2017

Portugal. A insustentável leveza do ser rastejante ou Adelaide, uma mulher para o que se quiser



A Adelaide rasteja, leve no seu fanatismo partidário. Disposta a fazer o que for necessário. Mentir não é um problema. Faz parte da catequese. Eu volto para a semana, Adelaide.

Artur Pereira – jornal i, opinião

Já o escrevi de diferentes modos e por diversas vezes que ninguém vem para o jornalismo para enriquecer, por narcisismo ou para adquirir poder, aquele poder que lhe permita impor aos seus semelhantes uma esquizofrénica agenda política pessoal.

Até pode ser que no fim do percurso, somados os carateres, desligada a sessão e fechado o word, com os olhos moídos de tanto parágrafo prematuro, vírgula suspeita e interrogação retraída, alguns tenham abandonado o ofício e, por medo ou cansaço, optado por render a mão.

Pode ser, mas até desses em seu momento, recordando aquilo que melhor foram, se escolherá dizer em homenagem; morreu o jornalista.

O jornalista que os jovens querem ser, o jornalismo ao qual se entregam com paixão é um misto de fé e ato revolucionário. É uma missão, e não há outra.

Porque a grande marca distintiva do jornalismo é a procura da verdade. É a descoberta da verdade, a investigação sob ameaça e o trabalho persistente para dar a conhecer e oferecer aos leitores a verdade.

Retirada das sombras, nua e crua, acusadora, desafiadora, sustento da consciência e agente de transformação, a verdade reencontrada eleva o jornal a testemunho subversivo, bala de precisão, almaço de esperança.

Já pelo contrário, a mentira, arma do peçonhento, tratada nas suas diferentes máscaras – boato, tese de propaganda, solilóquio de comentador residente –, não tem nada que ver com o jornalista.

O que não quer dizer que não se passeie pelos corredores das redações a ameaçar. Muitas vezes disfarçada de “piedosa”, de “introdução”, de “quase verdade”, até conseguir, por efeito de parir modernidade a tudo o que se pode escrever, ejacular opinião, e é nesse momento que, por artes, a mentira até pode parecer verdade.

Vem isto a propósito do caso CGD, do ministro Centeno, do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, da sustentabilidade do governo de esquerda do primeiro-ministro António Costa, apoiado pelo PCP e o BE. Da oposição de direita PSD e CDS, da diferença entre político e funcionário público. De Donald Trump, do papel da verdade, da mentira e da moral na política, da dimensão da verdade e da mentira à nossa volta. Da propaganda e da justiça, do Papa Francisco, da importância dos sms, da opinião pública e dos media. Da extrema-direita europeia e da guerra.

E também dessa espécie viscosa que, dissimulada como beata aflição e genuíno cinismo, chispa pareceres de grémio político carimbados de “verdade”, só porque sim, com a típica insustentável leveza do ser rastejante.

Mas sob este tema, da verdade e da mentira na construção de uma ilusão política, em consciência composta e a que chamamos real, em que agimos e convivemos, tenciono voltar na próxima semana.

Mas não resisto a deixar um exemplo sobre a complexidade de que tudo o que parece não tem necessariamente de ser e onde fanatismo ideológico recrutado e militante consegue, na exigência de comportamento moral do outro, onde vê e aponta atitude desviante, não fazer autocrítica do seu próprio procedimento e alienar qualquer sentimento de culpa no que a si e aos seus métodos respeita.

Imagine o leitor que, com maior ou menor esforço ou por mera curiosidade recreativa, segue a opinião publicada de um comentador, vamos dar-lhe o nome de Adelaide.

E imagine que numa manhã depara, no seu periódico de café, com um texto em colunas sobre o papel da verdade e da mentira do ministro Centeno, e numa consequência cavalar – aqui no sentido de lixar a lógica como um cavalo galga obstáculos –, a Adelaide descobre a perversa qualidade moral de toda a esquerda e do seu maligno projeto político, para quem a verdade é apenas um conceito de conveniência tática.

Mas vamos continuar a imaginar que a fogosa Adelaide – o destino tem destas coisas –, afinal, já fez plágio, ou seja, que para encher chouriços e dar texto ao prelo fez, com todo o descaro e sem qualquer arrependimento, o roubo do texto de outro sem mencionar o verdadeiro autor, como deveria ser em nome da verdade.

Sendo assim, qualquer texto sobre o valor da verdade na formação e personalidade dos homens, em particular dos homens de esquerda, na pena da Adelaide soaria no mínimo a ridículo, não é?

Ou seja, a Adelaide, exemplo de virtude, acusadora de dedinho espetado, afinal peca por omissão e falta de vergonha.

Ou então a Adelaide rasteja, leve no seu fanatismo partidário. Disposta a fazer o que for necessário. Mentir não é um problema, faz parte da catequese. Eu volto para a semana, Adelaide.

*Consultor de comunicação. Escreve às quintas-feiras

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