quinta-feira, 26 de abril de 2018

TEATROCRACIA: uma abordagem analítica-empírica das crenças políticas e democráticas em Timor-Leste


Afmend Sarmento* | opinião

Começo a indagar os labirintos das crenças políticas e democráticas neste soberano país de Lafaek, olhando retrospectivamente com esta inquietação de pensamento: será que o panorama atual da situação socio-política em Timor-Leste já respondeu aos sonhos dos founding fathers em criar condições necessárias para o summum bonum e bonum commune? Para o filósofo italiano, Norberto Bobbio, o que condicionou tais contradições foi o que chamou de obstáculos à democracia, sob a rótula de “promessas não cumpridas”.

O ponto de partida parte da análise racional sobre o desenvolvimento do país, e esta deriva da contemplação do modus vivendi dos timorenses, as tendências principais e os desafios enfrentados pelo povo na era de Ukun Rasik-an. Trata-se de um olhar sobre a realidade política mas, também desbruçar-se sobre a imagem da própria prática democrática numa abordagem empírica-analítica aos valores, as aspirações e os ideiais conflitantes dos homo politicus, que fazem parte deste universo timorense. Quando a política não é capaz de ter o peso na nossa vida quotidiana, quando não responde às nossas preocupações sobre o futuro dos nossos filhos, para que precisamos dela, qual o seu valor de uso? (Bauman, 2016, 16). A partir desta questão, iniciarmos expressivamente com o epígrafe do escritor português, José Saramago: “Há um mal económico, que é a errada distribuição da riqueza. Há um mal político, que é o fato de a política não estar a serviço dos pobres” (citado em Treck, 2013, 14). Ora, actualmente em Timor-Leste verifica-se um duplo fenómeno: (1) uma desigualdade ao nível económico: há ricos e pobres. A gravidade de tal situação está no facto de os ricos se tornarem cada vez mais ricos à custa dos pobres; (2) uma desigualdade ao nível social, isto é, a má distribuição da riqueza e dos bens da nação. Nesta perspectiva, escreveu de forma excelente por Bobbio, “entre todas as desigualdades humanas, nenhuma precisa ser mais justificada do que a desigualdade estabelecida pelo poder” (Bobbio, 2000, 234). Resumindo perspicazmente na famosa definição de Peter Drucker, “a política (sociedade) não oferece mais salvação” (citado em Bauman, 2000, 62). Estes fenómenos já se constituem como um "cancro" que é difícil de curar, por gastar muitos milhões para nada, enquanto o povo continua a viver na miséria e pobreza, simultaneamente, o povo continua a orar sem cessar “...neste vale de lágrimas!”. Perde-se, assim, o eixo fundamental do que deve ser o fim teleológico da política. Poderemos perguntar, então, qual é o fim da acção política? Bobbio respondeu concisamente que o fim último da política é para alcançar o summum bonum e bonum commune, retomando a filosofia política clássica de Aristóteles, afirmando que o fim da política não é o viver, mas o viver bem: “o fim da comunidade política, a koinonía politiké, a societas civilis na predominante tradução latina, não é apenas o viver ou sobreviver, mas o bonum vivere, o viver bem” (Bobbio, 2000, 120). Intrinsecamente, é uma busca constante do bem comum de uma sociedade, como bem observa o Papa Francisco “a política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum” (Evangelii Gaudium, 205).  E, recentemente o teológo Eddy Kristiyanto não hesitou de intitular aquele célebre livro: Sakramen Politik, para dizer francamente que o fim da política é uma busca contínua de consensos alargados, sobre as principais questões políticas e programáticas do desenvolvimento do país para alcançar o Bem Comum. Este teve a ousadia de fazer uma analogia de que o Sacramento é the visible sign of the invisible grace, assim também, politik adalah tanda dan sarana penyelamatan! (Eddy Kristiyanto, 2008, 3) – política é o sinal e meio de salvação ao povo que vive no limiar da pobreza e no meio de tantas injustiças sociais.

Esta abordagem trata-se de uma reflexão que visa diretamente a questionar modos tradicionais de pensar a política, neste sentido, “as perguntas do nosso povo, as suas angústias, batalhas, sonhos e preocupações possuem um valor hermenêutico que não podemos ignorar, se quisermos levar a sério o princípio da democracia” (Papa Francisco) e acrescentamos ainda os valores fundamentais da política. Talvez, este é o nosso Zeitgeist (“espírito da época”), estamos num período de interegnum, no qual este espírito de solidariedade afundou-se no mar e “rasgando o delicado tecido da solidariedade humana” (Bauman, 2000, 51) pelos caprichos de poder e a política torna-se o “pomo da discórdia” entre os timorenses, pois, os partidos políticos optam pela política clássica de “devide et impera”, principalmente, separam as três frentes da luta, visam a ganhar mais novos aderentes aos seus partidos. E, o povo fica alienado com as propagandas políticas, facilmente, caem na hipótese hobbesiana do “homo homini lupus” e “ bellum omnium contra omnes”, quebrará o espírito fraterna e solidária da resistência e o vínculo inquebrantável que então estabeleceram entre os timorenses na época da ocupação Indonésia.

Vivemos numa situação muito peculiar de nossa história, por isso, urge-nos a “mostrar maturidade política para elevar o valor da democracia que está no coração de Timor” (Dom Virgílio do Carmo).  Trata-se de um ato de propaganda eleitoral, a estratégia utilizada mascaradamente pelos políticos pertencem não apenas o não-dizer, mas também o dizer em falso: além do silêncio, a mentira. (....) que o fosse lícita a “mentira útil” não apenas foi dito pelo “diabólico Maquiável” (Bobbio, 2000, 389), mas também a "nobre mentira" de Platão, significa, que deve ser colocado no centro: o interesse do Estado de Timor-Leste, porém, este termo constitui como uma máscara por detrás das quais se esconde a cobiça de poder e de riqueza. Para expressar com mais eficiente a definição de Max Weber, não vivem apenas para a política mas vivem da política” (Max Weber, 2011, 64). Ressalta-se, porém, que a política desenrola-se entorno da noção do poder como princípio e fim da atividade política. Não é sem surpresa que Bobbio fundamenta com veracidade que “o alfa e ómega da política é a questão do poder: como conquistá-lo, como conservá-lo e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo ou como dele se defender” (Bobbio, 2000, 252), ou com a expressão análoga, Max Weber frisou que “todo o homem, que se entrega a política, aspira ao poder – seja o considere como  instrumento ao serviço de concecução de outros fins, ideais ou egiostas, seja porque deseje o poder ‘pelo poder’, para gozar do sentimento de prestígio que ele confere” (Max Weber, 2011, 57). Essas premissas servem para situar o nosso discurso. Diante desse cenário, Timor-Leste demonstra a sua democracia, como um teatrocracia, isto é, “a transformação da vida política num espetáculo em que o grande político se exibe, tem necessidade de se exibir, como um ator” (Bobbio, 1986, 94). No palco das campanhas eleitorais, antagônicamente, agitam o povo com as histórias dos Fundadores da Nação e o Comando da Luta, assim, a vida da nação de Timor Lorosa’e torna-se um "estado que se transforma em companhia teatral, em produtor de espetáculo" (Bobbio, 1986, 94). No palco desta teatrocracia, observa-se uma disputa eleitoral muito intensa entre as duas forças políticas, a AMP e a FRETILIN, com apresentação do prestígio de personalidades políticas e figuras históricas para “convencer” os eleitores, nomeadamente,  Xanana Gusmão e Taur Matan Ruak versus Marí Alkatiri e José Ramos Horta, que vão “vender” as suas promessas políticas e os seus progamas eleitorais ao povo.

Esta euforia da festa democracia nos faz imediatamente vir à mente a imagem, a nós transmitida pelos escritores políticos de todos os tempos que se inspiraram no grande exemplo da Atenas de Péricles, da "ágora" ou da "ecclesia", que é a palavra grega para praça de decisões (Ribeiro, 2013, 10), isto é, a reunião de todos os cidadãos num lugar público com o objetivo de apresentar e ouvir propostas de uma mudança. Metaforicamente, a campanha eleitoral é o tempo previlegiado para divulgar os programas eleitorais, as promessas políticas, com intuito de mobilizar e conquistar o eleitorado para eleger os partidos politicos. Porém, nos comicíos políticos observam-se claramente o termo recém-cunhado de "teatrocracia", isto é, o poder de fazer espetáculos, do poder de transformar o real no imaginário, de procurar adesão pela magia do espetáculo, como "democracia em assunto de música" - interpretando-a como o efeito da pretensão do vulgo de poder falar sobre tudo e de não reconhecer mais nenhuma lei (Bobbio, futuro da democracia, 84). Em suma, a Eleição Antecipada é arquitetada como um palco para encher com “os dramas cínicos” da política, em busca insaciável do poder, aonde toda a população timorense adere a qualquer partido político para fazer a sua “música” de afiliação. Na verdade, muitos fiéis militantes sofrem a doença “psico-patologia” significa, em grego, sofrimento da alma (Bauman, 2000, 40), gerada pela idolatria ao poder e radicalismo exagerado aos partidos políticos.

A Constituição da RDTL garante que “o exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico” (Art. 47.2). Mais uma vez, o Presidente da República convidou o povo a voltar às urnas para exercer o seu direito de voto, ou seja, gastamos mais na urna alguns minutos para o “dever cívico”, a eleger os políticos, que concorerrão para alcançar aquele “vulto demoniáco do poder” (Bobbio, 2000, 218). Assim, ao abrigo do Decreto do Presidente da República n.º 7/2018 de 7 de fevereiro, decreta para o dia 12 de maio de 2018 a eleição dos Deputados ao Parlamento Nacional. De facto, se examinarmos com rigor os termos expressos na Constituição, a Eleição Antecipada é inexistente nesta Magna Charta, ou seja, na terminologia jurídica-constitucional chamada a “subsequente eleição” (cf. CRDTL art. 100º).

O ponto fundamental é que o povo escolha os Deputados ao Parlamento Nacional. Este exercício é realizado pelo sufrágio direto e universal, com intuito de contribuir, portanto, para a formação de uma maioria parlamentar saída das urnas, onde as deliberações serão tomadas pela maior et sanior pars, isto é, pela parte maior e mais sã, como exercício de amadurecimento da democracia. Assim, Timor-Leste marcará uma nova história com a “subsequente eleição”, no dia 12 de maio de 2018, que poderia definir o nosso Estado como uma "democracia posta à prova" (Bobbio, 1999, 12). O sistema político timorense foi, desde o início, concebido como um regime democrático, por isso, no seu estrito sentido, "a democracia é um sistema político que pressupõe o dissenso. Ela requer o consenso apenas sobre um único ponto: sobre as regras da competição" (Bobbio, 1986, 60), pois, neste jogo democrático "não existe consenso mas dissenso, competição e concorrência" (Bobbio, 1999, 46). Nesta concorrência ao Parlamento Nacional, torna-se presente a máxima do jurista alemão Carl Schmitt ao afirmar que na política encontra-se o conflito entre amigos e inimigos (citado em Gianotti, 2014, 5). De forma pari passu, observa-se que na política existe uma "relação como inimigo-irmão”, conforme bem disse Bobbio, “umas vezes mais irmãos, outras mais inimigos, de acordo com as circunstâncias” (Bobbio, 1999, 11), este modo de relacionamento “inimigo-irmão” repara-se na convivência política das personalidades e figuras históricas desta nobre nação.  Para alargar a nossa perspectiva e reavivar a nossa consciência sobre a importância da democracia, parafraseando Bobbio, a democracia timorense pode ser designada de frágil, mas, apesar de tudo, é também viva, segundo os costumes e ritmos dos detentores do poder político.  Em suma, corre nas veias do sangue a velha máxima romana: quod principi placuit habet vigorem legis - aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei - esta máxima torna-se o núcleo principal da forma mentis deste animal politicus, isto é, aquilo que agrada aos políticos tem a força da lei, de modo per fas et nefas, ou seja, de todos os meios possíveis, seja ele lícito ou ilícito, de outro modo, no método maquiavélico de “os fins justificam os meios”. No seu stricto sensu como costumavam dizer os monarcas europeias: L’État c’est moi – o estado sou eu!

Num Estado de direito democrático, os partidos políticos servem como locus privilegiado para a construção do país, sustentando pelo Bobbio, que “as forças políticas são os partidos” (Bobbio, 1986, 134) e o Estado de Timor-Leste adoptou o sistema de multipartidarismo como  conditio sine qua non da democracia, cuja a “força de um partido é medida pelo número de votos” (Bobbio, 1986, 139) dos eleitores nas eleições cíclicas estipuladas dentro da lei.  E, nesta batalha eleitoral, “o voto é uma mercadoria que se cede ao melhor ofertante” (Bobbio, 1986, 11), isto é, aos partidos políticos. Por isso, o voto é uma forma de promover o amadurecimento político do povo em escolher os melhores para governar o país.

O papel primordial do Estado deve assegurar que todos os eleitores possam exercer o seu direito de voto. A participação eleitoral efetiva é a forma de exercício da prática democrática, é um dos aparatos dos quais por sua vez extrai, através das eleições, a própria legitimação para governar. O "regime democrático" é o regime no qual o poder supremo é exercido em nome e por conta do povo através do procedimento das eleições por sufrágio universal repetidas a prazo fixo” (Bobbio, 1986, 101), exatamente,  se não tomarem elas as decisões que lhes dizem respeito, ao menos de exercerem os seus direitos de escolherem os indivíduos que periodicamente considerem os mais aptos para cuidar de seus próprios interesses (Bobbio, 1986, 121). De sui generis expressou nítidamente pelo Jesuita Frans Magnis-Suseno: “pemilu bukan untuk memilih yang terbaik tetapi mencegah untuk yang terburuk berkuasa”. Nesta perspectiva, há uma espécie de Círculos Viciosos: “não se pode conseguir mais participação democrática sem haver uma prévia mudança da desigualdade social e sua consciência, mas também não se consegue mudar ambas as condições sem um aumento da participação democrática” (Treck, 2013, 86), isto é, orientada para os output do sistema (para os benefícios que o eleitor espera extrair do sistema político), e cultura participante, isto é, orientada para os input, própria dos eleitores que se consideram potencialmente empenhados na articulação das demandas e na formação das decisões (Bobbio, 1986, 31) políticas para a transformação da polis.

Merece ainda ser enfatizada a ênfase que nesta disputa democrática tem como “a regra fundamental da democracia é a regra da maioria, ou seja, a regra à base da qual são consideradas decisões coletivas” (Bobbio, 1986, 18), por conseguinte, reconhecemos o facto de que na “arena política existam os vencedores e os perdedores” (Bobbio, 1986, 122), como consequência prática do jogo democrático. Este antagonismo entre o vencer e o perder dá-se, no facto, de que nas eleições anteriores entre o eleitor e o eleito não estabelecem uma perfeita relação de do ut des: um através do consenso confere poder, o outro através do poder recebido distribui vantagens ou elimina desvantagens (Bobbio, 1986, 122). Porém, o panorama atual de Timor-Leste mostra que o interesse dos eleitores, muitas das vezes, não é acumulado na tomada de decisões políticas, por fim, gera o “conflito entre aquilo que foi prometido” pelas correntes do pensamento político e “aquilo que não foi realizado”, – para tal, Bobbio afirma que “não se pode falar propriamente de ‘degeneração’ da democracia mas se deve falar contudo, antes, da natural adaptação dos princípios abstratos à realidade, ou da inevitável contaminação da teoria quando é obrigada a submeter-se às exigências da prática” (Bobbio, 2000, 49-50). Esta irrealizável “promessas não cumpridas” gera as frustrações sociais e desgastes para o próprio modelo seguido pelo povo, por isso, Bobbio constata que na democracia real existe uma apatia política, um verdadeiro desinteresse sobre a vida política. Assim, nasceu e cresceu uma certa desconfiança em relação à «classe política», a crescente consciência dos custos da apatia política. Todos nós esperamos que os perdedores da EA saibam reconhecer a sua derrota e os vencedores sejam capazes de implementar aquilo que foi prometido ao povo nas campanhas, para o desenvolvimento de Timor Lorosa’e ida buras liu, em uníssono, hamutuk hametin nasaun!

Como ouvimos, muitas vezes, nos discursos políticos que o poder soberano está no povo. Este poder será exercido pelo povo de forma a “premiar” ou “punir”, conforme bem argumentado por Bobbio, “ter poder significa, em poucas palavras, ter a capacidade de premiar ou punir”, isto é, estar em condições de dar recompensas ou estar em condições de infligir, punições” (Bobbio, 1986, 140) dos partidos politicos que não representam o interesse dos eleitores na roda de governação. Entretanto, observa-se que neste mercado político “é feito de tantos acordos, ou seja, a prestação da parte dos eleitores é o voto, a contraprestação da parte do eleito é uma vantagem (sob a forma de um bem ou de um serviço) ou a isenção de uma desvantagem” (Bobbio, 1986, 140), para satisfazer os anseios dos eleitores, pelo contrário, a não realização das “promessas eleitorais” contribui para um crescente número maior de abstenção e não participação na Eleição, à medida em que os eleitores tornam-se mais maliciosos e os partidos ficam mais débeis. Por isso, exige a “capacidade dos partidos de controlar os seus deputados e de deles obter o cumprimento das promessas feitas aos eleitores” (Bobbio, 1986, 138), com intuito de mobilizar os eleitores para aderirem ao partido,  pois, “a habilidade do político consiste, exatamente como no mercado, em compreender os gostos do público e talvez orientá-los” (Bobbio, 1986, 122), com respeito à marcha triunfal rumo à conquista do eleitorado. Em sentido análogo, enfatiza por Max Weber — posteriormente, retomada, desenvolvida e divulgada por Schumpeter — de que o líder político pode ser comparado a um empresário cujo rendimento é o poder, cujo poder se mede por votos, cujos votos dependem da sua capacidade de satisfazer os interesses de eleitores (Bobbio, 1986, 122), caso não o seja, esta situação vai gerar “o ponto de ruptura com o alargamento do fosso entre eleitores e eleitos – isto é, com a crise evidente de representação” (Bauman, 2016, 11), porque os eleitos não tem o sentimento do povo/eleitor.

Todos nós esperamos, que a subsequente eleição ou Eleição Antecipada possa acontecer num ambiente mais democrático e, que os políticos não podem fazer o monopólio da política: por um lado, pelo uso da força, onde “as pessoas são obrigadas a fazer algo de que prefeririam abster-se”. E, por outro lado,  pelo uso do dinheiro (money politics), pelo que “as pessoas podem ser induzidas a fazer o que não fariam por iniciativa própria”. Porém, que se privilegiam pelo uso da sedução, isto é, “as pessoas podem ser tentadas a fazer coisas pela pura felicidade de fazê-lo” (Bauman, 2016, 49), sem nenhuma intervenção política.

Tendo em conta que a Campanha Eleitoral é realizada num ambiente muito intenso, uma disputa encarniçadamente entre as personalidades e figuras históricas, é preciso salientar que devemos valorizar a nossa democracia.  Para tal efeito, “onde não há eleições livres não há democracia” (Bobbio, 1999, 129), por isso, para realizar a eleição num clima de paz e promover a participação pacífica e sem medo de voto nas urnas, devemo-nos ser guiados pelo fundamento ideal da democracia: (1) o ideal da tolerância – é um apelo aos espíritos mais dominados pelo fanatismo ou pela ignorância que se acreditam cegamente na própria verdade e na força capaz de impô-la, até exercer violência para obrigar outros a segui-la e punir quem não está disposto a abraçá-la. (2) o ideal da não-violência - é um apelo destinado aos líderes para resolver os conflitos políticos e sociais sem o recurso à violência. Tendo em consideração de que o adversário político não é mais que um inimigo que deve ser destruído. (3) o ideal do livre debate das idéias e programas eleitorais: é um apelo ao diálogo como força vital sine qua non da democracia (Bobbio, 1986, 38). Se formos capazes de implementar esses ideiais, poderemos exaltar o valor da democracia que está no coração de Timor-Leste e, diremos “a democracia em Timor-Leste (no mundo) não está a gozar  óptima saúde mas, também não está à beira do túmulo" (Bobbio, 1986, 5). Finalmente, concluindo de forma excelente por Bauman: “democracia sem tolerância e respeito pelo Outro é um oximoro, enquanto democracia com tolerância e respeito à diferença é um pleonasmo” (Bauman, Globo News, 1 de janeiro de 2016).

O filósofo alemão, Karl Marx advertia que “a religião é o suspiro da criatura esmagada pela desgraça, a alma de um mundo sem coração, assim como o espírito de uma época sem espírito. É o ópio do povo” (citado em Aron, 2016, 9). De forma análoga, o povo anseio por uma libertação total desta desgraça da pobreza e miséria.  E, a política é o caminho para esta libertação no seu sentido arcaico da metapolítica e a democracia como veículo para chegar a realização dos sonhos dos founding fathers em criar condições para alcançar o summum bonum e bonum commune do povo. Por isso, durante o periódo de campanha eleitoral, os partidos políticos tornam-se "o ópio do povo", um "magnetismo"; que atrai toda a atenção do povo, com intuito de chegar o momento de libertação, porém, embebidos nesta atração, todo o povo se esqueceu a feliz “promessas não cumpridas" que soam nos ouvidos do povo durante as campanhas: libertar o povo da pobreza e miséria!

Oxalá, que este povo resistente e sofredor não acredita cegamente nestes “profetas desonestos e falsos salvadores” (Bauman, 2016, 22) da Nação, que venham divulgar os programas eleitorais, as promessas políticas, com intuito de mobilizar e conquistar o eleitorado para eleger os partidos políticos. Mas, que o povo saiba votar com mais consciência, refletindo sobre os candidatos, seus programas eleitorais e, que não fazem da urna como uma loteria. Que o povo não sejam ingenuamente maravilhados com as palavras de “insultos” entre Xanana-Taur-Alkatiri-Horta-Abílio que não são verdadeiras, apenas uma pura emissão fonética - "flatus vocis" - enfatizá-las para cativar a simpatia e adesão dos "semper fidelis" (sempre fiéis) militantes e simpatizantes, visa a ganhar a confiança do povo através do seu voto nas urnas. Na verdade, esta “guerra de palavras” foi lançada num ambiente muito tenso nas campanhas eleitorais, fazem-nos lembrar o sábio dito popular português: “quando as comadres se zangam, todas as verdades vêm ao de cima”. Assim, a política é reduzida ao espetáculo; os cidadãos tornam-se espectadores; o discurso político serve como oportunidades para desabafar histórias de luta; e a batalha de ideias, à competição entre os “marketings” (Bauman, 2016, 22), para criar o valor e satisfação aos militantes na adesão aos partidos políticos.  

Faremos, agora, uma previsão de que os resultados eleitorais da EA manter-se-ão dentro da tendência histórica, como Max Weber demonstrou “hero worship” ou “absolute trust in the leader” de Comando da Luta continuam a votar em Xanana e Taur Matan Ruak. E, os radicais militantes do Partido Fretilin manter-se-ão como semper fidelis a votar neste partido. Como comentou o Pe. Martinho Gusmão: “o voto ideológico” continua na mesma  com os votos dos "semper fidelis" (sempre fiéis) militantes e simpatizantes. O que vai mudar é “o voto estratégico”, mas, o nosso povo ainda não tem a “capacidade de analisar, da inteligência para discernir” (Bauman, 2016, 57) os programas eleitorais. Ainda vale a palavra de Robert Ezra Park: (1) marcado pelo discurso racional; (2) unida por uma experiência emocional. Explicando de forma explícita por Bauman: o primeiro deve ter “capacidade de pensar e argumentar com os outros”, ao passo que a última só precisa ter “capacidade de sentir e se identificar” (citado em Bauman, 2016, 26) com os militantes e simpatizantes. Assim, a “luta política” da EA mostra claramente que já não é mais uma competição de programas eleitorais, mas, sim, de figuras históricas e partidos históricos, mais uma vez, Bauman sintetiza: a “luta política já não é mais uma competição de ideias, mas de personalidades: o maior número de pontos é amealhado pelas figuras...”,  porque a “cognição política é moldada emocionalmente” (Bauman, 2016, 78) para cativar o coração e a simpatia dos "semper fidelis" militantes.

Olhando retrospectivamente para a construção do país, poderemos dizer que os founding fathers, pelas suas capacidades e valentias, já “edificaram as nossas instituições democráticas e traçaram aquilo que é a essência dos valores democráticos de Timor-Leste: a paz, a  reconciliação, a solidariedade, o pluralismo, a tolerância e o diálogo” (Dr. Rui Maria de Araújo, Díli, 16 de Fevereiro de 2015) e continuam a empenharem-se nesta segunda batalha de libertar o povo da pobreza e miséria.  Temos de ter a inteligência para reconhecer e dizer sine ira et studio (sem ressentimentos nem preconceitos) que há sinais positivos de mudança nesta década de “Ukun Rasik-an”. Mas, poderemos constatar também que este povo sente-se ferido com a injustiça social praticada pelas elites políticas. O slogan de libertar o povo da pobreza e miséria que fora prometido pelos founding fathers, não foi cumprido plenamente ao longo destes 16 anos da independência, apesar de eles se tornarem protagonistas neste jogo democrático, que o Bobbio chamou de “promessas não cumpridas”. Lembrando, ainda, o artigo A utopia invertida, Bobbio inicia-se com a palavra “catástrofe”: a catástrofe de um grande ideal, “da maior utopia política da história”. Escreve ainda Bobbio, “Nenhuma das cidades ideiais descritas pelos filósofos jamais foi proposta como um modelo a ser realizado. Platão sabia que aquela república ideal, sobre a qual falara com seus amigos, não estava destinada a existir em nenhum lugar da Terra, mas era verdadeira apenas, como diz Glaucon a Sócrates: nos nossos discursos” (Bobbio, 2000, 50). É verdade, que os sonhos dos founding fathers existem apenas nos discursos políticos, ainda não se incarnarem no coração do povo, por isso, realizamos tantas vezes as eleições tanto presidenciais como parlamentares, os discursos da retórica política pautam-se pela libertação total do povo deste maligno da pobreza e miséria, após as eleições, tais premissas demonstram apenas uma “utopia política da história”. Em síntese, lembremo-nos a conclusão do pai da democracia moderna, Jean-Jacques Rousseau: "se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Mas, um governo, assim, perfeito não é feito para os homens" (Bobbio, 1986, 40).

No meio de situações verdadeiramente dramáticas, “o que nos mantém vivos e atuantes perante esta situação de incerteza é a imortalidade da esperança” (Bauman, 2016, 35), como frisou de forma concisa por Bauman. Temos a “confiança” de que o VIII Governo liderado ainda pelos founding fathers possa trilhar a estrada que conduz ao rumo de um futuro promissor para restaurar o sentimento de segurança perdido, reconstruir a confiança desaparecida e edificar a garantia de mercado para todos os timorenses. E, que tinha como característica primordial a certeza de edificar uma sociedade justa, livre, solidária, pacífica e, consequentemente, que partilham equitativamente a honra e o ónus desta nobre nação de Timor Lorosa’e.

Em suma, lembrando a trágica memória de 2006, podemos desafiar os founding fathers, parafraseando Goethe: “por que o teatro político  tem de ser um anfiteatro gladiatório (de matar ou morrer) em busca de  poder, honra e riqueza, em vez de, digamos, uma colmeia ou um formigueiro cooperativos e movimentados” (citado em Bauman, 2016, 29) em busca de Summum Bonum e Bonum Commune de todos os povos nesta Magna Domus Fraternitas: Timor-Leste? Pois, uma decisão política tem sempre o seu próprio custo – concluindo Bauman - o preço é pago na moeda em que é pago geralmente o preço da má política — o do sofrimento humano.

Bibliografia
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____________________, Entrevista: Estamos num estado de interregno. Vivemos na modernidade líquida, Globo News, 1 de janeiro de 2016.
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* Opinião pessoal do cidadão da Aldeia Cassamou, Suco Seloi Craic, Município Aileu

- Original em Timor Agora

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