quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Portugal | FRONTEIRA LARANJA

Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

A contenção do surto de emigração que sangrou o país durante os anos de governo de Passos Coelho muito deve a uma desgraça que - por felicidade - não cumpriu o seu destino. Portugal conseguiu evitar, à custa da inaptidão de António José Seguro e da teimosia de Passos Coelho, que fôssemos forçados a emigrar para, enquanto portugueses, sobrevivermos a um país que convivesse, em simultâneo, com Cavaco Silva como presidente e com Rui Rio como primeiro-ministro. A convivência siamesa numa casa portuguesa não fez rima. Agora, vivemos no lugar dos afectos e nada se compara ou (con)gemina.

Essa aterradora marca geracional, em tempos condenada a abater-se sobre o país pela coexistência de almas cinza-geminadas nos mais altos cargos de responsabilidade da nação, perdeu-se no prazo de validade política de Cavaco e na geometria eleitoral de Rui Rio que, a regra e esquadro, foi traçando as suas janelas de oportunidade. Fechando-as em copas, Rio diminuiu o trânsito nas fronteiras. Infelizmente, foi apenas uma prova de abstinência. Daí a que o PSD se centrasse no essencial ainda iria uma grande distância, feito não alcançável pela amostragem de identidade comum ou passaporte. Dentro das suas fronteiras, o melhor que o PSD conseguiu apresentar à sucessão de Passos Coelho foi Santana Lopes ou Rui Rio. E isso é revelador.

O momento de vida no PSD esteve bem patente no debate entre os candidatos à liderança. É perturbador como nem Santana nem Rio conseguiram erguer uma só ideia diferenciadora, uma percepção de oposição construtiva ou visão alternativa de governo. Falaram para dentro do partido e projectaram a sua própria imagem. Santana Lopes, reflexo da apropriação do partido pelo liberalismo e pelo arco de poder interno que - se contenção houvesse - não lhe permitiria soletrar PPD sem corar de vergonha. Rui Rio, acto diferido de si mesmo, limitado aos seus limites, projecção exacta de alguém que dispensaria o debate, suspenderia o jornalismo e faria o poder por si próprio. Um, o que vai a jogo sempre que pode, acusado de querer fazer um partido contra o PSD; outro, que nunca quis ir a jogo e que até parece fazer parte de um partido à parte. Ideias para o país, zero. Se o PSD se esgota internamente neste tipo de debate, imagine-se o que terá para entregar a Portugal.

As linhas vermelhas mudaram de cor e são pisadas a laranja. Novas fronteiras. Defender que Santana Lopes ganhou o debate a Rui Rio é o mesmo que dizer que Donald Trump ganhou os debates a Hillary Clinton enquanto lhe fazia bullying e distribuía sevícias. Não, Santana perdeu este debate e expôs crua e publicamente o "seu" PSD. Dizia-se de Trump que seria presidente nem que para isso tivesse de destruir o Partido Republicano. Se melhor não conseguir, eis uma boa tarefa para Rui Rio que a social-democracia agradeceria.

*Músico e jurista

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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