Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
A sociedade portuguesa vai
tomando consciência de que a questão demográfica é um grande problema que
condiciona o nosso desenvolvimento. Mas o tema está longe de assumir o impacto
que merece nas agendas social e política. Vamos fazer de conta que a perda de
população, total e ativa, e o seu envelhecimento acelerado são uma
inevitabilidade? Vamos subjugar-nos às duras e cada vez mais pesadas
consequências que daí resultarão, ou encaramos o problema e procuramos
respostas sérias e sustentáveis?
As políticas de valorização da
natalidade são importantes e até se podem encontrar formas de os mais velhos
serem "ativos" por mais tempo, principalmente se os caminhos
encontrados valorizarem o seu trabalho e lhes propiciarem um viver em melhores
condições. Entretanto, medidas possíveis nestas duas áreas não se efetivam de
forma avulsa e, além disso, demoram muito tempo a dar resultados e constituem
apenas uma pequena parte das políticas a implementar.
Nos últimos tempos também se
começou a discutir a estagnação dos salários, tema que tem uma conexão profunda
com a questão demográfica. Parece evidente esta constatação: a estagnação dos
salários alarga o fosso remuneratório entre Portugal e os países que são
destino da emigração portuguesa. Essa estagnação e a persistência na imposição
de salários muito baixos aos jovens convidam os trabalhadores portugueses ao
expatriamento e afugentam de Portugal trabalhadores de outras nacionalidades,
com consequências pesadas no declínio demográfico do país. Diz-se que há agora
uma vaga importante de imigrantes detentores de capital, que vêm aproveitar as
oportunidades de negócio que Portugal lhes oferece. Não nos iludamos, isso é
apenas um nicho que não resolve o problema e até o pode agravar.
Quando nos empenhamos numa
reflexão mais profunda sobre como poderemos atacar com êxito o problema
demográfico, rapidamente nos deparamos com um conjunto de desafios, muitas
vezes com a mesma raiz, e profundamente ligados à matriz de desenvolvimento que
se queira perspetivar para a sociedade portuguesa e para o país.
Para estancar a emigração é
preciso fazer subir a média salarial associada a uma melhoria progressiva da
qualidade do emprego. Esses objetivos exigem crescimento do salário mínimo
nacional e uma negociação coletiva dinâmica, nos setores privado e público, que
melhore de forma articulada a generalidade dos salários, que identifique e
valorize profissões, que reconstrua carreiras profissionais, que reponha
direitos laborais e reduza desigualdades nas remunerações. Quer no plano
nacional, quer no europeu, a destruição da contratação coletiva associada ao
enfraquecimento de instituições de mediação laboral - dos sindicatos em
particular - e à gestão unilateral das mudanças que se estão a operar no mundo
do trabalho constituem a grande causa da estagnação salarial. Entretanto, se
não formos capazes de dinamizar atividades industriais e setores de produção de
bens e serviços que tragam mais valor acrescentado à economia portuguesa, não
alcançaremos soluções sustentadas.
Muitas vezes, responsáveis
políticos apresentam-nos as melhorias pontuais do abono de família e de apoios
sociais, ou a criação de pacotes fiscais ligeiramente vantajosos, como a
solução para fixar os jovens, quando, ao mesmo tempo, prosseguem políticas laborais
de horários longos e proliferação de precariedades que não permitem aos
trabalhadores estruturarem projetos de vida nem organizar família. É preciso
acabar com estas contradições e tratar de forma séria as políticas de educação,
de mobilidades, de habitação, de gestão do território.
As profundas transformações
económicas, sociais e culturais alcançadas com a conquista e consolidação da
democracia, levaram os portugueses a romper com as expressões mais fortes do
miserabilismo. Contudo, continuamos condescendentes com a pobreza, com o
"roubo legal" e com o sofrimento no trabalho. Toleramos demasiado as
baixas retribuições e o desrespeito pelas leis do trabalho, não fazemos a
denúncia e o combate necessários ao assédio moral que aniquila a dignidade no
trabalho. Há que inverter estas atitudes se queremos resolver o problema
demográfico.
* Investigador e professor
universitário
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