sábado, 25 de fevereiro de 2017

DEZ MIL MILHÕES? ROUBAR AOS POBRES PARA DAR AOS RICOS? FOI O QUE FOI!




Mário Motta, Lisboa

Já é pública e divulgada profusamente a notícia de que Paulo Núncio, ex-secretário de estado do (des)governo de Passos Coelho, “assune a responsabilidade política dos dez mil milhões que foram para offshores sem que a divulgação e tomada de consideração por lei fosse cumprida. Dez mil milhões que, por assim dizer, saíram pela porta do cavalo. Núncio, militante e dirigente do CDS, anuncia também que abandona o seu cargo naquele partido. E pronto, até parece que o assunto está arrumado, esclarecido. Mas não.

Não está esclarecido se daqueles dez mil milhões os impostos devidos foram pagos. Já lá vão uns quantos dias e ainda não se sabe, dizem os entendidos ou aqueles que falam com esses tais dito entendidos. Estranho é que ao fim de todos estes dias se saiba tão pouco – para além do que se sabe.

Veio Passos Coelho, então primeiro-ministro que pôs o fisco atrás dos famélicos portugueses a penhorar tudo e mais alguma coisa, dizer com empenho característico de farsante, que também ele quer saber a verdade. Só quem não o conhece e não ficou escaldado com as suas maviosas mentiras é que acredita em tal. Então Passos, o então PM e chefe do governo, não se interessou por saber alguma vez se saía de Portugal muito ou pouco para os offshores? E quanto saía todos os anos em fugas de capital? E os impostos relativos a essas saídas eram pagos ao fisco? Um PM não se interessaria por isto? E os seus ministros das finanças também não? Nem Vitor Gaspar nem Maria Luísa Albuquerque se interessaram? Até por curiosidade, para além de verificarem até que ponto a lei estava a ser cumprida?

Paulo Núncio deu a saber que assumia a responsabilidade política… E pronto? O assunto “morre” aqui? Há ou não responsabilidade criminal? Este alegado “desentendimento” e “incompetência”, esta ocultação e infração, pode ter sido assim mesmo ou vai mais fundo e contém contornos mafiosos que deram a fuga para as calendas gregas a dez mil milhões de euros? Ainda para mais quando nesses anos o governo de Passos esmifrava os portugueses, levando-os à fome, à miséria e à morte? Quem assume a responsabilidade de roubar aos pobres para dar aos ricos?

E é esse mentiroso, ex-PM, Passos Coelho, que atualmente quer mostrar que veste a pele de arauto da verdade? Tenham dó. Estamos saturados de tais farsas, vindas de quem vêm.

Vamos esperar, sentados, que o assunto seja esclarecido. Se o for como muitos outros escabrosos “assuntos” anteriormente… Vamos ficar a saber o mesmo, nada, ou quase nada. E a culpa morre solteira. Depois diremos e perguntaremos: Dez mil milhões de euros? Roubar aos pobres para dar aos ricos? Foi o que foi! Foi o que aconteceu no governo de Passos Coelho sob a torpe presidência de Cavaco Silva, outro que tal.

Portugal. Offshores: PAULO NÚNCIO ASSUME “RESPONSABILIDADE POLÍTICA”





O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio assumiu hoje a "responsabilidade política" pela não publicação de dados relativos às transferências de dinheiro para offshore, pedindo o abandono das suas funções atuais no CDS-PP.

"Tendo em conta o tempo que decorreu entre os factos e o presente e tendo tido agora a oportunidade de revisitar os documentos que têm sido noticiados, nomeadamente os apresentados pelos serviços para publicação de informação estatística das transferências transfronteiriças, considero legitima a interpretação dos serviços que levou à não publicação das estatísticas no portal das Finanças. Assumo, por isso, a responsabilidade política pela não publicação das referidas estatísticas", sublinha Núncio, em texto enviado à agência Lusa.

E continua: "Querendo libertar o partido a que pertenço [CDS-PP] de quaisquer controvérsias ou polémicas nesta matéria, solicitei à presidente do partido que aceitasse a cessação das minhas funções nos órgãos nacionais".

Na noite de sexta-feira, o antigo diretor-geral do fisco Azevedo Pereira garantiu ter solicitado, por duas vezes, ao ex-secretário de Estado Paulo Núncio autorização para publicar dados relativos às transferências dinheiro para 'offshore', mas "em nenhum dos casos" esta lhe foi concedida.

Em causa estão transferências de dinheiro para paraísos fiscais concretizadas entre 2011 e 2014, durante a governação PSD-CDS/PP, sem qualquer controlo estatístico por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), como a lei obriga, e que levaram já os partidos com assento parlamentar a solicitar uma audição urgente do atual e do anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Paulo Núncio, no texto endereçado à Lusa, lembra que a AT "tem, desde 2012, a possibilidade de liquidar todos os impostos devidos nestas situações no prazo alargado de 12 anos (anteriormente este prazo era de 4 anos)" e, "nestes termos, quaisquer impostos que sejam devidos nestas situações poderão ser cobrados pela AT até 2024, evitando-se assim o risco de perda da receita do Estado".

"Reafirmo o meu total desconhecimento, à data e até hoje, relativamente à noticiada discrepância entre os dados entregues pelas instituições financeiras e os dados processados pela AT. Tenho confiança, no entanto, que a inspeção não deixará de realizar todos os cruzamentos e procedimentos inspetivos necessários para o apuramento da verdade", diz também o antigo governante centrista.

A publicação estatística de dados no portal das Finanças, adverte ainda Núncio, "não interfere com a ação efetiva da inspeção tributária no tratamento, análise e fiscalização das referidas transferências".

"O reforço do combate à fraude e à evasão fiscais foi um objetivo prioritário nos últimos anos, com resultados muito significativos. Tenho confiança que a AT irá continuar a desenvolver todos os esforços para combater de forma eficaz a utilização de paraísos fiscais", concretiza Paulo Núncio, que garante que irá no parlamento, na quarta-feira, prestar os "esclarecimentos complementares" tidos como "necessários" sobre o tema.

Na nota com nove pontos enviada na sexta-feira às redações, o antigo diretor do Fisco Azevedo Pereira admitiu poderem ter existido "erros de perceção" na troca de informação com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo PSD-CDS, com vista à publicitação dos dados das transferências para as 'offshore'.

No entanto, considera que esses "erros de perceção" "nunca demoram quatro anos a resolver" e conclui que, se Paulo Núncio tivesse a intenção de os fazer publicar, teria tido oportunidade de o fazer ao longo dos quatro anos seguintes, até à sua saída do governo, em novembro de 2015.

Na justificação enviada aos jornais, Azevedo Pereira começa por esclarecer que, "em tempo", a AT propôs ao secretário de Estado a publicitação dos dados das transferências para paraísos fiscais.

"Tal proposta de publicação foi solicitada por duas vezes (na prática, como veremos, três vezes), através do envio de processos contendo, no primeiro caso, a informação relativa 2010 (reportada pelas instituições financeiras em meados de 2011) e, no segundo, a informação relativa a 2011 (reportada pelas instituições financeiras em meados de 2012)", afiança.

Só que - prossegue -, "em nenhum dos casos, a correspondente autorização foi concedida".
"No primeiro caso, o despacho do SEAF [secretário de Estado dos Assuntos Fiscais] solicitou uma alteração na estrutura da informação a divulgar. Tal alteração foi levada a cabo tendo a proposta de publicação sido apresentado de novo à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. Tanto quanto me é dado lembrar - encontramo-nos neste momento a mais de cinco anos de distância destes factos - tal solicitação nunca terá merecido resposta da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais", justifica.

Quanto ao segundo caso, Azevedo Pereira diz que "a informação em causa foi preparada de raiz para acomodar a solicitação efetuada pelo SEAF na resposta ao primeiro pedido de publicação, tendo sido remetida à Secretaria de Estado no início de novembro de 2012".

Lusa, em Notícias ao Minuto

Cabo Verde. DAR O NOME AOS BOIS



António Ludgero Correia – Expresso das Ilhas, opinião

“O problema não é que eles não enxergam uma solução, mas que eles não enxergam o problema.” - Charles F. Kettering

Desde que me contaram esta, passei a ter muito cuidado ao dar o nome aos bois. Não confundir boi (quadrúpede com chifres e cascos) com boy (espécime bípede com direitos e obrigações). Mas eis a estória.

Certa manhã, um cidadão entrou no consultório de um cirurgião requerendo os serviços deste para uma cirurgia que precisava fazer.

- Quero fazer uma castração, doutor.

O médico esforçou-se até ao limite para o convencer a não tomar uma tal decisão de ânimo leve. No mínimo, que deveria envolver a ‘patroa’ no processo. Ficou combinado que deveria voltar ao médico uma semana mais tarde, acompanhado da esposa.

Findo o prazo, lá volta o cidadão ao consultório do médico, desta feita acompanhado pela esposa. Esta, inquirida pelo clínico, confirma a decisão do marido:

- Ele só faz o que quer. Quer ser castrado? Que seja feita a vontade dele.

Sem mais argumentos, o cirurgião agenda a cirurgia para a Sexta seguinte.

Porém, no dia a seguir à cirurgia, se desespera ao ver os outros senhores - que tinham também sido submetidos a intervenção cirúrgica, no mesmo dia e pelo mesmo cirurgião – jogando às cartas, alegres e fagueiros, enquanto ele estava sendo trespassado por dores terríveis. Receando que alguma coisa tivesse corrido mal com a operação, pede à enfermeira que chame o clínico. Ao ver o médico se aproximando dele, dispara logo a queixa que tinha entalada no gogó:

- Doutor, algo correu mal com a minha operação. Estou aqui morrendo com dores, enquanto os rapazes estão aí se divertindo.

- Pudera, meu caro – responde o médico. – O senhor fez uma castração, enquanto eles fizeram uma simples circuncisão.

- Mas era isso que eu queria fazer também, doutor – exclama o nosso amigo todo excitado.
- Tarde piaste, rapaz.

Veio-me esta estória à mente ao escutar o escarcéu que se está fazendo à volta do desejo do Presidente do MpD de ‘despartidarizar’ a Administração Pública.

O cidadão José Ulisses Correia e Silva quer a despartidarização da Administração Pública ou pretende que o ingresso, o acesso e as escolhas para os diferentes cargos e níveis da Administração Pública sejam feitos com base no mérito?

Despartidarizar, na versão do Presidente do MpD, quer dizer que quem chega aos altos cargos da Administração Pública, directa e indirecta, deixa a responsabilidade (o cargo) que detinha no partido. Mas isso não é despartidarizar. Até porque o cidadão é escolhido em função da sua história, do seu passado, no partido. Deixar o cargo partidário adiantaria o quê?

Por outro lado, acredito que qualquer cidadão vertical, consciente dos seus deveres e ciente das suas obrigações, daria o melhor de si para cumprir sua carta de missão, para respeitar seu estatuto de agente público. Político ou civil, não importa.

Mas, também, esperar que o Governo que entra deixe tudo como está para ver como fica, é um contrasenso.

Se os cargos-chave estavam todos ocupados com gente do partido que sustinha o Governo cessante, deixá-los todos nos cargos que detinham poderá ser considerado uma decisão no sentido da despartidarização? Despartidarização significa manter nos cargos activistas e dirigentes políticos do partido do Governo que se foi?

Mas, então, a solução seria fazer uma ‘exanguinotransfusão’ de quadros, que é como quem diz, substituir todos os agentes nomeados na vigência do Governo anterior por outros dos quadros de dirigentes, militantes, simpatizantes e amigos do novo partido do Governo? Estou em crer que não.

Como diria um amigo meu, que já se foi, nem oito nem oitenta, nem tanto ao mar nem tanto à terra. Há que encontrar um ponto de equilíbrio.

Se se deseja ter uma Administração Pública para o desenvolvimento, uma máquina afinada para enfrentar e levar de vencida os constrangimentos que nos afligem, imprescindível se torna recheá-la de bons agentes, de quadros com alta maturidade profissional - gente com alta motivação, alta competência técnica e elevado sentido de dever e espírito de responsabilidade.

Daqui resulta que, ou buscamos identificar tais perfis adentro da Nação cabo-verdiana (nas ilhas e na diáspora) olhando apenas para as suas competências, potencial e disponibilidade para se engajarem no processo em curso, ou vamos importá-los (do estrangeiro, lá de onde vem quase tudo o que consumimos). Que o processo de desenvolvimento não pode parar, de cada vez que haja uma alternância no poder.

E a saída só pode ser uma: UMA OPÇÃO INTELIGENTE PELO RECRUTAMENTO E PELA SELECÇÃO, COM BASE NO MÉRITO (aqui, sim, sem djobi pa ladu). Os melhores quadros do país - aqueles com melhores pergaminhos e curriculum vitae e maior maturidade profissional (não importando suas simpatias políticas, religiosas ou outras, legítimas).

Alguém já chamou isso de MERITOCRACIA. Não gosto lá muito do termo, mas soa melhor que DESPARTIDARIZAÇÃO. Até porque falar de despartidarização em um ambiente bipolarizado e em que nos pólos estão partidos de matriz tão distanciada, uma da outra, é sofisma. Da braba.

Se quisermos dar um nome aos bois, escolhamos um que se venda, que faça os bois se mexerem. Que com esta… nem os boys alinham.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 794 de 15 de Fevereiro de 2017

Cabo Verde. A CIMEIRA DOS AFETOS



120 milhões de euros para projectos de cooperação durante os próximos quatro anos, 12 instrumentos bilaterais estabelecidos, a inauguração da escola portuguesa de Cabo Verde e o reforço da intenção de promover a livre circulação dentro da CPLP, estes foram os resultados visíveis da IV Cimeira Cabo Verde Portugal que juntou, na cidade da Praia, cinco ministros cabo-verdianos e cinco ministros e três secretários de estado portugueses, além dos dois Primeiros-Ministros de cada país. A única incerteza que saiu deste encontro foi a solução para a dívida do Casa para Todos.

Não houve nenhum assumir de compromisso no tema político mais delicado desta IV Cimeira – a divida de 200 milhões de euros, resultante do projecto Casa para Todos – por parte do Primeiro-Ministro português António Costa. Sim, há uma proposta recente do Estado cabo-verdiano, que o Ministério das Finanças está a apreciar, e sim, há a certeza, disse o chefe do governo de Portugal, que será encontrada uma boa solução, “que satisfaça os interesses de todas as partes em relação a essa matéria”. Ou como repetiu, mais tarde, ao Expresso das Ilhas, “entre amigos, encontra-se sempre uma solução para os problemas”. “Está tudo em aberto”, disse Ulisses Correia e Silva, “há várias alternativas: desde a possibilidade de reestruturar o crédito, à possibilidade de aliviar o peso da dívida, há negociações em curso, o crédito começa a vencer a partir de 2021, portanto temos tempo para encontrarmos uma boa solução”.

No resto, esta IV Cimeira foi considerada “excelente” pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros cabo-verdiano Luís Filipe Tavares [ver entrevista]. Esta cimeira, instituída pelo Tratado de Amizade e Cooperação assinado entre os dois países em Lisboa, em 2010, tem como objectivo avaliar o estado das relações entre os dois países e propor medidas para a sua diversificação e dinamização, sobretudo no eixo cooperação.

Sob o tema: Crescimento Sustentável em Segurança, a Cimeira teve uma reunião plenária onde as duas delegações fizeram um balanço da implementação das decisões saídas da III cimeira e passaram em revista as relações políticas e de cooperação. Os chefes do governo reiteraram o seu compromisso para com os 17 objectivos de desenvolvimento sustentável, da agenda 2030, que a partir de agora deverão nortear os programas conjuntos de cooperação e manifestaram o desejo de reforçar o quadro de cooperação bilateral no domínio económico, nomeadamente em sectores de interesse mútuo, como o turismo, a economia marítima e a energia, bem como a segurança alimentar, a gestão da qualidade, a concorrência, o comércio e as actividades económicas.

“Queremos”, sublinhou o Primeiro-Ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, “nesta partilha das relações bilaterais e multilaterais em que Cabo Verde e Portugal estão envolvidos, nomeadamente com a União Europeia e com a CEDEAO, na CPLP, poder contar cada vez mais com esta boa relação, que ultrapassa o protocolo e que se torna fácil entre pessoas que se estimam, que têm uma relação de afectos”.

“O facto de assinarmos um novo Programa Estratégico para a Cooperação, que duplica a ajuda pública ao desenvolvimento, é um bom sinal de como as nossas relações se vão progressivamente estreitando”, disse o Primeiro-Ministro de Portugal, António Costa, “e em dois pilares essenciais: um na área de capacitação, com o acordo quadro na defesa, com um novo acordo de cooperação técnico policial, e com o acordo de apoio ao sector da justiça; mas um outro que tem a ver com a língua e com a educação, mas é uma cooperação que se concretiza também na dimensão multilateral, designadamente com o esforço que conjuntamente faremos para concretizar uma grande ambição que é fazer da CPLP um espaço de mobilidade aberta a todos os cidadãos dos países que têm o português como língua oficial – do Brasil a Timor-Leste – e nesse sentido tomaremos iniciativas conjuntas e trabalharemos em conjunto durante os próximos anos para a sua concretização”.

Estava dado o mote para um dos objectivos defendidos pelo Chefe do Governo de Portugal, e que o próprio apresentou na Cimeira da CPLP em Brasília [que decorreu entre os dias 31 de Outubro e 1 de Novembro de 2016]. Porquê, perguntou-lhe mais tarde o Expresso das Ilhas, “porque é fundamental para que os cidadãos percebam que a CPLP não é só uma coisa entre os políticos, ou que diga respeito às empresas, mas que diz respeito ao dia-a-dia de cada um”, disse António Costa, “e a forma de o fazer é as pessoas sentirem que quando chegam a um aeroporto de outro país da CPLP são recebidas de forma diferente, não como estrangeiros, mas como pessoas que são bem-vindas, bem acolhidas, que podem entrar, instalar-se, residir e trabalhar”.

“É um projecto, que me parece essencial para que os cidadãos possam ter liberdade de circulação”, continuou António Costa, “para que possam ter os seus direitos de assistência social, possam ver as suas habilitações académicas reconhecidas em todos os países e que as profissões reguladas, como a advocacia ou a medicina, possam ser reconhecidas reciprocamente”.

A proposta ainda tem de ser trabalhada tecnicamente, durante esta IV Cimeira foi já apresentado ao governo cabo-verdiano um primeiro documento de trabalho para que, em conjunto, possa ser depois mostrado aos outros países e assim fazer avançar este projecto, aproveitando o facto de Cabo Verde ser o próximo país a presidir à CPLP, no próximo ano.

Morna a património imaterial da humanidade

Nem só de política pura e dura se fez esta cimeira. Na Cidade Velha – único património da humanidade cabo-verdiano – e já depois de ter recebido das mãos do autarca Manuel de Pina as chaves da cidade e o diploma de cidadão honorário, António Costa assumiu a defesa da elevação da morna a património imaterial da humanidade.

Num discurso curto e bem disposto, o Primeiro-Ministro português recordou a importância dos valores culturais, principalmente numa cidade que, como lhe chamou o presidente da câmara Manuel de Pina, é o berço do novo mundo.

“Eu brinco sempre, mas a brincar se dizem as verdades”, sublinhou António Costa, com um pano di terra sobre os ombros, “que Cabo Verde é seguramente o país que tem maior musicalidade per capita em todo o mundo: porque todos os cabo-verdianos ou tocam, ou cantam, e não há nenhum que não dance. Esse é um grande sinal. E num momento em que em muitas zonas do mundo uns querem construir muros, outros querem fechar fronteiras, outros não querem mais comércio livre, outros têm atitudes xenófobas, não há como demonstrar que em cada terra há algo que nasce para o conjunto da humanidade”.

“A morna é ela própria uma canção de partida, de chegada, de viagem e de alguma forma essa candidatura da morna completa aquilo que é o valor da Cidade Velha. O que eu desejo é que tal como conseguimos com o fado, se não irmão, pelo menos primo da morna, que a morna seja tão depressa quanto possível reconhecida pela UNESCO como património imaterial da humanidade”.

Continuando no registo bem-humorado, o Primeiro-Ministro português disse estar igualmente “muito sensibilizado pelo título e a chave, que é difícil de caber no bolso. Não deixarei de a conservar, porque é sempre bom saber que há uma porta algures no Atlântico para abrir no caso de procurar nova habitação”.

Aquele terreno no Palmarejo

A inauguração da Escola Portuguesa de Cabo Verde, a funcionar no Palmarejo desde Novembro do ano passado, foi considerada pelo Primeiro-Ministro português como o momento simbólico mais importante desta passagem pelo arquipélago. “Porque para além do excelente trabalho de relacionamento político entre os governos, dos diferentes acordos que celebrámos entre nós, aquilo que marca sobretudo a relação entre Portugal e Cabo Verde é a relação entre as nossas comunidades. Essa relação assenta particularmente na partilha de uma língua comum que nos tem permitido desenvolver laços de amizade ao longo de muitos séculos e laços culturais muito profundos. E se há algo estruturante nesta relação é exactamente a educação e o ensino”.

Foi o culminar de um processo de anos, ou como recordou António Costa, de várias visitas feitas pelo então presidente da câmara da Praia Ulisses Correia e Silva ao então presidente da câmara de Lisboa António Costa onde era sempre referido o “terreno no Palmarejo” cedido a Portugal para que a escola fosse feita, obra que nunca mais começava. “Ouvi isto durante muitos anos. E no ano passado, quando fiz a minha primeira visita ao estrangeiro como Primeiro-Ministro, a Cabo Verde, o então Primeiro-Ministro disse-me: há ali um terreno no Palmarejo para fazerem a escola portuguesa e nunca mais a fazem. Vi assim que era um tema de consenso entre todos. Quando cheguei a Lisboa, disse ao ministro da educação que tínhamos um trabalho urgente a fazer, que era a escola portuguesa de Cabo Verde. Passados uns meses, o ministro diz-me: olhe, como temos a cimeira, quando formos lá vamos inaugurar a escola. Eu olhei para ele – apesar de dizerem que até sou optimista – e disse que não era possível. Ele disse que sim, já tinha directora, já tinha equipa, já tinha projecto, íamos arrancar com a escola e quando fosse a cimeira a escola estaria pronta para ser inaugurada. Tenho de reconhecer que quando não sou optimista erro, e por isso não acreditei que o que é impossível se torna possível”.

“A senhora embaixadora, desde que aterrei ontem [domingo], diz-me sempre dois números: dois milhões e três anos, e explica, são necessários 2 milhões nos próximos 3 anos para completar totalmente a escola portuguesa. Portanto senhor Primeiro-Ministro [dirigindo-se a Ulisses Correia e Silva], daqui por 3 anos temos de estar cá para inaugurar a segunda fase da escola portuguesa”.

“Para nós, educação é tudo”, respondeu o Chefe do Governo cabo-verdiano.

Foi o encerrar da IV Cimeira Cabo Verde – Portugal. A próxima terá lugar dentro de dois anos, em Portugal, em data e local a serem sugeridos pelas autoridades portuguesas.

A questão da nacionalidade

A alteração da lei da nacionalidade portuguesa é uma das reivindicações que tem sido feita pela comunidade cabo-verdiana em Portugal, mas segundo o Primeiro-Ministro António Costa o que está em causa é algum desconhecimento das regras. “A nossa lei da nacionalidade permite a que todos aqueles que nascem em Portugal, mesmo filhos de não portugueses, possam ter a nacionalidade portuguesa, desde que os pais residam em Portugal há pelo menos cinco anos, independentemente do seu estatuto, e permite também, mesmo que os pais não residam há cinco anos, vir a obter a nacionalidade se permanecerem em Portugal e concluírem o primeiro ciclo do ensino básico. Portanto, creio que o problema não é alteração da lei, há processos burocráticos que podem vir a ser agilizados, e o ministério da justiça está a trabalhar esse objectivo, agora o que eu creio que se tem verificado muitas vezes é que por desconhecimento dessa possibilidade não há um requerimento no momento do nascimento da criança para a obtenção da nacionalidade”.

Os instrumentos bilaterais saídos da IV Cimeira

Na IV Cimeira Portugal – Cabo Verde foram assinados um total de 12 instrumentos bilaterais, para além do Programa Estratégico de Cooperação, entre eles: um programa para apoiar a estrutura superior das Forças Armadas e o reforço da segurança e autoridade de Cabo Verde no mar; um protocolo para desenvolver competências técnicas e operacionais das forças e serviços de segurança de Cabo Verde; um protocolo para o desenvolvimento sistémico, organizacional e humano do sector da justiça; um protocolo que estabelece um projecto de co-financiamento para a reabilitação do antigo Liceu Gil Eanes, no Mindelo; um protocolo para recursos pedagógicos para o apoio aos processos de ensino e aprendizagem da língua portuguesa; um regulamento para facilitar o acesso ao ensino para a formação de jovens quadros em áreas prioritárias para o desenvolvimento de Cabo Verde (que define as regras de concessão de bolsas de estudo para a formação em Cabo Verde, no ensino secundário e superior, em áreas como a educação, saúde, economia e gestão, ciência e engenharia e ensino do português); e um protocolo de projectos em matéria de ambiente para a mitigação e adaptação às alterações climáticas.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 795 de 22 de Fevereiro de 2017

Portugal. FISCO & CONFISCO



Domingos de Andrade* – Jornal de Notícias, opinião

O caso das SMS trocadas ou não entre o ministro das Finanças e o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos é uma questão de ética. Não de estética. Já aqui se disse. O caso dos dez mil milhões colocados em paraísos fiscais sem aparecerem nas estatísticas é uma questão de Fisco. Falta saber se é de confisco. Aos contribuintes.

Mas ambos são uma questão política. Com trica ou sem trica.

Sobre o primeiro estamos conversados. Não há mensagens privadas em assuntos de Estado. E o esclarecimento do que ficou entendido como "erro de perceção mútuo" entre Centeno e António Domingues é essencial para a normalização da moral social. Goste-se ou não.

Como é fundamental que uma Comissão Parlamentar de Inquérito, com poderes semelhantes aos de uma investigação judicial, possa ter acesso a toda a informação disponível, neste caso da Caixa Geral de Depósitos. A não ser assim, para que servem as ditas? O Tribunal da Relação, ontem mesmo, manteve a decisão de levantar o sigilo bancário de parte de documentos, o que obriga CGD, Banco de Portugal e CMVM a fornecer, entre outras, a lista dos principais créditos com imparidades. Parece que se está a baralhar tudo. Mas não. O que falta é esclarecimento. Sobre tudo. E sobretudo.

É trica política saber quem deve o quê quando o banco público está num processo de recapitalização de cinco mil milhões de euros?

Sobra o segundo caso. O dos dez mil milhões em paraísos fiscais. Que ajudam o Governo atual a passar para o Governo passado um peso que lhe cabe. E lá se foram as SMS para o lote do esquecimento.

Vamos a factos. Um despacho do tempo de Sócrates obriga a publicitar o dinheiro colocado em offshores. A chegada da troika e do Governo PSD/CDS deixa esses números no domínio do oculto. No ano passado, o Governo de Costa publica-os. Faltam lá uns milhões. Que se escrutinam mais tarde. Os gráficos mostram uma descida da transferência de dinheiro até 2015. E um súbito aumento em ano de eleições.

O Governo PS atira aos pobres e mira Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que, por missão ou omissão, permitiu que os dados das transferências não fossem divulgados. Como foi possível isto acontecer num período de grandes dificuldades para os portugueses e em que a penhora dos contribuintes andava à cata dos cêntimos?

Mais perguntas e mais relevantes. Os dez mil milhões, comunicados pela Banca à Autoridade Tributária, pagaram impostos? E se houve fuga, o que fez entretanto o Fisco para cobrar o incobrado? Estamos a falar de que empresas ou contribuintes individuais? Se foi legal, esta maioria vai legislar para impedir doravante a livre circulação de capitais? É trica política ou chicana financeira?

Alguém responde com clareza?

*Diretor-executivo

Portugal. OFFSHORES E “POLÍTICAS DE JUSTIÇA”, DUAS COMPLETAS MISTIFICAÇÕES



De súbito, e há uns 2 dias atrás, falou-se muito quer dos dinheiros saídos nos últimos anos para os offshores, quer das chamadas “Políticas de Justiça” dos últimos 40 anos. Mas, uma vez mais, de forma completamente mistificatória da realidade.

António Garcia Pereira – Jornal Tornado, opinião

Com efeito, quanto aos offshores, trata-se de algo que era já muito conhecido, de que apenas alguns ousavam falar mas a que praticamente ninguém, a começar pela Comunicação Social dita de referência, queria dar qualquer atenção: é que entre 2010 e 2015 os ricos e poderosos deste País puderam fazer tranquilamente sair para os chamados paraísos fiscais mais de 28,9 mil milhões, 10 mil milhões dos quais entre 2011 e 2014 sem qualquer declaração ao fisco e, logo, sem qualquer tributação.

Ou seja, o mesmo Estado (e o mesmo Fisco) que nesse período cortaram salários, subsídios e pensões, complementos de reforma a trabalhadores no final das respectivas vidas, subsídios de desemprego e de doença, bem como abonos de família, rendimentos sociais de inserção e complementos solidários para idosos, e que perseguiram implacavelmente os pequenos devedores com penhoras de salários e de casas de habitação, o único imposto que baixaram foi o incidente sobre os rendimentos do capital (IRC) e, mais que tudo isso, deixaram escapar à tributação aquele astronómico valor.

Para se ter uma ideia da dimensão da fraude e da aldrabice bastará dizer que, por exemplo, em 2014, o valor dessas operações chamadas de “transfronteiras”, em vez dos 374 milhões de euros oficialmente declarados, foi afinal de 2.806 milhões, ou seja, 10 vezes mais!

E os indivíduos responsáveis por tudo isto – e que são fundamentalmente os mesmos que destruíram os Estaleiros Navais de Viana do Castelo e lançaram no desemprego centenas e centenas de trabalhadores, que venderam a TAP ao desbarato e a liquidaram como instrumento estratégico de desenvolvimento do País, que possibilitaram e levaram à liquidação da PT, aos buracos financeiros do BPN, do BES, do BCP e do Banif, ao mesmo tempo que os seus administradores e principais accionistas enchiam os bolsos de milhões e os encaminhavam para as tais offshores – passeiam-se e pavoneiam-se impunemente por aí.

E, no fim de tudo isto, é apenas em 2017 – quando já prescreveu o prazo da liquidação da grande maioria dos impostos que, ainda assim, seriam devidos – é que se vem “descobrir” que o esquema seguido em Portugal pelo Estado e pela sua máquina fiscal é a de perseguir e triturar os alvos fáceis, a começar pelos trabalhadores por conta de outrém, do sector público e do sector privado, e dos pequenos contribuintes e deixar escapulir, como água por entre os dedos, as grandes fortunas e os produtos dos grandes golpes e das grandes negociatas?!

Entretanto, e já falando da Justiça, temos por exemplo um Tribunal Constitucional que em 2014 (através do seu famigerado acórdão nº 413/2014, aprovado por 7 votos contra 6) considerou perfeitamente constitucional o já referido confisco dos complementos de reforma dos reformados do Metro, consagrados há décadas na respectiva contratação colectiva e que constituíram um dos argumentos para persuadir ou mesmo constranger tais trabalhadores a irem para a reforma com penalizações mais ou menos elevadas, mas já quando se tratou das subvenções vitalícias dos políticos logo se apressou a consagrar, pelo seu acórdão nº 3/2016, que a sua retirada feriria de forma intolerável o princípio da confiança dos cidadãos!…

E é mesmo absolutamente espantoso – tão espantoso quanto inadmissível… – que no agora divulgado estudo “40 anos de Políticas de Justiça em Portugal” (coordenado entre outros pela ex-Ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues e pelo defensor das teses, já por mim aqui referidas, da análise económica do Direito, Nuno Garoupa), pelos vistos, se escamoteie a completa inacessibilidade à Justiça por parte do cidadão como consequência de um regime de custas processuais escandalosamente caro, que apenas podem ser pagas pelos ricos e de que apenas são dispensados os totalmente indigentes.

Que se escamoteie assim que a cada um dos tais trabalhadores reformados do Metro que queira reaver as prestações dos seus complementos de reforma, e se estas no seu total forem, por exemplo, de 31.000€, tenha de pagar não apenas uma taxa de Justiça inicial de 612€ como outras tantas taxas de igual valor todas as vezes que houver a necessidade de apresentação (ou de resposta) de um incidente, de uma reclamação ou de um recurso.

E que corra ainda o risco de, se o processo após 3 instâncias (Tribunal do Trabalho, Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça) e outras tantas taxas de Justiça, e se ele recorrer para o Tribunal Constitucional e este não lhe der razão, ter de pagar mais 20 unidades de conta de 102€ cada, ou seja, 2.040€.

O que tudo pode significar que para o mesmo reformado, e com o chamado regime de “custas de parte” (suportando as suas taxas, as da parte contrária e metade do total), se não vir judicialmente reconhecida a razão que lhe assiste, poderá, ainda por cima, ter de pagar cerca de 8.000€ de custas no total?

E como é possível que no mesmo estudo se passe igualmente por cima quer do total bloqueamento de Tribunais como os Administrativos e os do Comércio com completa aniquilação prática dos direitos dos cidadãos (desde beneficiários da Segurança Social por esta maltratados a trabalhadores de empresas insolventes com salários em atraso), quer do mecanismo completamente arbitrário, insindicado e perigoso em que se transformou o processo penal em Portugal?

Referem os autores do dito “estudo” que, por exemplo, agora não há Tribunais especiais, como era o caso dos tristemente célebres Tribunais Plenários de antes do 25 de Abril que julgavam os presos políticos.

É verdade. Mas certo é que temos hoje o princípio constitucional do Juiz natural (que impõe que não possa haver nem Tribunais especiais, nem atribuições de processo específico a este ou àquele juiz) a ser violentado todos os dias com os poderes que o Conselho Superior da Magistratura e os Presidentes dos Tribunais se arrogam ter para afectar certos processos a certos e determinados juízes.

Não temos também, é certo, a tortura praticada livremente pela PIDE durante os 6 meses de prisão sem culpa formada que a lei admitia. Mas temos hoje a possibilidade legal de um cidadão estar preso durante 12 meses sem que contra ele seja deduzida qualquer acusação.

Não temos a censura oficial do lápis azul do fascismo mas temos o princípio constitucional da presunção de inocência a ser liquidado todos os dias com tão cirúrgicas como sempre impunes violações do segredo de Justiça e o julgamento e sentenciamento de arguidos em praça pública sem qualquer direito de defesa efectiva.

Temos, em suma, um órgão de soberania (os Tribunais) cujos titulares (os juízes) cada vez têm menos de fundamentar as respectivas decisões e o chamado duplo grau de jurisdição (a existência de recurso para um Tribunal Superior) é cada vez mais inexistente (chegando-se ao ponto de, nos termos do artº 663º, nº 5 do Código de Processo Civil, os juízes do Tribunal da Relação se poderem limitar a remeter para anteriores acórdãos, juntando cópia dos mesmos e não procedendo a qualquer análise das questões e problemas, de facto e de direito, que lhes são colocados).

Como temos o Povo, em nome de quem exercem poderes soberanos, que não faz a menor ideia e muito menos tem qualquer poder de intervenção no modo como são formados e como são avaliados (para mais, quando hoje a tendência largamente dominante é para, em nome da “eficiência”, os medir pela estatística dos processos “aviados”) os mesmos juízes.

Porventura o único ponto em que o estudo acerta no alvo é naquele em que se refere explicitamente que “o poder judicial é também político e aos seus agentes não foi conferida qualquer bênção que os coloque acima dos demais cidadãos”.

Mas não retirar daí as conclusões e medidas necessárias para que a Justiça seja de facto aquilo que ela deve ser – um direito constitucional fundamental de todos os cidadãos – é de todo inconsequente.

E tais medidas têm de passar pela drástica diminuição das custas judiciais e pela gratuitidade da jurisdição laboral, pelo fim do regime de custas específico do Tribunal Constitucional, pela fiscalização do funcionamento do Centro de Estudos Judiciários e pela constituição dos Conselhos das Magistraturas formados por cidadãos comuns, idóneos e independentes, pela fiscalização jurisdicional de todos os actos do Ministério Público, mesmo na fase do inquérito, e pelo respeito escrupuloso dos princípios estruturantes de um sistema judicial digno de um Estado de Direito (a fundamentação real de todas as decisões, o efectivo duplo grau de jurisdição, a publicidade das audiências, o princípio do juiz natural).

Porém, disso já os “especialistas” não querem saber…

Mas os cidadãos podem, e devem, querer!

Portugal. A AFRONTA DE NOS TOMAREM POR PARVOS



O secretário de Estado quer-nos convencer de algo muito mais grave: é de que não deu por ela que lhe faltavam os números do dinheiro que ia para os offshores.

José Pacheco Pereira – Público, opinião

A mentira, seja sob forma directa ou rebuscada, em matérias públicas é inaceitável. Sobre isso não vale a pena dizer mais nada. Os governantes não tem obrigação de dizer a verdade — sim, há razões de Estado que podem implicar a mentira — mas nenhuma cobre os casos recentes. Mentir pode ser legítimo, por exemplo, para esconder, até ao momento do seu anúncio, uma desvalorização da moeda, ou quando está em curso uma qualquer operação com riscos para as pessoas ou para o Estado, sensível à revelação irresponsável da verdade. São excepções, mesmo muito excepcionais, e precisam de ser muito explicadas a posteriori, quando finalmente se pode saber a verdade sem custos. Há matérias delicadas cobertas pelo segredo do Estado que justificam que um governante, quando interrogado directamente, tenha que mentir. Não deixa de ser mentira no momento em que é proferida, mas trata-se de uma mentira instrumental, destinada a proteger um bem maior. É um estatuto que pode ser alvo de abuso, e é-o muitas vezes, mas os limites éticos do dilema verdade/mentira não se aplicam neste tipo de “sombras”.

Mas não é, de todo, o caso da história dos SMS, nem do misterioso caso das estatísticas dos offshores, que nada justifica serem cobertos por qualquer “manto diáfano” de mentiras, meias-mentiras, sugestão de mentiras e omissões da verdade. A cabeça de um ministro ou a honra de há muito perdida de um ex-governo estão em causa? Não mentissem, nem nos enganassem. Mas, dito isto, também é preciso ter muito cuidado, para que a mediatização medíocre das redes sociais e de alguma imprensa não confunda questões sérias com outras de menor gravidade. E o caso Centeno e os milhões dos offshores não são comparáveis em importância, sendo que toda a gente já percebeu o que se passou no primeiro caso, e ainda muito pouco se percebeu do segundo.

O que sabemos sobre o dinheiro saído para os offshores durante a governação PSD-CDS? Sabemos que foi muito, muitos milhares de milhões de euros, de que os dez mil milhões de que se fala agora são apenas uma parte. Sabemos que uma parte saiu legalmente e também sabemos, por vários processos em curso, que outra parte saiu ilegalmente. Vamos deixar para já a parte ilegal, de dinheiro de pagamento de subornos, de corrupção, de negócios à margem da lei, e vamos apenas falar do que saiu legalmente, e nessa parte podemos apenas ficar-nos por esta magra fatia de dez milhares de milhões que não foram devidamente incluídos nas estatísticas e sobre os quais não sabemos ainda até que ponto os procedimentos de verificação habituais pelo fisco se realizaram, ou seja, se são resultado de actividades legais sem mácula fiscal. Por que é que isso aconteceu e o que é que isso significa?

Vamos seguir a mais benévola das hipóteses, de que tudo estava legal, e que apenas não se fez o registo estatístico. Comecemos por um ponto prévio que é verdade para todas as histórias que envolvem offshores. Já ouvi dezenas de explicações esforçadas para justificar por que razão as pessoas e as empresas colocam o dinheiro nos offshores, desde a fuga ao conhecimento do património nos divórcios milionários até à protecção de património face a credores, aos pagamentos a jogadores de futebol, passando pelas necessidades de pagamentos no comércio internacional. Tudo é coberto por dois mantos: um é de que se trata de processos legais, por isso incontestáveis pela crítica; o outro é que, havendo paraísos fiscais em qualquer outra parte exótica do mundo, não é possível acabar com eles em qualquer outro sítio. Mas isso não implica que se considere normal o uso de offshores e, numa sociedade em que os governantes se indignam com os direitos “adquiridos” dos mais fracos, tenham uma soberana indiferença face a práticas dos mais ricos que roçam a ilegalidade e que prejudicam, e não pouco, a riqueza do país. E quando isto se passa em tempos em que os governantes fazem um discurso de austeridade contra os que não podem fugir aos impostos e aos cortes, e são indiferentes às práticas dos mais ricos de tirar dinheiro, riqueza, do seu país, revolta. Este é o pano de fundo em que podemos discutir esta questão, e aplica-se como uma luva ao Governo PSD-CDS, onde o ataque aos mais fracos foi a regra, e a complacência com os mais poderosos foi também a regra.

No fundo, no fundo, o núcleo duro de ideias sobre a sociedade e a economia do Governo Passos-Portas foi que a recuperação do país passava pelo aumento da riqueza dos mais ricos, que traria por arrasto uma melhoria das condições de vida dos mais pobres. Era em cima que deveria haver “liberdade”, enquanto em baixo deveria haver “ajustamento” e cortes, até porque os de baixo já estavam mais acima do que deviam e tinham que ser postos na ordem e devolvidos “às suas posses habituais”. Da legislação laboral ao “ajustamento”, este era o programa. Dêem as voltas que derem, esta era a concepção e ainda o é, como se vê na questão do salário mínimo. Qualquer ideia, aliás na base do ideário social-democrata, de que o Estado deveria garantir um equilíbrio social, era e é tida como uma violação das regras da “economia”, com os de baixo a quererem mais do que a “economia” lhes pode dar. Em cima, não há essas restrições e, por isso, a indiferença face ao que acontece com os offshores é completamente natural.

Este é, insisto, o pano de fundo da interpretação mais benévola da falta de dados sobre os offshores: que saíssem dezenas de milhares de euros do país, não interessava aos governantes porque não estava no centro das suas preocupações, como estava cortar reformas e salários e levar o fisco até aos cabeleireiros e aos biscates. Tratava-se de uma prática normal da “economia”. Mas se esta é a interpretação mais benévola, não é a mais sensata, como se vê pelas explicações atabalhoadas que governantes do tempo do PSD-CDS têm vindo a dar sobre o que aconteceu. E aqui é que, como no caso de Centeno, entendo que é uma afronta para os portugueses tomá-los por parvos, só que neste caso num assunto muito mais grave.

Desde Passos Coelho, furioso e malcriado na Assembleia, até ao passa-culpas do anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio, até ao silêncio da ex-ministra das Finanças que acha que não é nada com ela, todos estão a tomar-nos por parvos. Afinal, a culpa foi dos serviços que não fizeram a estatística devida, ou dos procedimentos informáticos, que, pelos vistos, foram modernizados só para um dos lados do escalão de rendimentos, mas que parecem funcionar muito mal no topo dos rendimentos, porque, tanto quanto eu saiba, não foram os funcionários públicos, nem os reformados, nem os empregados do comércio, nem os operários, nem os enfermeiros, nem os polícias, que colocaram o dinheiro em offshores. Aliás, já não é a primeira vez que este tipo de implausibilidades acontecem nas finanças do Governo PSD-CDS, como foi o caso da “lista VIP”, já muito esquecido.

Mas há pior: o secretário de Estado quer-nos convencer de algo muito mais grave: é de que não deu por ela que lhe faltavam os números do dinheiro que ia para os offshores. Das duas, uma: ou foi grossa negligência, ou preferiu olhar para o lado, visto que os números eram incómodos para o Governo. Mas, mesmo que seja assim, de novo a mera sensatez obriga-nos a considerar como absolutamente implausível que ele, responsável pelo fisco, nunca se tenha perguntado, mesmo numa conversa casual: “Olhe lá, senhor director-geral, quanto dinheiro está a sair do país para os offshores?”. E Passos e a ministra também nunca sentiram sequer curiosidade sobre esse aspecto crucial da nossa economia, para verificarem que, afinal, não havia a estatística?

Presumir que tenha sido assim é tomar-nos por parvos, insisto. E eu não gosto.

O SEQUESTRO DA CONFERÊNCIA SOBRE SEGURANÇA DE MUNIQUE



O jantar de Gala da Conferência (18 de Fevereiro de 2017, 23h)
Thierry Meyssan*

A História atesta-o : cada vez que um Sistema se afunda, os seus dirigentes só se dão conta quando são arrastados pela tempestade. Assim, os responsáveis políticos da União Europeia, reunidos anualmente como é habitual, em Munique, para a sua conferência sobre Segurança, ficaram chocados por ouvir Sergey Lavrov evocar uma ordem mundial post-Ocidental. Ora, o mundo desmorona-se sob os seus pés: os Povos árabes resistem desesperadamente às guerras e às falsas revoluções, enquanto o Povo norte-americano elegeu um anti-imperialista para a Casa Branca. Mas, os organizadores não têm cura: eles defenderam os interesses do Estado Profundo USA contra a Administração Trump.

A Conferência de Munique sobre a Segurança realizou-se de 16 a 19 de Fevereiro [1]. Como nos anos anteriores, ela reuniu mais de 500 ministros e deputados europeus, assim como convidados estrangeiros. Trata-se do mais importante encontro internacional em matéria de Política externa e de Defesa europeia.

Há já dez anos atrás, em 2007, Vladimir Putin lá gerara polémica, sublinhando que o interesse dos Europeus não era o de seguir o Pentágono nas suas aventuras militares, mas de se comportar de maneira independente [2]. E, lembrava que o seu país, a Rússia, é também um Estado europeu, mesmo se está fora da União Europeia. Os participantes riram-se dele e das suas pretensões. Eles haviam-se, unanimemente, alinhado sob as saias da OTAN.

Desta vez é Sergey Lavrov quem levanta comoção, ao nela apelar para uma ordem mundial póst-Ocidental. Forçoso é constatar que a OTAN perdeu a sua superioridade em matéria de guerra convencional —mesmo se ela mantém a vantagem no que diz respeito a armas nucleares—. Forçoso é constatar que, após 15 anos de guerra ininterrupta no «Médio-Oriente Alargado», a miragem de uma remodelagem regional feita com micro-Estados de menos de 10 milhões de habitantes e a fantasia de uma erradicação dos regimes laicos, em proveito de uma ditadura dos Irmãos Muçulmanos, falharam.

De uma forma desconcertante, os Europeus persistem em prosseguir este objectivo, que lhes tinha sido imposto por Washington, mas que o Povo norte-americano e o seu Presidente Donald Trump não querem mais. Assim, eles apoiam-se no Estado profundo norte-americano (ou seja, o Governo de Continuidade de Raven Rock Mountain, que organizou os atentados do 11-de-Setembro). Os seus dirigentes políticos não param de denunciar, preventivamente, os supostos racismo e islamofobia de Donald Trump, eles, os mesmos, que aplaudiam quando George W. W. Bush e Barack Obama matavam mais de 3 milhões de pessoas. A sua imprensa não pára de insultar Donald Trump que apresenta como um lunático incapaz [3].

Horrorizados pelas declarações de Donald Trump, segundo quem a OTAN está «obsoleta», eles ficaram, pois, tranquilizados pelas declarações dos seus enviados que lhes disseram, no entanto, a mesma coisa : a OTAN, na sua forma actual, não tem mais razão de ser ; é preciso transformá-la numa aliança defensiva e, se quiserem fazer parte dela, terão de consagrar-lhe 2 % do vosso orçamento de Defesa.

Obcecados pelo seu delírio imperialista, os Europeus estavam assustados por um possível abandono dos seus investimentos anti-Russos na Ucrânia e na Síria. Aqui novamente, eles foram tranquilizados por declarações vagas a gosto do cliente. Os ministros de Trump reiteraram-lhes que na Ucrânia não cederiam nenhum interesse vital dos E.U. e que iriam continuar a procurar uma «solução política na Síria». Então porque é que os Europeus entenderam que o Povo norte-americano tem interesses vitais nas margens do Dnipro, e que uma «solução política na Síria» significa a substituição da República pelos Irmãos Muçulmanos? Simplesmente porque foi o que a administração Obama lhes tinha apontado. A mesma que foi repudiada pelo Povo norte-americano.

Está claro que todos observam a prova de força, à qual se entregam por um lado, a Administração Trump, e do outro o «Governo de Continuidade dos E.U.». A terra tremeu no preciso momento em que Donald Trump excluiu a CIA e o Estado-Maior Conjunto do Conselho de Segurança Nacional [4]. Todos puderam observar o modo como, em represália, a CIA recusou a acreditação de Segurança a seis conselheiros do Presidente, acusou o Conselheiro de Segurança Nacional de ser um espia russo, e o forçou à demissão, e como ela perseguiu quatro outros funcionários da equipe presidencial. Mas, perder algumas batalhas não significa perder a guerra, e é desolador que os Europeus —escravizados há tanto tempo— não tenham consciência disso. Como se pode crer que Donald Trump poderia varrer em poucos dias um «Estado Profundo» tão poderoso? E, como se pode imaginar que os seus primeiros tropeções o vão fazer renunciar ? [5]

No decurso dos últimos anos, esta Conferência sobre a Segurança foi um meio para a Alemanha servir de traço de união entre os Estados Unidos e os seus parceiros Europeus. Este ano, ela não teve por único objectivo senão forçar os dirigentes europeus a confirmar a sua vassalagem ao Estado Profundo dos EU, sem levar em conta nem a vontade expressa pelo Povo norte-americano, nem a mudança na Casa Branca.

Um documento preparatório, elaborado pelos organizadores alemães da Conferência, foi remetido aos participantes. A imprensa evitou ao máximo falar dele. Nele pode ler-se um artigo de Volker Perthes, o autor do Plano Feltman de capitulação total e incondicional da República Árabe Síria [6]. Este eminente «especialista» expressa aí a sua visão do «Médio-Oriente Alargado», ou melhor a visão do «Governo de Continuidade dos E.U.» [7].

- 1. [Mesmo se não conseguimos remodelar,] esta região não irá sair imune das guerras e da «Primavera Árabe». [Nós não teríamos feito tudo isto para nada] 

- 2. O conflito entre a Arábia Saudita e o Irão transformou-se num conflito sectário sunitas/xiitas [que mascara as nossas ambições geo-políticas]. 

- 3. Enquanto todos são engolidos por este falso conflito religioso, ninguém se interessa pela situação dos Palestinos [em benefício da maior tranquilidade do Estado colonial israelita]. 

- 4. Enquanto os europeus estão unanimemente cansados destes rios de sangue longe de casa e desejam, por fim, o triunfo da Confraria dos Irmãos Muçulmanos, ninguém no Médio-Oriente Alargado se declara no entanto vencido. 

- 5. Durante a guerra na Síria, não pararam de se fazer e desfazer as alianças no plano regional, a última das quais sendo a que junta a Rússia, a Turquia e o Irão(Irã-br), que não deverá [felizmente] durar muito mais que as outras. 

- 6. A Síria e o Iraque só derrotarão o terrorismo e só irão encontrar a paz através de governo inclusivos [isto é, só aceitando introduzir a Al-Caida e o Daesh (E.I.) nos seus governos] 

- 7. Tudo isso só poderá acabar, para o conjunto das populações do Médio-Oriente Alargado, através de uma grande conferência internacional no decurso da qual os Ocidentais irão determinar o seu futuro, tal como no Congresso de Viena (1814) a Quádrupla Aliança decidiu a sorte do resto do mundo.

Como vemos, decididamente nem face ao voto do Povo norte-americano, nem face à Resistência dos Povos Árabes, os dirigentes Europeus mudam. Apenas os Povos Europeus os podem corrigir, despachando-os.

Thierry Meyssan* – Voltaire.net - Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[2] “O carácter indivisível e universal da segurança global”, Vladimir Putin, Tradução Resistir.info, Rede Voltaire, 11 de Fevereiro de 2007.
[3] “Contra Donald Trump : a propaganda de guerra”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 8 de Fevereiro de 2017.
[4] “Presidential Memorandum : Organization of the National Security Council and the Homeland Security Council” («Memorando Presidencial : Organização do Conslho Nacional de Segurança e do Conselho de Segurança da Pátria»- ndT), Donald Trump, Voltaire Network, 28 January 2017.
[5] « L’Otan suspend ses opérations en Syrie », Réseau Voltaire, 16 février 2017.
[6] “A Alemanha e a ONU contra a Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 28 de Janeiro de 2016.
[7] «No order, no hegemon. The Middle East in flux» («Sem ordem,não há hegemonia. O Médio-Oriente na voragem»- ndT), Volker Perthes, Security Challenges (Germany), Voltaire Network, February 16,2017.

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