quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

CPLP: Porquê o silêncio sobre alguns Estados-membros?


Organização lusófona é uma das poucas que não se pronunciou sobre o impasse político guineense e as violações de direitos humanos pelo regime de Malabo. Especialistas ouvidos pela DW África analisam a situação.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) precisa adotar um mecanismo de concertação de posições mais célere face a situações de crise em alguns dos seus Estados membros. A proposta, em fase de reflexão a nível interno, é da secretária-executiva da organização, Maria do Carmo Silveira, que no último fim de semana disse, em entrevista à agência Lusa, "sentir-se incomodada" com o "silêncio assustador" da CPLP quanto à crise política na Guiné-Bissau e outras questões importantes da instituição.

As opiniões ouvidas pela DW África corroboram com as recentes críticas feitas, em Lisboa, pelo primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, segundo as quais a CPLP podia "ser mais interventiva”, nomeadamente em relação às questões ou conflitos internos dos Estados-membros.

"Muito pouco se faz no plano da concertação política no seio da CPLP", afirma Hélder Gomes, mestre em Estudos Internacionais pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (IUL), a propósito da posição pouco acutilante da organização lusófona em relação ao longo período de crise política por que passa a Guiné-Bissau, considerado um Estado falhado.

Reforma institucional

"Ao contrário de congéneres como a Commonwealth ou a Francofonia, a CPLP não tem a figura de suspensão ou de até expulsão dos Estados-membros. Tem isso aplicado apenas a observadores. Eu acho que a CPLP deveria ter uma posição mais contundente e deveria focar-se eventualmente numa alteração profunda e efetiva dos [seus] estatutos", propõe o especialista.

Hélder Gomes acrescenta que "há um primado dos direitos humanos" que deveria ser respeitado pela organização. "Não se poderia aceitar que as atrocidades que estão a ser cometidas na Guiné-Bissau e que foram motivo para as sanções da CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental] e também a questão da abolição da pena de morte na Guiné Equatorial, não faz sentido que a CPLP, ela própria, não intervenha nesses casos".

"CPLP está a acompanhar a crise guineense"

Embora tardiamente, Hélder Gomes saúda a posição mais contundente agora assumida pela secretária-executiva da CPLP, Maria do Carmo Silveira, "que se tem pautado por uma certa inoperância, lentidão e timidez", por se sentir "esvaziada de poderes efetivos", afetada também, acrescenta, por "ausência de uma autoridade central".

A executiva são-tomense disse à DW África que a instituição, apesar da sua pouca visibilidade, está preocupada com o prolongamento do conflito por muito tempo "e cada vez [com] novos episódios que vêm complicar a situação".

Segundo Maria do Carmo Silveira, "é verdade que no terreno estão outras organizações, nomeadamente a CEDEAO, que tem tido uma intervenção muito mais ativa nesse processo, mas a CPLP também está a acompanhar e, enfim, nós acreditamos que a saída para a crise deve passar pelo respeito do acordo assinado em Conacri".

Assuntos internos de cada Estado

Então, o que explica este silêncio sobre questões tão importantes para a comunidade, nomeadamente a crise política na Guiné-Bissau ou a situação de violação dos direitos humanos na Guiné Equatorial? Nas declarações que faz aos jornalistas, Maria do Carmo tem mantido uma certa prudência quando solicitada a pronunciar-se sobre tal posicionamento, baseando-se no princípio de não ingerência nos assuntos internos de cada Estado-membro, conforme rezam os estatutos.

"Por isso, a CPLP tem estado a adotar um posicionamento muito prudente relativamente a estas questões, mas naturalmente acompanhando de perto e estando disponível para poder apoiar na busca de consensos internos que possam levar à resolução da situação, particularmente a situação na Guiné-Bissau".

Dias antes, em Lisboa, o primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, advertiu que os países lusófonos não estão a fazer um "bom uso" da CPLP, devido às suas agendas internas, e avisou que a organização pode deixar de ter interesse nos próximos anos.

Para o escritor e jornalista guineense, Tony Tcheka, no caso guineense, a CPLP "esteve mal e continua a posicionar-se pessimamente". Ele acrescenta que, mesmo havendo falta de mecanismos legais para participar nos esforços com vista a uma solução da crise guineense, a CPLP não deve nem pode andar a reboque.

Para o analista, "depois de tantos anos de existência [da organização], justificar a sua ausência sistemática nos palcos onde os conflitos são tratados é de bradar aos céus". Tcheka lamenta que "ninguém compreende certos posicionamentos pautados por um silêncio ensurdecedor".

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

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