Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
A maior preciosidade do Congresso
do PSD, caso dele resultasse uma ideia válida - ou concreta, que fosse - para o
país, teria sido o clima aparente. Calmo, tépido, temperado. Mas nos escombros
de um longo Rio tranquilo vivia-se tudo menos tranquilamente. Com monotonia no
ar, desconforto à flor do tapete e águas revoltas nas profundezas, o congresso
que entronizou Rui Rio como presidente não o concebe sequer como hipótese para
primeiro-ministro. E essa foi a primeira lição com que Rio terá saído do
congresso. Não poderá esperar paz, nem tão-pouco um período razoável de estado
de graça. Rui Rio saiu do congresso na certeza de que ou muda o partido ou o
partido muda de líder.
Reformar o partido é um desígnio
inequívoco do novo líder. E a primeira metamorfose reside precisamente na
personalidade da liderança, ainda que num valente piscar de olhos ao passado. A
sua rodagem autárquica e a imagem pintada a contas certas (porventura só os
portuenses saberão a que custo...) permitiram-lhe ganhar eleições internas sem ganhar
o partido, a que não será alheia a quarta-tentativa-quarta do seu opositor de
circunstância, Santana Lopes. Mas só o PSD saberá porque ostraciza tão
violentamente um líder que evidencia tantas semelhanças com Cavaco Silva, a
mais duradoura fonte de poder em funções que o PSD tem para apresentar ao
mundo. Mudam-se os tempos, muda-se a rodagem.
De experiência feita, Montenegro
atira o experimentalismo histórico das listas unificadas às malvas e assume-se
como o rosto visível da oposição interna. Elina Fraga, face visível da
composição, abre-se em guarda-chuva político para Rui Rio dizer ao que vem
enquanto caem as primeiras pedras após a diminuição das vice-presidências e as
alterações dos finos equilíbrios regionais. Já ontem, Hugo Soares, líder parlamentar,
acusava o novo líder de "desrespeito institucional grave" pelo facto
de não ter sido convidado para a reunião da Comissão Política Nacional na qual
tem lugar por inerência. O que espanta é algumas pessoas no PSD não terem
percebido que, na ausência de estado de graça, Rui Rio fará a guerra interna
que entende necessária para dizer quem manda. Ninguém o poderá acusar de
deslealdade.
Transição para a corrente. Passos
Coelho ligou o partido à máquina durante dois anos e, aparentemente, o doente
não se importa de prosseguir no seu estado comatoso à espera daquele dia em que
a geringonça perca peças. Entretanto, Rio simula pactuar com Costa que, por sua
vez, simula dialogar com Rio. O mais provável é que, bem antes de poder
transbordar para o país disputando e ganhando eleições, amarrado às máquinas e
acorrentado, uma boa parte do PSD tudo faça para ver Rui Rio transbordar dentro
do partido, galgando as margens para desaguar em marés vivas.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
Cartoon em Escola Portuguesa
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