Paulo Guedes, guru de Bolsonaro
quer privatizações em massa, corte de gasto social e favores fiscais aos ricos.
Mídia esconde estas posições — e campanha de Haddad não as denuncia
Paulo Kliass* | Outras Palavras
Passada a longa agonia da marcha
das apurações de 7 de outubro, agora as forças democráticas devem voltar suas
energias unitárias e agregadoras para evitar o desastre maior em nosso país. O
caminho da civilização (ainda que meio capenga em sua versão tupiniquim) contra
a barbárie declarada passa, sem sombra de dúvida, pela derrota eleitoral de
Jair Bolsonaro no segundo turno.
A votação recebida pelo
ex-capitão do Exército e deputado federal há 7 legislaturas surpreendeu até os
profissionais mais experientes do marketing eleitoral. Um sentimento
generalizado de descrédito com a política e com os políticos somou-se a uma
onda conservadora e moralizadora na área social e cultural. A sensação de
impotência frente aos problemas graves de segurança pública e o aumento dos
índices de violência entram como caldo de cultura para o desastre do desemprego
e da crise social e econômica. A descrença desalentadora nas instituições
políticas vem acrescentada de uma frustração coletiva com as denúncias
intermináveis com os casos de corrupção.
Esses ingredientes todos passam a
ser articulados com uma meticulosa manipulação das redes sociais vinculadas a
igrejas e outras formas de agregação dos setores que os analistas sociais
passam a chamar de precariado e ralé. Enfim, mais do que uma expressão de
desejos fascistizantes de massa, o fenômeno do voto 17 simboliza o recurso
desesperado do desalento em busca de alguma boia nesse mar turbulento provocado
pelo desastre do austericídio. E aí surge a figura do salvador da pátria, em
quem deveríamos depositar toda nossa esperança. O candidato que conseguiu a
vitória ao construir sua narrativa de se apresentar “contra os poderosos” e
contra tudo o que está agora aí também no dia 28. Justo quem!
Mas a pior reação que se deve ter
contra esse tipo de movimento é a sua subestimação. Hitler, Mussolini e Franco,
por exemplo, também foram ridicularizados em seus momentos iniciais de ascensão
política. O caráter inusitado de suas proposições e de sua forma caricatural de
operar na política não deve nos iludir, provocando respostas apenas no nível da
chacota. Não, jamais! A situação é muito grave e os riscos de uma legitimação
do autoritarismo por meio do voto estão logo ali, na virada da esquina.
E nessas três semanas de campanha
é fundamental a tarefa de desconstruir a candidatura de Bolsonaro. A
irresponsabilidade política de parcela expressiva de nossas elites levou à
criação e ao fortalecimento desse monstrengo. Ele se caracteriza “apenas” pela
apologia da tortura, pela defesa da ditadura militar, pelo chamamento à pena de
morte e ao armamento da população civil, pela homofobia e pelo racismo, pela
intolerância e linchamento. Ocorre que a falência da operação de conquista
definitiva do aparelho de Estado no período posterior ao golpeachment está
apresentando agora a sua fatura. A derrota dos partidos mais tradicionais da
direita fez surgir o neo-conservadorismo com toda a sua força.
A estratégia para vencer as
eleições fez com que as forças em torno de Bolsonaro fossem convencidas a
tornar o candidato mais “palatável” pelos representantes do sistema financeiro
e do capital de forma generalizada. Como Meirelles e Alckmin foram fracassos
retumbantes, agora essas forças se agarram ao capitão. Ocorre que as propostas
de seu mentor em termos de política econômica são bastante contraditórias com a
história de vida do candidato. Por outro lado, as ideias do candidato a vice,
general Mourão, são muito perturbadoras para uma campanha que se pretende
apresentar como institucional na ordem democrática.
Assim, o silêncio de Bolsonaro ao
longo de todo o primeiro turno lhe foi bastante providencial. Com a desculpa da
recuperação do atentado, ele pode ficar à margem das polêmicas com os demais
candidatos e deu um cala-boca nessas duas figuras que estavam incomodando o
clima da candidatura com suas declarações desastradas. E dá-lhe metralhadora
giratória de “fake news” no subterrâneo incontrolável das redes sociais. Ao que
tudo indica, tem sido muito eficiente a assessoria que está sendo prestada por
figuras como Steve Bannon, que foi responsável pela campanha de Trump e se
tornou uma espécie de líder da extrema direta mundial.
O fato pouco mencionado até agora
é que a pauta econômica de Paulo Guedes é muito conservadora. A contradição vem
dessa necessidade que Bolsonaro sentiu de ser mais bem aceito pela elite, em
uma tentativa de deixar para trás a sua eterna imagem de alguém tosco e
nojento. Afinal, ele defendeu inúmeras vezes o estupro de forma criminosa e
debochada, além de propor literalmente o assassinato do ex-presidente FHC. Mas,
enfim, nada que uma boa dose de “educação refinada” não resolva! Essa é a visão
de alguns que aceitaram o desafio e partiram para a tarefa de dar uma demão de
civilização naquele que, em sua essência, nada mais é senão um defensor da
barbárie.
Paulo Guedes está muito bem
ambientado na condição de guru de economia de Bolsonaro. Afinal, formou-se em
uma das escolas mais clássicas do monetarismo e da ortodoxia, na Universidade
de Chicago nos Estados Unidos. Fez um estágio na implementação das políticas
públicas desses aprendizes do liberalismo na ditadura de Pinochet, logo depois
da derrubada do governo democrático de Salvador Allende e do início da noite de
terror naquele país. Em seguida volta ao Brasil e vai fazer sua carreira como
agente no sistema financeiro.
Por isso é tão importante que a
campanha de Haddad ofereça voz às propostas do senhor do Posto Ipiranga, como
tão bem o apresentou o próprio candidato. Paulo Guedes é um radical defensor da
privatização completa das empresas estatais brasileiras. Paulo Guedes é um
entusiasta do ajuste imposto pela austeridade burra, tal como estabelecida pela
Emenda Constitucional 95, que congela os gastos não financeiros por 20 anos.
Paulo Guedes considera fundamental manter os desastres provocados pela
“reforma” trabalhista aprovada pelo governo Temer. Paulo Guedes é contra
medidas de promoção do desenvolvimento, uma vez que mantém sua crença obstinada
na capacidade das forças de oferta e demanda resolverem nossos problemas.
Assim como as falas
destrambelhadas do General Mourão a respeito da necessidade de extinguir o 13º
salário, quando Paulo Guedes se manifesta, a oposição só tem a ganhar. Quando
ele decide expor suas convicções mais profundas a respeito da economia, do
Brasil e do mundo, o economista apresenta pérolas como a seguinte:
(…) “Estou vendendo o peixe da
aliança de centro-direita em torno de um programa liberal democrata na
economia. É o que os Chicago Boys fizeram lá no Chile. Conversei com ministro
do Planejamento, da Fazenda, presidentes do Banco Central e do BNDES… Estou
mapeando o território, examinando os números e simulando.” (…)
Esse é o desastre anunciado que
não está sendo repercutido como deveria pelos grotões afora. Já foi esgotada a
tática das denúncias apenas da pauta conservadora no campo da moral e dos
costumes. Agora é urgente que seja desmascarada a agenda de retrocesso para o
campo da economia. Se Bolsonaro prefere optar pelo silêncio que lhe é mais
confortável, cabe às forças democráticas apontar a gravidade e os riscos
embutidos na estratégia da liberalização radical do economista de Chicago.
As propostas da radicalização do
retrocesso na seara da economia já foram apresentadas por todos os lados. Não
tem mais como esconder. A população merece conhecer as ideias do todo-poderoso
assessor.
Fala, Paulo Guedes!
#elenão.
*Paulo Kliass - Doutor em
Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas
e Gestão Governamental, carreira do governo federal
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