Organização lusófona é uma das
poucas que não se pronunciou sobre o impasse político guineense e as violações
de direitos humanos pelo regime de Malabo. Especialistas ouvidos pela DW África
analisam a situação.
A Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP) precisa adotar um mecanismo de concertação de posições mais
célere face a situações de crise em alguns dos seus Estados membros. A
proposta, em fase de reflexão a nível interno, é da secretária-executiva da
organização, Maria do Carmo Silveira, que no último fim de semana disse, em
entrevista à agência Lusa, "sentir-se incomodada" com o "silêncio
assustador" da CPLP quanto à crise
política na Guiné-Bissau e outras questões importantes da instituição.
As opiniões ouvidas pela DW
África corroboram com as recentes críticas feitas, em Lisboa, pelo
primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, segundo as quais a CPLP podia
"ser mais interventiva”, nomeadamente em relação às questões ou conflitos
internos dos Estados-membros.
"Muito pouco se faz no plano
da concertação política no seio da CPLP", afirma Hélder Gomes, mestre em
Estudos Internacionais pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (IUL), a
propósito da posição pouco acutilante da organização lusófona em relação ao
longo período de crise política por que passa a Guiné-Bissau, considerado um
Estado falhado.
Reforma institucional
"Ao contrário de congéneres
como a Commonwealth ou a Francofonia, a CPLP não tem a figura de suspensão ou
de até expulsão dos Estados-membros. Tem isso aplicado apenas a observadores.
Eu acho que a CPLP deveria ter uma posição mais contundente e deveria focar-se
eventualmente numa alteração profunda e efetiva dos [seus] estatutos",
propõe o especialista.
Hélder Gomes acrescenta que
"há um primado dos direitos humanos" que deveria ser respeitado pela
organização. "Não se poderia aceitar que as atrocidades que estão a ser
cometidas na Guiné-Bissau e que foram motivo para as sanções da CEDEAO
[Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental] e também a questão da
abolição da pena de morte na Guiné Equatorial, não faz sentido que a CPLP, ela
própria, não intervenha nesses casos".
"CPLP está a acompanhar a
crise guineense"
Embora tardiamente, Hélder Gomes
saúda a posição mais contundente agora assumida pela secretária-executiva da
CPLP, Maria do Carmo Silveira, "que se tem pautado por uma certa
inoperância, lentidão e timidez", por se sentir "esvaziada de poderes
efetivos", afetada também, acrescenta, por "ausência de uma
autoridade central".
A executiva são-tomense disse à
DW África que a instituição, apesar da sua pouca visibilidade, está preocupada
com o prolongamento do conflito por muito tempo "e cada vez [com] novos
episódios que vêm complicar a situação".
Segundo Maria do Carmo Silveira,
"é verdade que no terreno estão outras organizações, nomeadamente a
CEDEAO, que tem tido uma intervenção muito mais ativa nesse processo, mas a
CPLP também está a acompanhar e, enfim, nós acreditamos que a saída para a
crise deve passar pelo respeito do acordo assinado em Conacri".
Assuntos internos de cada Estado
Então, o que explica este
silêncio sobre questões tão importantes para a comunidade, nomeadamente a crise
política na Guiné-Bissau ou a situação de violação
dos direitos humanos na Guiné Equatorial? Nas declarações que faz aos
jornalistas, Maria do Carmo tem mantido uma certa prudência quando solicitada a
pronunciar-se sobre tal posicionamento, baseando-se no princípio de não
ingerência nos assuntos internos de cada Estado-membro, conforme rezam os
estatutos.
"Por isso, a CPLP tem estado
a adotar um posicionamento muito prudente relativamente a estas questões, mas
naturalmente acompanhando de perto e estando disponível para poder apoiar na
busca de consensos internos que possam levar à resolução da situação,
particularmente a situação na Guiné-Bissau".
Dias antes, em Lisboa, o
primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, advertiu que os países
lusófonos não estão a fazer um "bom uso" da CPLP, devido às suas
agendas internas, e avisou que a organização pode deixar de ter interesse nos
próximos anos.
Para o escritor e jornalista
guineense, Tony Tcheka, no caso guineense, a CPLP "esteve mal e continua a
posicionar-se pessimamente". Ele acrescenta que, mesmo havendo falta de
mecanismos legais para participar nos esforços com vista a uma solução da crise
guineense, a CPLP não deve nem pode andar a reboque.
Para o analista, "depois de
tantos anos de existência [da organização], justificar a sua ausência
sistemática nos palcos onde os conflitos são tratados é de bradar aos
céus". Tcheka lamenta que "ninguém compreende certos posicionamentos
pautados por um silêncio ensurdecedor".
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário