3/1/2018, Sua Eminência Said Hassan
Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah.
Transcrição:
[…] Prof. Sami Kleib
[Entrevistador]: Ao final da primeira parte de nossa entrevista,
concluímos quanto a dois pontos. No primeiro, o senhor disse que os eventos no
Irã não terão consequências e estão superados; no segundo, evocamos o perigo
maior, a saber, que Trump e Israel estão empurrando a região na direção de uma
grande guerra. E o senhor disse que o Eixo da Resistência está em preparação e
tem de estar preparado. E eu perguntei se Sua Eminência está realmente
preocupado e se acredita que essa guerra venha a acontecer. Porque depreendo de
seus comentários que a guerra é possibilidade [real], que eles a criarão, e que
o senhor tem certeza de que o Eixo da Resistência sairá vencedor.
Hassan Nasrallah: Veja,
quanto à possibilidade de guerra, sim, é real. Quanto ao grau de probabilidade
em momento algum discutimos isso. Porque com aquela mentalidade, aquele
governo… E, digam eles o que disserem, não é só Trump, mas o vice-presidente,
todo aquele governo, a visão deles… Você viu o modo como abordaram a questão de
Al-Quds [Jerusalém]. Para nós é uma questão de religião. Essas coisas têm
relação com [o que estamos discutindo aqui]. Se você vê as declarações dos
norte-americanos, e mesmo dos israelenses, você vê que querem um Armageddon.
Ele prepara um Armageddon [real] e caminha sem vacilar diretamente na direção
dele. Conhecemos a mentalidade deles.
Entrevistador: São apoiados
por sionistas cristãos.
Hassan Nasrallah: Seja como for,
temos de nos manter concentrados nessa possibilidade, porque, depois que eles
destruíram o processo de negociação, que eles chamam de processo de paz, que
escolhas continuam a existir? Para onde querem empurrar a região, se não
diretamente para a guerra? Por isso digo que a possibilidade é real. Mas só
digo isso, porque, para dizer mais, ainda não temos provas, e as pessoas
ficariam angustiadas. Essa é a verdade.
Mas não seria justo qualquer de nós dizer às pessoas que fiquem tranquilas. Porque temos pela frente Trump e Netanyahu e, com esses alucinados, não podemos dizer que as coisas vão muito bem, que a região não poderia estar melhor, que não há motivos para temor, que a paz está garantida. E como poderíamos dizer tal coisa, se absolutamente tudo faz pensar na direção oposta, na direção de mais guerra? Não há nem o mínimo sinal que sugira alguma paz. Assim sendo, temos de falar de uma perene possibilidade de mais guerra. Nesse caso, basta a possibilidade, do ponto de vista da racionalidade e da responsabilidade, para que nós tenhamos o dever de entrar em ação. Quero dizer: temos de preparar, organizar, reforçar nossa frente, nosso Eixo, nossos homens, nossa situação e nossas capacidades, porque [a guerra] pode acontecer [de um dia para o outro]. Se não acontecer, não teremos perdido nada. Estaremos mais fortes. E se acontecer, estaremos preparados para encarar o que vier.
Entrevistador: Significa, Sua
Eminência, que todos estão preparados com Irã, Síria, Líbano e Palestina? É
esse hoje o seu Eixo [da Resistência]?
Hassan Nasrallah: Basicamente,
sim. Claro que também consideramos incluir no Eixo da Resistência, porque não
tem de ser necessariamente um eixo exclusivamente militar, todas as
personalidades, os movimentos, os partidos e as forças nos mundo árabe e
muçulmano que apoiem essa nossa via. Para nós, todos esses são parte do Eixo da
Resistência. Mas as principais forças militares no front são as que acabamos de
mencionar. Mas permita-me acrescentar o elemento iemenita. O Iêmen que está
hoje sendo agredido e atacado. Quando anunciei que, na próxima guerra, não
serão dezenas, mas centenas de milhares de combatentes que se unirão a nós, se
o senhor lembra, logo depois, poucos dias depois, Said Abdul-Malik
al-Houthi, em discurso ao vivo, anunciou que forças jihadistas do Iêmen estavam
prontas para se unir a nós na guerra (contra Israel). E ainda lhe digo mais.
Por contatos continuados entre nós, de um modo ou de outro, recebi uma carta
logo depois daquele meu discurso. Antes de Said Abdel-Malik al-Houthi
ter anunciado essa posição pela TV, ele já me escrevera que estavam prontos, em
caso de guerra, para enviar dezenas de milhares de combatentes, se precisarmos,
mesmo que prossiga a guerra saudita-norte-americana contra eles. O Iêmen hoje,
o que se conhece como o exército iemenita e as forças populares que estão em
combate lá, estão plenamente do nosso lado, no Eixo da Resistência e na Frente
da Resistência. Aliás, essa é uma das razões pelas quais o Iêmen está sendo
atacado.
Entrevistador: É verdade.
Significa, Sua Eminência, que ninguém poderá dizer depois, como tantas vezes
acontece, que o senhor teria exagerado sobre como o Hezbollah pode sair
vencedor [da guerra que Israel quer fazer contra a região]. Porque são estados
poderosos, a OTAN, o risco de guerra mundial, e mesmo assim o senhor disse que
entrará até além da Galileia [Palestina Ocupada], já na próxima guerra, se
acontecer. É assim mesmo? Pode-se esperar racionalmente que os combatentes do
Hezbollah invadam a Galileia e avancem além dela?
Hassan Nasrallah: Se uma grande
guerra acontecer… Agora, a questão da Galileia é distinta, é questão da qual já
falei, e nós já mencionamos no passado e sempre anunciamos que a instrução
básica dos combatentes da Resistência é “Estejam preparados para o dia em que
os líderes da Resistência lhes digam que avancem para a Galileia ou libertem a
Galileia.” Quanto a avançar além da Galileia, isso está relacionado à ideia
geral da qual estamos falando aqui. Se acontecer uma grande guerra na região,
tudo pode acontecer.
Entrevistador: Por que, Sua
Eminência, o senhor tem tanta certeza da vitória? Por que essa certeza? Vem de
Deus, do Invisível? Ou há dados reais em campo?
Hassan Nasrallah: Quanto a Deus,
ao Invisível e a questão da confiança em Deus Todo Poderoso, e a promessa que
Ele nos fez, claro que tem, obviamente, lugar fundamental. Mas Deus Todo
Poderoso, mesmo quando assegurou [aos fieis] que teríamos Sua ajuda e Seu
apoio, Deus nos põe diante de condições muito materiais: “Preparem contra (os
inimigos) todas as forças que possam” (Corão 8:60). E Deus disse “Se você ajuda
[a causa de Alá], Ele o apoiará” (Corão, 47:7). A segunda parte, sobre nossos
esforços em campo, é fundamental. Nossa leitura do inimigo israelense ao longo
de todas as experiências e todas as guerras é diferente. Esse inimigo não tem
força em si. E é possível derrotá-lo. Esse é o primeiro ponto. Esse é debate
antigo. Nós acabamos com esse debate. Ninguém pode questionar as conquistas da
Resistência no Líbano e na Palestina. Uma das maiores realizações da Resistência
nos níveis militar, moral, cultural, psicológico e político, é que pusemos fim
ao mito de que haveria algum invencível exército israelense. Nós mostramos que
aquele exército pode ser derrotado. E digo ainda mais. Os que são capazes de
impor uma derrota ao ISIS e às forças takfiri na Síria e no
Iraque, muito mais capazes ainda são de derrotar o exército israelense.
Entrevistador: É mais difícil
derrotar o ISIS, que o exército israelense?
Hassan Nasrallah: Claro, não há
dúvida sobre isso. O exército israelense só tem um ponto forte: a aviação. Mas
só uma força aérea não vence batalhas. Por poderosa que seja, força aérea não
vence batalhas.
Entrevistador: E graças a uma
possível capacidade antiaérea do Hezbollah, aquela força aérea perderá força?
Hassan Nasrallah: A luta contra
forças takfiri é infinitamente mais difícil que a luta contra Israel.
Veja, há enorme diferente entre o combatente takfiri e o soldado e
oficial israelense. Não estou exagerando a força dos takfiris, nada disso.
Mas tenho de ser honesto. Quando você toma parte numa batalha na qual tem de
enfrentar centenas de suicidas-bomba… Não são mártires, não os considero
mártires. Centenas de suicidas-bombas em veículos carregados com duas toneladas
de explosivos, e atacam sua brigada, seu batalhão, suas posições. Estão prontos
a morrer, não têm limites. E as razões e causas que os arrastam (doutrinação,
drogas…) nada mudam. O Hezbollah e outras forças combatemos nesse front
extremamente perigoso na Síria durante sete anos, pouco mais de mais de três
anos no Iraque, e derrotamos o ISIS, e digo que teria sido possível
derrotá-los muito mais depressa, se os norte-americanos não estivessem
garantindo apoio e proteção aos terroristas do ISIS. Isso tem de ser dito
e divulgado. O exército israelense, professor Sami, treina seus soldados só
para avançar, como os vimos fazer em 2006. Também na última batalha em Gaza em
Shuja’iya (2014), vimos como as tropas israelenses lutavam: para avançar,
soldados e oficiais têm de ser precedidos por blindados, depois por ambulâncias
de guerra, exatamente isso, ambulâncias, e, por cima, têm de vir os
helicópteros e força aérea. Sem tudo isso, não conseguem dar um passo adiante.
Esse é um soldado derrotado antes da luta, acovardado, sem vontade de lutar,
apesar de todo o equipamento e capacidade que lhe são oferecidos. Já vimos
acontecer bem assim no Líbano, em Gaza. Essa é a realidade presente na
Palestina ocupada. Hoje enfrentamos um exército israelense que sofreu várias
derrotas, e desde 2006 só fazem se autoequipar, treinar, manobras e mais
manobras…
Entrevistador: Mas o Hezbollah
também.
Hassan Nasrallah: Não negamos
isso. Mas eles não resolveram o problema deles. Porque o problema deles não
está nos tanques, aviões e armas. O problema deles é o material humano, o soldado.
O termo fundamental da equação introduzido pela Resistência, e no qual o Eixo
da Resistência tem vantagem hoje, nessa batalha, é o fator humano. Sou dos que
sentam e dizem com clareza que 1 + 1 + 1 = 3, porque, como uso indiscutíveis
dados em campo, posso afirmar que o resultado da conta é 3. Hoje, por exemplo,
uma das forças mais importantes que temos – e é preciso que as pessoas saibam
disso –, uma das nossas maiores forças na grande batalha em preparação contra
os sionistas é que hoje temos centenas de milhares de combatentes prontos a
lutar, sem limites.
Entrevistador: Derrubando aviões?
Hassan Nasrallah: Você insiste em
perguntar sobre a capacidade para derrubar aviões.
Entrevistador: Mas essa é a
equação…
Hassan Nasrallah: [Há centenas de
milhares] de aspirantes ao martírio [prontos a combater Israel]. Veja, no
passado – quando nos reuníamos com vários movimentos da Resistência, falamos do
passado – um jovem iemenita se unia a tal grupo palestino, como também um
tunisiano, argelino, egípcio. Hoje já não falamos de um ou outro jovem vindo
daqui ou dali. Estamos falando de forças reais, de formações militares e jihadistas que
lutaram em vários campos, que participaram nas batalhas mais difíceis. Não
temos medo. Somos hoje conjunto de combatentes altamente experientes, que creem
em Deus e nas próprias capacidades. Esses são os que lutam no Eixo da
Resistência.
Entrevistador: Muito bom. Tudo
que o senhor diz é muito promissor. Mas se pode argumentar, Sua Eminência, que
o senhor afirma que derrotará Israel, invadirá e atravessará fronteiras. Mas
Israel bombardeia o Hezbollah na Síria, e vocês fazem absolutamente nada, não
retaliaram. A razão é essa que o senhor expôs?
Hassan Nasrallah: No interesse da
preparação para a Grande [vindoura] Guerra.
Entrevistador: O senhor quer
dizer o quê?
Hassan Nasrallah: Primeiro, no
ponto em que estão as coisas, temos todo o interesse em não nos deixar arrastar
numa escalada em local determinado, a menos que não tenhamos escolha. Na Síria,
Israel ataca alguns alvos. Às vezes são bem-sucedidos, às vezes falham, não
acertam sempre. Não falarei de detalhes. Mas não foram bem-sucedidos nem
conseguiram impedir – Israel sabe disso, e não revelo aqui qualquer segredo – a
capacidade, os meios e a preparação para crescer, da Resistência no Líbano. É
situação que temos de suportar até segundo aviso. Não estou dizendo que
toleraremos [os ataques] para sempre indefinidamente. [Esperaremos com
paciência] até segundo aviso, pensando no interesse estratégico objetivo geral
[a derrota do ISIS e a preparação para a grande guerra contra
Israel]. Isso precisamente é o que chamei de “regras de engajamento” [ing. rules
of engagement].[2]
Entrevistador: Muito bom. O
senhor avisou que não entraria em detalhes, mas permita-me uma pergunta. Os
ataques israelenses a posições, depósitos e fábricas de armas do Hezbollah ou
mísseis não impediram que as armas chegassem ao Hezbollah. É o que o senhor
quer dizer?
Hassan Nasrallah: Não impediram e
não impedirão. E eles sabem muito bem. E não estou dizendo nenhuma novidade,
nem qualquer segredo, embora seja a primeira vez que digo à imprensa. Mas os
próprios israelenses sabem disso.
Entrevistador: Há ainda um último
tema [que desejo mencionar], se Sua Eminência me permitir, antes de passarmos
para o assunto da Síria. Refiro-me ao front do sul da Síria. Muito se tem
falado sobre isso, os israelenses estão muito preocupados, a saber, porque o
Hezbollah e o Irã, evidentemente com ajuda e apoio do Exército Árabe Sírio que
também combate há sete anos, preparam-se para resistir junto à fronteira, do
Golan e por toda a extensão da fronteira sul. É verdade? Há um novo front de
Resistência contra Israel, na fronteira sírio-palestina?
Hassan Nasrallah: Mais uma vez, é
assunto sobre o qual o melhor é não falar…
Entrevistador: Temos uma
entrevista ‘muda’ (sem novidades), Sua Eminência.
Hassan Nasrallah: Infelizmente,
porque o senhor insiste em questões muito sensíveis. O inimigo sabe que tem
motivos para estar preocupado. Porque, afinal de contas, o que aconteceu no sul
da Síria é um grande experimento e é agora uma possibilidade para a juventude
síria e para o exército nacional sírio. O exército é exército nacional, e os
jovens. Porque na Síria, como o senhor sabe, não é só o exército que luta. Os
grupos que a mídia síria chama de “forças aliadas” são formações populares
sírias, constituídas de jovens das cidades, das aldeias e regiões, cada um na
sua área, em Aleppo, a juventude de Aleppo, os jovens de Deraa em Deraa, os de
Hama em Hama, os de Homs em Homs, etc., os de Suweida em Suweida, etc., esses
jovens combateram nas próprias províncias. E são jovens que acumularam vasta e
valiosa experiência, especialmente sobre a fronteira sul. Porque no front sul a
luta às vezes assumia a forma de guerra clássica, às vezes, de guerra de
guerrilhas, dos dois lados. Concretamente, criou-se assim uma estrutura humana,
no plano do pensar, da experiência, da prontidão, as forças podem ser
mobilizadas em 24 horas. Não é necessária qualquer formação permanente. Mas a
nossa presença no sul da Síria, e por razões que têm a ver com a natureza do
combate em curso na Síria, em qualquer lugar que estejamos, haverá razão de
sobra para que Israel se preocupe, porque há oposição visceral entre nós e os
israelenses. Por isso os israelenses sempre se preocupam com qualquer coisa que
possa haver no sul da Síria, e trabalham , forçam, tentam extrair a maior
vantagem possível da pressão dos EUA, tentam conversar com a Rússia, tentaram
com ameaças, tentaram assustar, intimidar, gritaram que não haveria nem
Resistência nem resistentes no sul da Síria. Até agora nada conseguiram. Entrevistador:
Quer dizer que a Resistência está presente, pelo que concluo de suas palavras,
há células prontas para qualquer guerra próxima contra Israel.
Hassan Nasrallah: A Resistência
está presente no sul da Síria, o que é perfeitamente normal na posição
defensiva, e a Síria tem todo o direito de ter a Resistência presente ali para
defendê-la se for atacada e também tem o direito, a qualquer momento, de
decidir recorrer à Resistência popular para libertar o Golan ainda ocupado por
Israel. Se o senhor lembra bem, nos últimos anos antes desses eventos na Síria,
o presidente Bashar al-Assad referiu-se claramente e explicitamente à
Resistência, e disse que, sim, poderia tomar a decisão de recorrer à
Resistência. É decisão lógica e natural, e é decisão que inspira muito medo a
Israel. Israel tem muito medo disso. Entrevistador: A Resistência Popular
à qual o presidente Bashar al-Assad referiu-se era síria.
Hassan Nasrallah: Sim.
Entrevistador:
Mas agora, pelo que compreendi de suas palavras, há Resistência popular síria e
não síria no front sul.
Hassan Nasrallah: Precisamente.
[…] – FIM DO EXCERTO
Em Oriente Mídia | Traduzido por Vila Vudu | Na foto: Sami Kleib
Notas:
[1] Se esses
vídeos forem censurados
por Youtube, podem ser encontrados também, legendados em inglês, em https://www.dailymotion.com/video/x6d9z5r e https://www.dailymotion.com/video/x6d9zph [Nota
de Said Hassan].
[2] Rules
of engagement [lit. regras do engajamento]: ordens que soldados em guerra
recebem sobre o que podem e o que não podem fazer [de Cambridge
Dictionary] (NTs).
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