David
Pontes | Jornal de Notícias | opinião
A
sério: deve haver qualquer coisa na água de Oeiras que tolda o discernimento e
perturba a capacidade de avaliar socialmente o que é aceitável e o que não é. E
isto é dizer pouco.
Não
conheço bem o município, mas leio na Wikipédia que é "atualmente o concelho,
a nível nacional, com maior concentração de licenciados e doutorados". Por
isso, sou levado a crer que gente tão bem formada, mesmo atendendo à capacidade
de concretização do seu autarca de eleição, Isaltino Morais, fosse capaz de um
juízo severo quando o político, à altura ministro, se demitiu do Governo que
integrava por não conseguir dar uma explicação razoável para o dinheiro que
acumulara na Suíça em contas conjuntas com um sobrinho taxista.
Mas
não. Em 2005, mesmo com acusações pendentes de corrupção passiva, fraude
fiscal, branqueamento de capitais e abuso de poder, foi eleito novamente para a
autarquia pelo bom povo de Oeiras.
E
assim se manteve, renovando o mandato em 2009 e atrasando o caminho da justiça
graças a dezenas de recursos que foi interpondo até 2013, quando foi ordenada a
sua prisão. Nessa altura, o seu eterno vice-presidente, Paulo Vistas, avança
para a presidência da autarquia, e é eleito num movimento inspirado no
presidente preso.
A
lógica, imagino, era que tendo Isaltino saldado as contas com a sociedade,
pudesse regressar ao lugar de autarca. Só que para isso era preciso que Paulo
Vistas não fosse um consumidor regular do SIMAS, o serviço de abastecimento de
água de Oeiras. Como era, passou de fiel seguidor a "traidor" e assim
se anunciavam umas disputadas eleições com... nove candidatos à presidência.
Eis
que senão quando, nos apercebemos que também o sistema de justiça tem de matar
a sede em Oeiras, pelo menos Nuno Tomás Cardoso. Só isso explica que o juiz que
foi membro da Comissão Política do PSD de Oeiras quando Paulo Vistas era
presidente, que teve como padrinho de casamento o autarca e cuja mulher
arranjou emprego na Câmara este ano, ache possível pedir para estar de turno
para avaliar (e rejeitar) a lista de Isaltino Morais e de outro movimento
independente. Só com muita água de Oeiras bebida alguém pode acreditar que com
estes antecedentes podia tomar uma decisão destas sem consequências. Isso ou o espírito
de total impunidade que cada vez mais grassa entre os magistrados, que se acham
capazes de decidir o que quer que seja, sem que tenham que prestar contas à sociedade.
É
mesmo melhor pensarmos que é da água.
*Subdiretor
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