Mariana
Mortágua | Jornal de Notícias | opinião
"Porque
lhes bateram? O que é que eles fizeram?" serão provavelmente as primeiras
perguntas de quem não conhece os pormenores da agressão policial contra seis
jovens da Cova da Moura, na Amadora. A questão reflete, ela própria, o olhar
enviesado da sociedade sobre o fenómeno da atuação da Polícia nos bairros ditos
"problemáticos". A resposta é simples: independentemente da situação
em concreto, nada justifica nunca o abuso da força, a agressão ou a tortura.
O
real motivo da violência está nos polícias, agressores, e não nos jovens da
Cova da Moura, vítimas. Os testemunhos são claros: "Os polícias disseram
que nós, africanos, temos de morrer. Chamavam pretos, macacos, que iam
exterminar a nossa raça". Ficam então a nu os motivos: racismo e xenofobia,
agravados pelo absoluto sentimento de impunidade por parte dos agentes.
Foquemo-nos
na impunidade. Estes jovens não foram agredidos por um polícia racista em
concreto. O testemunho de Flávio Almada, uma das vítimas, é claro: "de
tudo o que nos fizeram o que mais me assustou foi perceber que não havia um
único agente de confiança que nos pudesse ajudar. Houve troca de turnos até.
Nunca nos deixaram fazer um telefonema para a família". Falamos portanto
de uma esquadra inteira, participante ou cúmplice de tortura motivada por ódio
racial.
Mas
não ficamos por aqui. O Ministério Público, que agora acusa 18 polícias dos
crimes de tortura, sequestro, injúria e ofensa à integridade física
qualificada, também afirma que os relatórios e autos de notícia e testemunho
foram falsificados para proteger os agressores. O INEM, tendo registado,
segundo as últimas notícias, a verdadeira causa dos ferimentos, também não deu
sequência ao caso (segundo se sabe). A Inspeção-Geral da Administração Interna
(IGAI) arquivou o inquérito à conduta policial.
Nós
sabemos que este caso não é único, é prato do dia em muitos bairros. E é isso
mesmo que estes factos agora comprovam. Da agressão pela Polícia à cumplicidade
de todas as intuições envolvidas nas várias fases do processo, o Estado falhou em
grande. Viola direitos que devia proteger e organiza a ocultação do crime.
Este
não é um problema ou um caso localizado. É um problema do Estado. Torna-se por
isso bizarro - e inaceitável - que nenhum membro do Governo tenha ainda vindo a
público pronunciar-se e dar a estes jovens garantias de segurança durante um
inquérito inédito.
Que
diríamos perante uma equipa de cirurgiões que voluntariamente infetasse os seus
pacientes? Ou de uma cantina pública que substituísse sal por veneno? Seis
cidadãos, inocentes, foram brutalmente agredidos por quem deveria garantir a
sua segurança. Não é suficiente para termos um caso nacional e garantias do
poder político? Ou isso está vedado quando as vítimas são jovens, negros e da
Cova da Moura?
*
Deputada do BE
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