A
ausência de um pensamento estratégico para o país fora da caixa da austeridade
é o problema, que convive com a existência de um líder acossado, nunca adaptado
ao papel de oposição.
Pedro
Filipe Soares *
O
novo líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, dirigiu-se ao país para fazer um
ultimato ao governo. No anúncio urbi et orbi dava um prazo de 24 horas para a
divulgação da lista das vítimas mortais da tragédia de Pedrógão Grande. A arma
de arremesso político era a insinuação de que haveria uma manipulação da lista
oficial das vítimas mortais.
As
respostas nunca satisfizeram o PSD. Nem a indicação de que a informação estava
a ser tratada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), nem o facto de ser
segredo de justiça e o governo não o poder infringir, nem tão-pouco a separação
de poderes. Nada demoveu o PSD de insinuar que estava em curso uma operação de
branqueamento dos números de mortes. O PSD instigou uma teoria da conspiração
com objetivos puramente partidários.
Expirado
o prazo de 24 horas, Hugo Soares exigiu, triunfalmente, como quem faz a jogada
de xeque-mate, a realização de uma conferência de líderes e de uma reunião da
Comissão Permanente do Parlamento. A apresentação da lista da PGR, pouco tempo
depois, só serviu para expor a sofreguidão do processo.
A
realidade tirou rapidamente o tapete ao PSD: a lista oficial é exatamente a
mesma que já tinha sido assumida anteriormente, sem tirar nem pôr. Face à
inexistência de qualquer manipulação de números, a acusação do PSD dissolveu-se
no vazio e o seu líder parlamentar caiu no ridículo. Foi irónico vê-lo, logo
depois, a retirar os pedidos de reuniões e a tentar dar por resolvida a
questão.
A
instrumentalização do número de vítimas da tragédia de Pedrógão Grande para
aproveitamento político é lamentável e uma enorme chicana política. Mas foi essa
a intenção do PSD, seguido de perto pelo CDS - Assunção Cristas, para não ficar
atrás, chegou a admitir a apresentação de uma moção de censura. A corrida para
o abismo entre PSD e CDS é prova do desnorte da direita.
Contudo,
no caso particular do PSD, este foi apenas o último episódio de uma profunda
falta de orientação política. A ausência de um pensamento estratégico para o
país fora da caixa da austeridade é o problema, que convive com a existência de
um líder acossado, nunca adaptado ao papel de oposição.
O
percurso do PSD na oposição tem sido penoso e incoerente. No início, tivemos o
discurso dos usurpadores, incapaz de perceber que é o governo que depende do
Parlamento e não o contrário. Depois, foi a fase do velho do restelo e das
preces ao diabo na economia. Agora, é a tentativa de correr atrás dos casos
políticos, atraído por eles como a borboleta se sente atraída pela luz.
O
discurso disparatado do PSD é bem visível nas questões orçamentais. Os grandes
promotores da ideologia da inevitabilidade anunciavam enormes tormentas com as
escolhas económicas que foram sendo seguidas. Mês após mês iam dizendo que o
fim estava próximo e que se pagaria caro o alegado "despesismo". Só
que os meses foram passando e a economia foi melhorando, as contas públicas mais
equilibradas e a confiança das pessoas reabilitada. O aumento do salário mínimo
nacional, que cresceu 52euro euros/mês desde outubro de 2015, é a maior
conquista na afirmação da valorização dos salários e ao mesmo tempo a maior
derrota de Passos Coelho, que defendia a sua eliminação. Provamos que o país
fica melhor quando as pessoas estão melhores.
Esgotado
o discurso do desastre económico que PSD difundia, logo mudaram a agulha para o
argumento oposto: a política está a funcionar porque o governo está a copiar o
que foi feito por PSD e CDS. Do desastre à glória em menos de um ano: o défice
orçamental de 2016 teria resgatado a cartilha da austeridade do PSD pelas mãos
das cativações.
O
desespero instala-se quando é possível provar que não existiram cortes nos
serviços públicos em 2016. Pelo contrário, apesar de ainda ser menos do que o
necessário, o Serviço Nacional de Saúde e a escola pública viram reforçados os
seus orçamentos. Esta não é claramente a política do PSD, nem está contemplada
no seu manual: a única coisa que existe é puro oportunismo.
Se
uma boa oposição ajuda a fazer um bom poder, sabemos que o PSD está a faltar à
chamada. Este é o presente envenenado para António Costa. O deslumbramento
espreita a cada sondagem com a ideia de menos PSD poder ser mais PS.
Nas
vésperas do início do processo orçamental, é importante lembrar que um poder
deslumbrado é um poder desleixado. A única escolha que temos neste momento
exigente do país é a de continuar a aprofundar o caminho que tem sido trilhado,
valorizando rendimentos e direitos sociais, melhorando os serviços públicos. A
resposta à decadência da direita só pode ser o reforço de uma política de
esquerda, que vire mesmo a página da austeridade.
Artigo
publicado no Diário de Notícias (link is external), 28/7/2017
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Esquerda.net | Pedro
Filipe Soares | Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda,
matemático.
Nota PG: "Desperado" em espanhol significa malfeitor
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