Manuel
Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião
No
último ano, assistimos a um certo enfoque mediático e político no tema do
futuro do trabalho, sem dúvida de crucial importância para a democracia. Embora
a OIT tenha uma agenda com interesse sobre o tema, a discussão foi introduzida
carregada de enviesamentos, fruto do crescente desequilíbrio nas relações de
poder entre o trabalho e o capital, provocado por fatores diversos, que vão
desde a financeirização da economia, à progressiva organização subversiva de
estruturas empresariais ou às alterações regressivas na legislação do trabalho
em muitos países, como foi o caso de Portugal. Mas, na determinação do futuro
do trabalho, as questões políticas podem vir a mostrar-se mais determinantes do
que as tecnológicas, hoje tão em voga graças aos impactos da robotização e da
inteligência artificial, quer no plano externo quer no nacional.
Em
França, país de importância histórica na conquista de direitos individuais e
coletivos no trabalho, Macron, enquanto encena aparentes ideias inovadoras para
o projeto europeu, desencadeia uma ofensiva antilaboral sem precedentes,
apoiado pelos poderes dominantes da União Europeia (UE). Draghi expressou, esta
semana, a expectativa de tais reformas "eliminarem o dualismo no mercado de
trabalho", o que pelas experiências conhecidas significa generalizar a
precarização e acentuar a desproteção dos trabalhadores. Muito do futuro do
trabalho no continente europeu joga-se em França.
As
"ordennances" de Macron - decretos previstos constitucionalmente, mas
que raramente são utilizados por permitirem mudanças profundas sem debate e
voto parlamentar - pretendem introduzir a negociação na empresa "à la
carte", servindo o interesse imediato dos patrões e possibilitando
derrogar direitos consagrados ao nível da negociação coletiva setorial e até ao
nível nacional, eliminar praticamente a negociação coletiva nas pequenas e
médias empresas, estoirar a autonomia coletiva dos trabalhadores e facilitar
despedimentos introduzindo mecanismos de proteção das multinacionais.
A
agenda de Macron já está em Portugal há muito tempo, hoje com novos fôlegos. A
propósito do processo de negociação e da greve na Autoeuropa, o Fórum para a
Competitividade, de Ferraz da Costa - homem que sem rodeios diz: "tenho
pena que a troika tenha ido embora" -, veio a terreiro reclamando ser
preciso "colocar na ordem do dia a necessidade de rever a lei da
greve", curiosamente quando aquela greve foi decidida num processo
exemplar de participação dos trabalhadores na sua convocação e realização, como
passo necessário para dinamizar e valorizar a negociação. Este Fórum, que
sempre teve boa dose de ideias bafientas, mais adequadas ao século XIX do que
ao século XXI, e no qual têm destaque empresários que jamais aceitaram como
prática nas suas empresas o "modelo de relações industriais na
Autoeuropa", vêm agora hipocritamente defendê-lo. Anseiam ver ali
eliminados direitos fundamentais dos trabalhadores, abrindo caminho a mais
precariedade e à redução das retribuições no trabalho em geral.
Ao
mesmo tempo, há toda uma campanha da direita mais empedernida, gritando
"aqui-d"el-rei" que está aí uma revolução em curso; dizem que
"vem aí o comunismo". E porquê?
Porque
na sociedade portuguesa se deteta uma consciencialização crescente de que há
contradições no nosso processo de desenvolvimento a precisarem de ser
resolvidas: se o desemprego diminui, o emprego aumenta mas os salários
estagnam, as desigualdades e a pobreza persistem e a produtividade não cresce,
a cartilha ideológica hegemónica que tem orientado as políticas não serve e é
preciso melhor valorização do trabalho. Essa direita retrógrada e o centrão de
interesses querem aproveitar o ar bafiento que vem de França e, por isso,
encenam o medo e disparam contra qualquer esboço de políticas progressistas.
Ao
invés, impõe-se o aprofundamento da consciencialização das pessoas sobre as
injustiças, o debate aberto sobre as opções a seguir para a modernização
sustentada da economia, o empenho do poder legislativo e em particular do
Governo, na implementação de novas políticas que resolvam aquelas contradições
a favor do desenvolvimento harmonioso da sociedade.
*
Investigador e professor universitário
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