Frasquilho não pode safar-se
assim. Ou se explica muito melhor, ou passa a merecer que o classifiquemos como
mais um ex-assalariado de Ricardo Salgado tristemente amnésico.
João Miguel Tavares | Público |
opinião
Nada faria mais pela higiene do
regime do que o conhecimento de cada um dos beneficiários da Espírito Santo
Enterprises. Em tempos, o Expresso levantou a hipótese de haver uma
lista de jornalistas avençados, que nunca apareceu. Mas, pelo que se vai
sabendo da actividade do BES, listas não devem faltar, e tudo indica que não se
resumam a jornalistas. Na sua última edição, o Expresso adiantava
mais um nome que recebeu transferências do famoso e omnipresente saco azul do
BES: Miguel Frasquilho. Recorde-se que Frasquilho era director de uma empresa
do grupo Espírito Santo (a Espírito Santo Research) ao mesmo tempo que se
mantinha como deputado e vice-presidente da bancada do PSD – nada de ilegal, a
legislação portuguesa permitia. Só que, em paralelo ao seu ordenado oficial,
usufruiu de algumas transferências oficiosas via ES Enterprises – o que já é
duvidoso que a legislação portuguesa permitisse, até por ser pouco provável que
esse dinheiro tenha sido declarado ao fisco.
Essas transferências foram o
motivo da notícia do Expresso, em relação às quais Miguel Frasquilho
apresentou péssimas explicações. Digamos que na escala de 0 a 100 da
implausibilidade, em que no 100 se encontra a justificação “Carlos Santos Silva
é apenas um amigo de infância”, as justificações de Miguel Frasquilho ficam ali
nos 90. São muito implausíveis, mesmo. O valor total das transferências em
causa – seis, entre 2009 e 2011 – somou 54 mil euros, o que é naturalmente uma
gota de água no mar do saco azul. Mas Frasquilho admite não só ter recebido
esse dinheiro, como esta estranhíssima particularidade: as transferências não
foram feitas para contas suas, mas para contas de familiares próximos.
Justificação de Miguel Frasquilho: “tinha dívidas a saldar com os meus
familiares directos referidos”. Donde, em vez de resolver o problema
directamente com eles, pediu à sua “entidade patronal” para transferir o
dinheiro para as contas de pais e irmão.
Faz sentido? Nem por isso. Se eu
devo dinheiro a um irmão ou a uma mãe vou pedir ao meu patrão que seja ele a
saldar a dívida? É óbvio que não. Seria absurdo andar a partilhar com o DDT
aspectos da minha vida financeira privada apenas para evitar o espectacular
trabalho de fazer uma transferência a partir de uma conta-ordenado. E existe
ainda este problema acrescido: a Espírito Santo Enterprises não só era uma offshore,
como não fazia sequer parte da estrutura do grupo BES. Ou seja, a “entidade
patronal” de Frasquilho não pagou coisa alguma aos seus familiares. Quem pagou
foi uma empresa oculta que andou a distribuir dinheiro por Zeinal Bava,
Henrique Granadeiro ou Hélder Bataglia, em processos de muito duvidosa
legalidade, como todos sabemos.
Como se isto não fosse já
suficiente, a notícia do Expresso não explica, por um lado, a que se
devem tais pagamentos (ou seja, o que fez o actual chairman da TAP de
tão relevante para merecer um complemento de ordenado), e Miguel Frasquilho não
explica, por outro, que tipo de dívidas tinha para com irmão, pai e mãe. O que
ele faz é manter-se num regime de explicações mínimas e de invocação de
ignorância (nunca tinha ouvida falar na ES Enterprises; não faz ideia se o BES
declarou os referidos rendimentos ao fisco, e por aí fora) que nós tão bem
conhecemos de outros lugares. Frasquilho não pode safar-se assim. Ou se explica
muito melhor, ou passa a merecer que o classifiquemos como mais um
ex-assalariado de Ricardo Salgado tristemente amnésico.
Na foto: Miguel Frasquilho |
Marcos Borga
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