EXCLUSIVO PG
Alberto Castro*, Londres
Visitei o Brasil pela primeira
vez em janeiro de 2003, mês e ano em que Lula da Silva e o PT assumiram o
comando do maior país de fala lusófona. Na altura senti no ar um misto de
euforia e descrença sobre o futuro imediato do país. Lembro-me de, em Recife,
ao comentar sobre a hipótese de mudar-me para o Brasil, ouvir do meu
interlocutor a seguinte resposta: "cara, você tá doido?! Com tanto país
desenvolvido e tranquilo no mundo inteiro você escolhe logo esta bosta cheia de
violência, desemprego e gente sem educação prá viver?"
Retorqui dizendo que acreditava
nos ventos de mudança trazidos por Lula da Silva porque ele tem a cara do
Brasil verdadeiramente brasileiro. Aquela que é a da maioria historicamente
discriminada por sua condição social ou pecado de cor, a que nunca estivera no
poder para cuidar de si mesma e do país com todo o amor e dedicação
merecidos. O meu interlocutor encerrou a conversa com um estupefacto e
descrente "só gringo doido prá acreditar que esse país vai mudar!".
Não me mudei para o Brasil mas
passei a visitar o país e a região com regularidade e a acompanhar mais
atentamente os seus desenvolvimentos. Antes de Lula, o Brasil que eu
conhecia resumia-se ao campo de um imaginário romântico influenciado por
leituras de obras de, entre outros, Machado de Assis, Jorge Amado, Vinicius de
Moraes, algumas novelas da Globo, músicas de Martinho, Elis, Gil, Caetano,
Djavan, Bethânia, Alcione e por aí fora e, claro, futebol, samba e carnaval,
expressões maiores da arte e da cultura brasileiras, melhor dizendo
afro-brasileira, que o mundo conhece. Um Brasil lusotropicalista, de democracia
racial, mulheres belas e mulatas, exemplo para o mundo.
O Brasil real, violento, com
todas as suas profundas desigualdades sociais e étnicas omitidas na mídia, nos
discursos políticos e mesmo na academia em Portugal simplesmente não existiria
para nós, ''gringos'', termo com que os brasileiros se referem aos
estrangeiros. Tão pouco existiria um Brasil político. A existir, este seria um
anão como diria um embaixador israelense. Foi Lula quem o colocou no mapa com
suas políticas internas de inclusão social e externas de independência,
afirmação de soberania, integração regional e maior atenção à cooperação
sul-sul. Ele é ao mesmo tempo o Pelé e o Garrincha da política brasileira.
Gênio da política como Pelé foi gênio da bola, alegria do povo como Mané
Garrincha foi com seus estonteantes dribles e vida simples, conturbada, qual
bom malandro brasileiro.
Fui vendo o país crescer em
várias vertentes, afirmar-se como player de respeito internacional.
Em encontros nas universidades por aqui, vi pela primeira vez brasileiros com
faces mais próximas da maioria representativa do povo descrito por Darcy
Ribeiro. Quantas vezes em eventos similares, e outros, pessoas não brasileiras
se dirigiam a mim imaginando ser eu o brasileiro no grupo de brasileiros
brancos? O mundo passara a admirar e respeitar, para lá do samba, do carnaval e
do futebol, o gigante até então adormecido.
Vi Lula entrar na carruagem da
rainha e com ele simbolicamente todo o povo pobre brasileiro sendo hóspede de
honra no Palácio de Buckingham. Vi Anthony Giddens, conceituado
sociológico britânico, na altura reitor faculdade London School of Economics,
LSE, com emocionante felicidade justificando-a com a presença do ex-metarlúgico
Lula no encerramento da sua carreira como reitor da prestigiada instituição da
Universidade de Londres. A tão cantada frase "sou brasileiro, com muito
orgulho, com muito amor", parecia fazer todo seu sentido patriótico. E de
repente tudo o golpe levou...
Não conheço a complexidade dos
controversos processos judiciais contra o ex-presidente. Mas pelo que, à
distância e in loco, venho acompanhado de fontes dos mais diversos
quadrantes sou levado a concluir que o caso Lula está mais para um julgamento
político do que para um processo meramente jurídico. Até Reinaldo Azevedo,
um conceituado jornalista brasileiro que se auto-define como sendo da direita
liberal, crítico feroz dos governos petistas, vem sinalizando o mesmo nos seus
mais recentes artigos de opinião tanto na Folha de São Paulo como no "É da
coisa", programa que dirige na rádio Band News. É notória a seletividade
com que a justiça trata envolvidos em casos de corrupção no Brasil. Uns, tal
como a maioria do povo brasileiro, são suspeitos-padrão e, como tal, condenados
por mera convicção cumprindo longas penas de prisão. Outros, oriundos da elite
político-econômica, com evidentes provas de graves ilicitudes são absolvidos
ou, se detidos, devolvidos à liberdade em curto espaço temporal.
É igualmente impressionante a
seletividade, tanto à esquerda quanto à direita, com que se
faz jornalismo no Brasil, o que prejudica todo um debate que se deve pautar
pela isenção, o que em nada contribui para um melhor esclarecimento da sociedade.
É mais desinformação, manipulação e ativismo político do que informação. Pior e
mais assustador, é ver jornalistas e comentadores contribuírem de forma
despudorada e impune para a propagação de crescente ódio
político-ideológico que cliva com intolerância e violência a sociedade
brasileira. Ouvi, estarrecido, um tal Marcelo Madureira, comentador de política
na rádio Jovem Pan, perante notório júbilo dos seus companheiros no programa
"3 em 1", desejar que Lula seja logo preso e que morra de infarto ou
de AVC na cadeia!
Nunca vi coisa mais reacionária,
ignorante e estúpida como uma certa direita brasileira. Ela pensa que Lula é
comunista, o que mostra que de comunismo nada entende. Associa o liberalismo
exclusivamente ao conservadorismo ou ao ultra-conservadorismo. Tinha tudo para
ganhar folgadamente as eleições deste ano e praticamente nocautear um PT quase
moribundo devido aos sucessivos escândalos de corrupção desnudados com o
chamado mensalão e seguiram com o famigerado petrolão. Mas a sede e a ganância
pelo poder, o ódio doentio à Lula, à esquerda em geral e ao PT em particular,
conduziram-na a um controverso processo de destituição de Dilma Rousseff por
alegadas pedaladas fiscais, práticas comuns em qualquer gestão governamental. O
resultado está à vista: um reavivamento do PT e uma incrível popularidade de
Lula mesmo com toda a pancada que, diariamente e há anos, vem levando dos
mídias, dos políticos da oposição e do judiciário.
Só resta aos detratores e
opositores a prisão do ex-presidente que, sublinho, tem de pagar, como qualquer
cidadão comum brasileiro, por ilícitos cometidos desde que
indubitavelmente comprovados. Sonham com esse dia para o seu festim de abutres.
Esquecem-se, porém, de que a prisão de Lula apenas com base em convicções,
mesmo que fortes, poderá transformar-se num pesadelo que os atormentará a
vida toda e ecoará, tanto no Brasil quanto um pouco por todo o mundo, como a
prisão que se faz de um Brasil verdadeiramente brasileiro. Poderá ser o
fim do político, mas será certamente o princípio do mito!
*Colunista e correspondente
internacional
Foto: Ricardo Stukert
2 comentários:
BOLSONARO PRESIDENTE DO BRASIL, bando de otários esquerdistas!!!
Cara, cê nem deve saber o que é ser de esquerda. Deve imaginar que talvez seja algum protetor solar ou marca de cerveja.
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