A
Adelaide rasteja, leve no seu fanatismo partidário. Disposta a fazer o que for
necessário. Mentir não é um problema. Faz parte da catequese. Eu volto para a
semana, Adelaide.
Artur Pereira –
jornal i, opinião
Já
o escrevi de diferentes modos e por diversas vezes que ninguém vem para o
jornalismo para enriquecer, por narcisismo ou para adquirir poder, aquele poder
que lhe permita impor aos seus semelhantes uma esquizofrénica agenda política
pessoal.
Até
pode ser que no fim do percurso, somados os carateres, desligada a sessão e
fechado o word, com os olhos moídos de tanto parágrafo prematuro, vírgula
suspeita e interrogação retraída, alguns tenham abandonado o ofício e, por medo
ou cansaço, optado por render a mão.
Pode
ser, mas até desses em seu momento, recordando aquilo que melhor foram, se
escolherá dizer em homenagem; morreu o jornalista.
O
jornalista que os jovens querem ser, o jornalismo ao qual se entregam com
paixão é um misto de fé e ato revolucionário. É uma missão, e não há outra.
Porque
a grande marca distintiva do jornalismo é a procura da verdade. É a descoberta
da verdade, a investigação sob ameaça e o trabalho persistente para dar a
conhecer e oferecer aos leitores a verdade.
Retirada
das sombras, nua e crua, acusadora, desafiadora, sustento da consciência e
agente de transformação, a verdade reencontrada eleva o jornal a testemunho
subversivo, bala de precisão, almaço de esperança.
Já
pelo contrário, a mentira, arma do peçonhento, tratada nas suas diferentes
máscaras – boato, tese de propaganda, solilóquio de comentador residente –, não
tem nada que ver com o jornalista.
O
que não quer dizer que não se passeie pelos corredores das redações a ameaçar.
Muitas vezes disfarçada de “piedosa”, de “introdução”, de “quase verdade”, até
conseguir, por efeito de parir modernidade a tudo o que se pode escrever,
ejacular opinião, e é nesse momento que, por artes, a mentira até pode parecer
verdade.
Vem
isto a propósito do caso CGD, do ministro Centeno, do Presidente Marcelo Rebelo
de Sousa, da sustentabilidade do governo de esquerda do primeiro-ministro António Costa, apoiado pelo PCP e o BE. Da oposição de direita PSD e
CDS, da diferença entre político e funcionário público. De Donald Trump, do papel
da verdade, da mentira e da moral na política, da dimensão da verdade e da
mentira à nossa volta. Da propaganda e da justiça, do Papa Francisco, da
importância dos sms, da opinião pública e dos media. Da extrema-direita
europeia e da guerra.
E
também dessa espécie viscosa que, dissimulada como beata aflição e genuíno
cinismo, chispa pareceres de grémio político carimbados de “verdade”, só porque
sim, com a típica insustentável leveza do ser rastejante.
Mas
sob este tema, da verdade e da mentira na construção de uma ilusão política, em
consciência composta e a que chamamos real, em que agimos e convivemos,
tenciono voltar na próxima semana.
Mas
não resisto a deixar um exemplo sobre a complexidade de que tudo o que parece
não tem necessariamente de ser e onde fanatismo ideológico recrutado e
militante consegue, na exigência de comportamento moral do outro, onde vê e
aponta atitude desviante, não fazer autocrítica do seu próprio procedimento e
alienar qualquer sentimento de culpa no que a si e aos seus métodos respeita.
Imagine
o leitor que, com maior ou menor esforço ou por mera curiosidade recreativa,
segue a opinião publicada de um comentador, vamos dar-lhe o nome de Adelaide.
E
imagine que numa manhã depara, no seu periódico de café, com um texto em
colunas sobre o papel da verdade e da mentira do ministro Centeno, e numa
consequência cavalar – aqui no sentido de lixar a lógica como um cavalo galga
obstáculos –, a Adelaide descobre a perversa qualidade moral de toda a esquerda
e do seu maligno projeto político, para quem a verdade é apenas um conceito de
conveniência tática.
Mas
vamos continuar a imaginar que a fogosa Adelaide – o destino tem destas coisas
–, afinal, já fez plágio, ou seja, que para encher chouriços e dar texto ao
prelo fez, com todo o descaro e sem qualquer arrependimento, o roubo do texto
de outro sem mencionar o verdadeiro autor, como deveria ser em nome da verdade.
Sendo
assim, qualquer texto sobre o valor da verdade na formação e personalidade dos
homens, em particular dos homens de esquerda, na pena da Adelaide soaria no
mínimo a ridículo, não é?
Ou
seja, a Adelaide, exemplo de virtude, acusadora de dedinho espetado, afinal
peca por omissão e falta de vergonha.
Ou
então a Adelaide rasteja, leve no seu fanatismo partidário. Disposta a fazer o
que for necessário. Mentir não é um problema, faz parte da catequese. Eu volto
para a semana, Adelaide.
*Consultor
de comunicação. Escreve às quintas-feiras
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