quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

PORTUGAL | Até o Rio transbordar


Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião

A maior preciosidade do Congresso do PSD, caso dele resultasse uma ideia válida - ou concreta, que fosse - para o país, teria sido o clima aparente. Calmo, tépido, temperado. Mas nos escombros de um longo Rio tranquilo vivia-se tudo menos tranquilamente. Com monotonia no ar, desconforto à flor do tapete e águas revoltas nas profundezas, o congresso que entronizou Rui Rio como presidente não o concebe sequer como hipótese para primeiro-ministro. E essa foi a primeira lição com que Rio terá saído do congresso. Não poderá esperar paz, nem tão-pouco um período razoável de estado de graça. Rui Rio saiu do congresso na certeza de que ou muda o partido ou o partido muda de líder.

Reformar o partido é um desígnio inequívoco do novo líder. E a primeira metamorfose reside precisamente na personalidade da liderança, ainda que num valente piscar de olhos ao passado. A sua rodagem autárquica e a imagem pintada a contas certas (porventura só os portuenses saberão a que custo...) permitiram-lhe ganhar eleições internas sem ganhar o partido, a que não será alheia a quarta-tentativa-quarta do seu opositor de circunstância, Santana Lopes. Mas só o PSD saberá porque ostraciza tão violentamente um líder que evidencia tantas semelhanças com Cavaco Silva, a mais duradoura fonte de poder em funções que o PSD tem para apresentar ao mundo. Mudam-se os tempos, muda-se a rodagem.

De experiência feita, Montenegro atira o experimentalismo histórico das listas unificadas às malvas e assume-se como o rosto visível da oposição interna. Elina Fraga, face visível da composição, abre-se em guarda-chuva político para Rui Rio dizer ao que vem enquanto caem as primeiras pedras após a diminuição das vice-presidências e as alterações dos finos equilíbrios regionais. Já ontem, Hugo Soares, líder parlamentar, acusava o novo líder de "desrespeito institucional grave" pelo facto de não ter sido convidado para a reunião da Comissão Política Nacional na qual tem lugar por inerência. O que espanta é algumas pessoas no PSD não terem percebido que, na ausência de estado de graça, Rui Rio fará a guerra interna que entende necessária para dizer quem manda. Ninguém o poderá acusar de deslealdade.

Transição para a corrente. Passos Coelho ligou o partido à máquina durante dois anos e, aparentemente, o doente não se importa de prosseguir no seu estado comatoso à espera daquele dia em que a geringonça perca peças. Entretanto, Rio simula pactuar com Costa que, por sua vez, simula dialogar com Rio. O mais provável é que, bem antes de poder transbordar para o país disputando e ganhando eleições, amarrado às máquinas e acorrentado, uma boa parte do PSD tudo faça para ver Rui Rio transbordar dentro do partido, galgando as margens para desaguar em marés vivas.

*Músico e jurista

O autor escreve segundo a antiga ortografia

Cartoon em Escola Portuguesa

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