Amadeu
Oliveira | Expresso das Ilhas | opinião
Em
Memória do Presidente Dr. António Mascarenhas Monteiro”
Por
imperativo constitucional, em Cabo Verde, quem manda e desmanda na Justiça não
é o Governo, nem o Presidente da República, nem a Assembleia Nacional mas sim o
Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).
Tal
órgão é composto por 9 (nove) elementos e o seu presidente deve ser nomeado
pelo Presidente da República mediante proposta dos demais membros desse mesmo
Conselho. É necessário realçar que o presidente do CSMJ deve ser,
obrigatoriamente, um Magistrado Judicial, pelo que as possibilidades de escolha
por parte do Senhor Presidente da República são muito limitadas, já que têm de
se cingir aos Magistrados Judiciais que sejam já parte do mesmo CSMJ.
Depois
de nomear o Presidente do CSMJ, lamentavelmente, nem o Presidente da República,
nem os demais órgãos de soberania, possuem mais qualquer possibilidade de
seguimento e avaliação do funcionamento do CSMJ que, doravante, passará a
actuar livremente, sem rei, nem lei (fazendo pouco da lei).
Perante
a falta de trabalho, ausência de resultados ou mesmo falhas de honestidade no
seio do CSMJ, nenhum órgão de soberania dispõe de instrumentos legais, eficazes
e eficientes para avaliar ou corrigir os eventuais abusos ou desvios reinante
nesse órgão.
Ora,
tal configuração constitucional, decorre de uma errada interpretação do
princípio da Separação de Poderes segunda a qual “cada macaco deve ficar
no seu galho”, no que se refere aos órgãos de soberania, a saber: (i) –
Assembleia Nacional (Poder Legislativo), (ii) Governo (Poder Executivo) e (iii)
Tribunais e CSMJ (Poder Judicial), sendo certo que nos Regimes Semi-Presidencialista ou Parlamentar-Mitigado (como
é o caso de Cabo Verde), a figura do Presidente da República surge como o fiel
da balança entre esses vários poderes;
Dentro
deste quadro constitucional, ultimamente (já tarde demais) Sua Excelência o
Senhor Presidente da República tem esboçado algumas iniciativas para tentar se
inteirar dos graves, malignos e tenebrosos desvios de poder dentro do sistema
judicial, nomeadamente, promovendo a auscultação de várias entidades
relacionadas com o sector da justiça, visando uma escolha criteriosa do novo
Presidente do CSMJ;
Vai
daí que, através de um artigo de opinião intitulado de “Mais Atenção À
Separação de Poderes”, publicado na página 14 do jornal Expresso das Ilhas, Nº
807, de 17 de Maio último, o Dr. Humberto Cardoso resolveu insurgir-se contra o
Senhor Presidente da República, Dr. Jorge Carlos Fonseca, porque, supostamente,
o mais alto Magistrado da Nação terá andado a violar o princípio da Separação
de Poderes, só pelo facto do Presidente da República ter esboçado uma vaga
pretensão de seguimento e avaliação acerca do funcionamento do CSMJ.
O
Dr. Humberto Cardoso chega ao ponto de plasmar no seu texto que “O
Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) é o órgão constitucional de
gestão e de disciplina dos juízes. É evidente que no seu funcionamento deve ser
completamente autónoma e livre da influência do Poder Político”; .... “Há que
dar a devida atenção ao Princípio de Separação de Poderes”.
É
claro que essa tese é fruto de um terrível equívoco na interpretação do
Princípio de Separação de Poderes que importa clarificar, não vá o Senhor
Presidente da República recuar ou titubear nas suas iniciativas em relação à
pouca vergonha em que se transformou o nosso sistema de Não-Justiça em Cabo
Verde;
Em
virtude de o Dr. Humberto Cardoso colocar um pendor excessivamente formalista,
rígido e teórico nas suas análises, no que tange à Não-Justiça instalada em
Cabo Verde, acaba, assim, por tecer duras e injustas críticas ao Presidente
Jorge Carlos Fonseca, quando este, finalmente, começa a fazer algo de jeito no
sentido de melhorar o sistema, indo um pouco mais além do que os seus já
estéreis discursos de ocasião, designadamente os proferidos nas cerimónias de
abertura de cada ano judicial. Tenho de reconhecer que o Dr. Jorge Carlos
Fonseca tem feito bons discursos a esse respeito, mas, por não serem
acompanhados de acções práticas (magistratura de influência), tudo não tem
passado de conversa vazia e retórica de político, tal como era mera poesia as
intervenções do Dr. José Maria Neves no tempo em que o PAICV estava no poder.
Assim,
de retórica em retórica, a situação da Não-Justiça se degradou a tal ponto que,
neste momento, ninguém de boa consciência poderá negar que tanto nas vilas como
nas cidades, no campo como nos portos, nos cutelos como nos vales, nos bares e
botecos, nas empresas e nas famílias, nas conversas de cidadãos sérios e
esforçados como até na boca de políticos demagogos, em todo o lado, já se formou
a convicção, quase unânime, de que a Justiça, em Cabo Verde, não é célere o
suficiente, não é séria o bastante, não é justa como se desejaria, não é de
fácil acesso como reza a Constituição e nem sequer é útil, pois, quando vem,
(se não prescrever) é sempre tarde e a más horas, para além de ser, muitas
vezes, mal fundamentada e nada credível;
Por
outro lado, existe, na nossa sociedade, a percepção de que determinados
magistrados agem como se fossem intocáveis e impunes, pese embora manifestos
abusos de poder, aldrabices de toda a casta e espécie, favorecimentos e tráfico
de influências, o que faz com que determinados processos sejam despachados num
ápice (escassos meses) enquanto outros processos da mesma natureza, género e
valor, demoram anos para conhecerem um simples despacho de citação que nada
mais é do que seis letras (C I T E – S E ) com uma rubrica do
Juiz e uma data por baixo, para não falarmos da contingência de terem de
aguardar mais de uma década para uma decisão final.
Neste
quadro de desmandos e de impunidade em relação às irregularidades cometidas por
determinados magistrados, não havendo uma reacção adequada e atempada por parte
dos órgãos de direcção, disciplina e organização do sistema judicial (CSMJ),
urge e impõe-se uma tomada de posição por parte dos titulares dos demais órgãos
de soberania, máxime, de Sua Excelência o Senhor Presidente da República. É que
numa República que seja Republicana de verdade não pode existir nenhum Poder,
nem mesmo sendo o Poder Judicial, a arvorar-se em Poder Absoluto, colocando-se
acima do controlo e fora do escrutínio dos demais Órgãos de Soberania: –
Presidente da República, Assembleia Nacional e Governo – e acima do próprio
Povo, em cujo nome os Tribunais existem, funcionam e ditam sentenças.
14. Pelo
exposto, ao contrário do que vem sendo defendido pelo Dr. Humberto Cardoso, e
fazendo um trocadilho com as suas próprias palavras, diríamos que “É
evidente que no funcionamento do CSMJ deve haver um acompanhamento, acções de
correcção, avaliação e responsabilização por parte dos titulares dos demais
órgãos de Soberania, não podendo o CSMJ ser um órgão absolutamente autónoma e
livre da influência do Poder Político, seja a Presidência da República,
Assembleia Nacional e o Governo, pois é chegada a hora de dar uma vassourada
nos actuais membros do CSMJ e indigitar outra casta de cidadãos que sejam
portadores de uma visão para o sector, uma estratégia direccionada para os
resultados, que tenham metas de quantidade e de qualidade a serem atingidas e
que seja gente imbuída de honestidade, amor à Justiça e seriedade, capaz de
conferir uma outra credibilidade ao sistema”.
É
que o entendimento abraçado pelo Dr. Humberto Cardoso revela ser manifestamente
imprudente, prejudicial e equivocado, abrindo portas a toda a casta de abusos e
desmandos, como os que temos testemunhado dentro do Sistema Judicial,
protagonizados por magistrados (sobretudo Juízes) desde a primeira instância
(Juiz do Tribunal de Ribeira Grande de Santo Antão, por exemplo) até ao Supremo
Tribunal de Justiça (Secção Crime, por exemplo), sem olvidar as formidáveis
omissões e truques do actual CSMJ que tem sido tão Mal-Presidido e tão
mediocremente dirigido, como se não fosse possível ao CSMJ fazer mais e melhor
com os recursos que os sucessivos Governos colocaram à sua disposição.
Nesse
quadro, impõe-se ao Senhor Presidente da República uma outra actuação, mais
atenta e mais cuidada, mais preocupada com os resultados em termos de qualidade
e quantidade, mais interventiva e responsabilizadora, por forma a tentar
contrariar o triste estado actual das coisas.
Por
isso, qualquer vítima dessa “Não-Justiça” deve aplaudir, estimular, suportar,
apoiar e louvar a iniciativa Presidencial de estar a auscultar várias entidades
e personalidades ligadas ao mundo da Justiça, antes do Senhor Presidente
indigitar o novo Presidente do CSMJ, sem que com isso esteja a quebrar a
Princípio da Separação de Poderes.
Face
a essa equivocada interpretação do princípio de Separação de Poderes, apraz-me
perguntar: (i) De que servirão a Presidência da República, os Deputados
Nacionais, o Governo e a Oposição se o País não tiver um sistema judicial capaz
de resolver, em tempo útil, um eventual litígio entre vizinhos, entre empresas
ou entre um trabalhador e a sua entidade patronal??? (ii) De que serve ao
cidadão dizerem-lhe que vive num Estado de Direito Democrático onde impera o
princípio da Separação de Poderes se não pode defender o seu Direito perante um
Tribunal célere e credível, mediante um processo justo e equitativo,
conseguindo uma decisão séria e credível, em tempo útil ??? (iii) Enfim, de que
lhe serve todos esses lindos palavreados se, quando precisa da Justiça, corre o
risco de encontrar magistrados prevaricadores, actuando a seu bel-prazer,
retardando determinados processos ao mesmo passo que aceleram outros, cometendo
iniquidades indiscritíveis, sem receio algum, por estarem cientes da
impunidade, por saberem não existir, em Cabo Verde, um Serviço de Inspecção
Judicial que, pese embora estar prevista na Constituição da República, nunca,
nem o PAICV, nem o MPD, (os dois partidos políticos que nos tem Governado),
fizeram questão de ver em funcionamento.
Aliás,
para além das iniciativas acima descritas, caso o Senhor Presidente da
república quiser mesmo dar um contributo nessa matéria, deverá começar por
desencadear uma alteração constitucional no sentido de se revogar o Nº 6 do
Artigo 223º da Constituição, visando abolir a regra de que o CSMJ deve ser
sempre presidida por um Magistrado Judicial, um Juiz, pois essa regra tem
conduzido a que o CSMJ funcione mais como um covil de branqueamento dos abusos
de determinados magistrados judiciais do que um órgão de disciplina e de
credibilização da nossa Justiça.
Por
outro lado, é urgente promover uma alteração constitucional por forma a que o
Governo tenha a possibilidade de indicar um seu representante, entre os 9
(nove) membros do CSMJ. A entrada de um representante do Governo no CSMJ
justifica-se, quanto mais não seja, porque a figura do Ministro da Justiça é a
mais criticada, mesmo que, no quadro constitucional actual, o Governo não
possua a menor possibilidade de actuação/intervenção no funcionamento da
máquina da justiça, para além da disponibilização de meios materiais e recursos
financeiros.
Ademais,
é sabido que o Povo pensa (com razão) que, quando elege um Governo para
administrar o País, isso inclui o bom funcionamento dos Tribunais e a
credibilização da Justiça, sendo o Governo o responsável político pela boa ou
má administração do País, em todos os sectores sem exclusão, englobando também
o sector da Justiça.
Por
uma questão de honestidade intelectual devo referir que essas duas últimas
sugestões de alteração constitucional não são da minha autoria, foram-me
incutidas pelo falecido Presidente da República, Dr. António Mascarenhas
Monteiro, no Hotel Salinas Sea, do Grupo Oásis, na Ilha do Sal, no dia 15 de
Fevereiro de 2016, quando ele me deu a subida honra de acompanhar a sua esposa,
Dra. Odette Pinheiro, ao Tribunal do Sal, para me servir de testemunha num
processo-crime em que eu era o Arguido – Réu, em virtude de eu ter tecido
fortes e duras críticas em relação ao desempenho profissional de um Juiz (Dr.
Ary Santos que é membro do CSMJ), pelo que eu estava a ser julgado por
suposto crime de Injúria e Difamação contra esse membro do CSMJ.
Incrivelmente,
logo depois do julgamento ter terminado, todas as provas realizadas
demonstrando a veracidade das minhas afirmações desapareceram dentro do
Tribunal, incluindo todas as gravações áudio dos depoimentos de todas as
testemunhas, pelo que até à data de hoje, nem eu, nem o referido magistrado
fomos responsabilizados pelos nossos actos e omissões, tendo ficado tudo
escondido por debaixo do enorme tapete de poucas-vergonhas que mancham o
sistema judicial de Cabo Verde.
Face
ao extravio das provas testemunhais dentro da secretaria do tribunal do Sal,
recorri para o Supremo Tribunal de Justiça, suplicando para um novo julgamento,
mas até a data de hoje ainda o STJ não proferiu o almejado Acórdão, que deve
ser tão fácil de cozinhar que não levará duas horas sequer a ser elaborado.
Entretanto, o mais provável é que eu tenha de aguardar anos afio, senão for uma
década, a espera de ser julgado novamente.
É
claro que sobre este e muitos outros casos rocambolescos, o CSMJ sempre
preferiu meter a cabeça na areia, fingindo-se de morto, cego, surdo e mudo, só
para não ter de actuar em conformidade.
Pois,
quem tenha o poder e o dever de promover as necessárias reformas no sector da
Justiça que seja breve, antes que seja demasiado tarde, e Cabo Verde entrar
numa deriva populista, em que as gentes do Povo possam desatar a fazer justiça
pelas suas próprias mãos, por falta de instâncias judiciais sérias e credíveis
em quem se pode confiar. – A Bem da Nação Cabo-Verdiana!!!
Praia,
Mercearia Andrade, Junho de 2017.
Texto
originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº
813 de 28 de Junho de 2017
1 comentário:
Um artigo muito informativo. Um obrigado ao seu autor e editor neste espaço. E embora não conhecendo de perto o sistema e os problemas abordados, devem as autoridades deste nosso país irmão africano, o Cabo Verde, tomarem muito sério assunto apontado. Seja qual for a realidade dos fatos no terreno. Pois talvez, nossos irmãos cabo-verdianos (Mulheres e Homens), não sabem tanto quanto aquele país vosso está servir de bom exemplo para muita coisa no que temos e se faz em muitos países do resto do nosso continente. Um orgulho, uma referencia e grande esperança devendo ser mantidos e cultivados ainda mais, sobretudo no sector cá in causa, a JUSTIÇA.
Obrigado.
Que reine sempre o bom senso.
Amizade.
A. Keita
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