A
discussão sobre o futuro do euro e da União Europeia (UE) tinha de ficar para
depois das eleições alemãs. Antes disso nada feito. Assim pensavam e diziam,
quer o primeiro-ministro português, quer o presidente francês. Acontece que das
eleições alemãs resultou uma perda substancial de votos e de deputados dos
partidos da anterior coligação - com forte queda da força política de Merkel -
e uma subida da extrema-direita, que teve entrada de rompante no parlamento,
bem como do Partido Liberal.
Do
ponto de vista interno, estas eleições mostraram um país dividido: um país onde
os frutos da pujança económica são mal distribuídos, e onde o ressentimento
social se transforma em reações xenófobas e fascistas, como as alardeadas pelo
partido de extrema-direita. Ora, sendo esta realidade interna resultado de
políticas que têm agravado precariedades, condições de trabalho, qualidade de
emprego e fatores de desigualdade; sendo o Partido Liberal assumidamente um
partido "dos negócios", que coloca como linha vermelha para a sua
participação no novo Governo a existência de qualquer reforço orçamental
europeu que contribua para a coesão; estando a Alemanha a beneficiar (veja-se
os excedentes recorde da sua economia) do rumo que impôs à UE, é claro que não
se vislumbram razões de esperança para a resolução dos grandes problemas desta,
vindos do Governo mais poderoso da Europa Ocidental.
Mas
afoito, até porque precisa de cortinas de fumo que escondam a sua perda de
credibilidade interna, o presidente francês programou para a terça-feira que se
seguiu às eleições alemãs o seu discurso, o que foi propagandeado como uma
importante declaração sobre o futuro da União Europeia. E lá fez um discurso
"arrojado" na forma, bem menos no conteúdo.
Em
algumas passagens Macron parece propor, contra ventos e marés, a rápida
transformação da UE numa espécie de país. Muitas das suas propostas não são más
em si mesmo e podem até surpreender alguma Direita em Portugal: uma taxa sobre
as transações financeiras para apoiar a cooperação e o desenvolvimento; um
travão sobre a concorrência fiscal na taxação das empresas no interior da UE; o
esboço de uma política industrial europeia; uma taxa de carbono que incida
também sobre as importações. Entretanto, nada apresenta de soluções para as
dívidas públicas. Noutros aspetos, as propostas são muito modestas ou
claramente perigosas. O reforço orçamental europeu no sentido de uma acrescida
securitização das fronteiras europeias, ampliando a dimensão e o poder do
complexo industrial-militar europeu, pode emergir como o principal rumo estratégico
europeu a que vamos assistir no futuro.
A
vertigem distópica da transformação da União Europeia num país, agora assumida
por Macron, tem sido o combustível que, em longos períodos, tem alimentado a
construção europeia. Se os povos não querem determinado rumo, e dizem
"não" quando lhes perguntam, estas elites afoitas receitam-lhes
passos "irreversíveis" que os obriguem a aceitar ainda mais
"integração", mais desigualdades, menos solidariedade, menos
democracia e soberania.
Inúmeras
propostas europeias de Macron, dado o contexto europeu e mundial que se vive e
a sua subjugação à aprovação alemã, são mero barro na parede, de que só se
aproveitará o que interessa ao Governo alemão no seu jogo político doméstico.
Da
negociação entre a Alemanha e a França não é difícil adivinhar que resultem
soluções cosidas a metade, como a União Bancária e outros instrumentos
associados à história do euro, em que quem toma as decisões não paga e quem
paga não decide. Acontece, porém, que as meias-soluções, num quadro de
desigualdades, não mitigam as assimetrias mas alimentam níveis de conflito que
impedem a convergência em torno de soluções de conjunto viáveis e
mobilizadoras.
Os
resultados eleitorais na Alemanha e o triste destino que esperam as propostas
de Macron são duas manifestações de um dissenso crescente na UE que, pelo menos
a norte, alimenta a extrema-direita. Seja como for, o resultado das eleições
alemãs e as propostas de Macron não colam.
*Investigador
e professor universitário
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