sexta-feira, 23 de novembro de 2018

O novo salto global da desigualdade


Na sequência do artigo intitulado “Os ultra-ricos preparam um mundo pós-humano”, agora publicado e que pode ler ou talvez já tenha lido, decidimos no PG fazer a reposição deste, também retirado do Outras Palavras, onde foi publicado em 16.01.2017, que recomendamos leia a seguir. Afinal tudo está interligado e é útil que chegue ao seu conhecimento. (PG)

Políticas de “austeridade” ampliam concentração de riqueza. Oxfam denuncia: agora, oito homens já têm mais que a metade dos habitantes do planeta. Mas há alternativas

Oxfam | Outras Palavras | Imagem: Sara Distin

Estamos criando condições para recuperar o país e voltar a crescer, diz o presidente Michel Temer – e repetem os jornais – a cada medida adotada para reduzir o investimento social, eliminar direitos previdenciários, “simplificar” as exigências das leis trabalhistas e, supostamente, “equilibrar” as contas públicas. Exatamente como Temer agem, desde a crise de 2008, quase todos os governantes do mundo. “Austeridade”, “ajustes fiscais”, “apertar os cintos” tornaram-se conceitos dominantes no jargão politico e econômico da última década. Qual foi o resultado?

Um relatório que acaba de ser divulgado pela organização internacional Oxfam – voltada ao estudo e denúncia da desigualdade – revela. Tais políticas permitiram que apenas oito homens possum a mesma riqueza que os 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre da humanidade. O documento Uma economia humana para os 99% mostra que a diferença entre ricos e pobres aumenta a cada edição do estudo, numa velocidade muito maior do que a prevista. Os 50% mais pobres da população mundial detêm menos de 0,25% da riqueza global líquida. Nesse grupo, cerca de 3 bilhões de pessoas vivem abaixo da “linha ética de pobreza” definida pela riqueza que permitiria que as pessoas tivessem uma expectativa de vida normal de pouco mais de 70 anos.

“O relatório detalha como os grandes negócios e os indivíduos que mais detêm a riqueza mundial estão se alimentando da crise econômica, pagando menos impostos, reduzindo salários e usando seu poder para influenciar a política em seus países”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam no Brasil.

Os números da desigualdade foram extraídos do documento Credit Suisse Wealth Report 2016. (Veja link abaixo.) Segundo a organização, 1 em cada 10 pessoas no mundo sobrevive com menos de US $ 2 por dia. No outro extremo, a ONG prevê que o mundo produzirá seu primeiro trilhardário em apenas 25 anos. Sozinho, esse indivíduo deterá uma fortuna tão alta que, se ele quisesse gastá-la, seria necessário consumir US$ 1 milhão todos os dias, por 2.738 anos, para acabar com tamanha quantia em dinheiro. O discurso da Oxfam em Davos também mostrará que 7 de cada 10 pessoas vivem em países cuja taxa de desigualdade aumentou nos últimos 30 anos. “Entre 1988 e 2011, os rendimentos dos 10% mais pobres aumentaram em média apenas 65 dólares (US$ 3 por ano), enquanto os rendimentos dos 10% mais ricos cresceram uma média de 11.800 dólares – ou 182 vezes mais”, aponta o documento.

“A desigualdade está mantendo milhões de pessoas na pobreza, fragmentando nossas sociedades e minando nossas democracias. É ultrajante que tão poucas pessoas detenham tanto enquanto tantas outras sofrem com a falta de acesso a serviços básicos, como saúde e educação”, reforça Katia Maia.

O relatório destaca ainda a situação das mulheres que, muitas vezes empregadas em cargos com menores salários, assumem uma quantidade desproporcional de tarefas em relação à remuneração recebida. O próprio relatório do Fórum Econômico Mundial (2016) sobre as disparidades de gênero estima que serão necessários 170 anos para que as mulheres recebam salários equivalentes aos dos homens. Segundo o texto, as mulheres ganham de 31 a 75% menos do que os homens no mundo.

A sonegação de impostos, o uso de paraísos fiscais e a influência política dos super-ricos para assegurar benefícios aos setores onde mantêm seus investimentos são outros destaques do documento da Oxfam.

Oxfam é uma confederação internacional de 20 organizações que trabalham em mais de 90 países, incluindo o Brasil, com o intuito de construir um futuro livre das desigualdades e da injustiça causada pela pobreza. Uma das características centrais de seu estudo é a postura não-contemplativa. A organização está empenhada em buscar alternativas que permitam construir “uma economia para os 99%”. Eis, a seguir, algumas de suas propostas para tanto.

Uma Economia Humana para os 99%

Outras conclusões do Relatório da Oxfam (Davos, 2017)

Desde 2015, o 1% mais rico detinha mais riqueza que o resto do planeta.i

Atualmente, oito homens detêm a mesma riqueza que a metade mais pobre do mundo.ii

Ao longo dos próximos 20 anos, 500 pessoas passarão mais de US$ 2,1 trilhões para seus herdeiros – uma soma mais alta que o PIB da Índia, um país que tem 1,2 bilhão de habitantes.iii

A renda dos 10% mais pobres aumentou em menos de US$ 65 entre 1988 e 2011, enquanto a dos 10% mais ricos aumentou 11.800 dólares – 182 vezes mais.iv

Um diretor executivo de qualquer empresa do índice FTSE-100 ganha o mesmo em um ano que 10.000 pessoas que trabalham em fábricas de vestuário em Bangladesh.v

Nos Estados Unidos, uma pesquisa recente realizada pelo economista Thomas Pickety revela que, nos últimos 30 anos, a renda dos 50% mais pobres permaneceu inalterada, enquanto a do 1% mais rico aumentou 300%.vi

No Vietnã, o homem mais rico do país ganha mais em um dia do que a pessoa mais pobre ganha em dez anos.vii

Uma em cada nove pessoas no mundo ainda dorme com fomeviii.

O Banco Mundial deixou claro que, sem redobrar seus esforços para combater a desigualdade, as lideranças mundiais não alcançarão seu objetivo de erradicar a pobreza extrema até 2030.ix

Os lucros das 10 maiores empresas do mundo somam uma receita superior à dos 180 países mais pobres juntos.x

O diretor executivo da maior empresa de informática da Índia ganha 416 vezes mais que um funcionário médio da mesma empresa.xi

Na década de 1980, produtores de cacau ficavam com 18% do valor de uma barra de chocolate – atualmente, ficam com apenas 6%.xii

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 21 milhões de pessoas são trabalhadores forçados que geram cerca de US$ 150 bilhões em lucros para empresas anualmente.xiii

As maiores empresas de vestuário do mundo têm ligação com fábricas de fiação de algodão na Índia que usam trabalho forçado de meninas rotineiramente.xiv

Embora as fortunas de alguns bilionários possam ser atribuídas ao seu trabalho duro e talento, a análise da Oxfam para esse grupo indica que um terço do patrimônio dos bilionários do mundo tem origem em riqueza herdada, enquanto 43% podem ser atribuídos ao favorecimento ou nepotismo.xv

Mulheres e jovens são particularmente mais vulneráveis ao trabalho precário: as atividades profissionais de dois em cada três jovens trabalhadores na maioria dos países de baixa renda consistem em trabalho vulnerável por conta própria ou trabalho familiar não remunerado.xvi

Nos países da OCDE, cerca de metade de todos os trabalhadores temporários tem menos de 30 anos de idade e quase 40% dos jovens trabalhadores estão envolvidos em atividades profissionais fora do padrão, como em trabalho por empreitada ou temporário ou empregos involuntários em tempo parcial.xvii

A edição de 2016 do relatório anual do Fórum Econômico Mundial sobre as disparidades de gênero revela que a participação econômica de mulheres ficou ainda mais baixa no ano passado e estima que serão necessários 170 anos para que as mulheres recebam salários equivalentes aos dos homens.xviii

Sugestões da Oxfam para uma economia mais humana
1. Governos que trabalhem para os 99%
2. Incentivo à cooperação entre os países
3. Modelos de empresas com melhor distribuição de benefícios
4. Tributação justa à extrema riqueza
5. Igualdade de gênero na economia humana
6. Tecnologia a serviço dos 99%
7. Fomento às energias renováveis
8. Valorização e mensuração do progresso humano

Links:
Credit Suisse Wealth Report 2016 –
Bilionários da Forbes –

Notas
iiCálculos da Oxfam baseados na riqueza dos indivíduos mais ricos segundo a lista anual de bilionários da Forbes e a riqueza dos 50% mais pobres segundo o relatório Global Wealth Databook do Banco Credit Suisse (2016)
iiiUBS Billionaire’s Report de setembro de 2016 http://uhnw-greatwealth.ubs.com/media/8616/billionaires-report-2016.pdf
ivD. Hardoon, S. Ayele, e Fuetes Nieva, R., (2016), “Uma Economia para o 1%”. Oxford: Oxfam. http://policy-practice.oxfam.org.uk/publications/an-economy-for-the-1-how-privilege-and-power-in-the-economy-drive-extreme-inequ-592643 Versão em português disponível em https://www.oxfam.org.br/noticias/relatorio_davos_2016
vCálculos da Ergon Associates baseados em dados sobre os salários de diretores-presidentes estimados pelo High Pay Centre e os pacotes médios de benefícios oferecidos a trabalhadores.
viiNguyen Tran Lam. (2017, no prelo), “Even It Up: How to tackle inequality in Vietnam”. Oxfam.
viiiO Programa Mundial de Alimentos estima que 795 milhões de pessoas no mundo não têm comida suficiente para levar uma ativa saudável. Isso é cerca de uma em cada nove pessoas na terra. https://www.wfp.org/hunger/stats
ixBanco Mundial (2016), “Poverty and Shared Prosperity 2016: Taking on Inequality”, Washington DC: Banco Mundial doi:10.1596/978-1-4648-0958-3. http://www.worldbank.org/en/publication/poverty-and-shared-prosperity
xGlobal Justice Now. “Corporations vs governments revenues: 2015 data”. http://www.globaljustice.org.uk/sites/default/files/files/resources/corporations_vs_governments_final.pdf
xiM. Karnik. (6 de Julho de 2015). “Some Indian CEOs make more than 400 times what their employees are paid”. Site da Quartz India. http://qz.com/445350/heres-how-much-indian-ceos-make-compared-to-the-median-employee-salary/
xiiiProtocolo da OIT relativo à Convenção sobre o Trabalho Forçado de 2014. http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:P029
xivAs empresas implicadas em um estudo realizado em 2012 pela ONG Anti-Slavery International intitulado “Slavery on the High Street: Forced labour in the manufacture of garments for international brands” incluem Asda-Walmart (Reino Unido/Estados Unidos), Bestseller (dinamarquesa), C&A (alemã/belga), H&M (sueca), Gap (americana), Inditex (espanhola), Marks and Spencer (Reino Unido), Mothercare (Reino Unido) e Tesco (Reino Unido) http://www.antislavery.org/includes/documents/cm_docs/2012/s/1_slavery_on_the_high_street_june_2012_final.pdf
xvD. Jacobs. (2015). “Extreme Wealth Is Not Merited”. Documento para Discussão da Oxfam. https://www.oxfam.org/en/research/extreme-wealth-not-merited
xviOIT (2015). “Global Employment Trends for Youth 2015”. pág. 49.
xviiOCDE (2015), “In It together: Why Less Inequality Benefits All”. Paris: OECD Publishing. DOI: http://dx.doi.org/10.1787/9789264235120-en
xviiiWorld Economic Forum. (2016). ‘The Global Gender Gap Report’. http://www3.weforum.org/docs/GGGR16/WEF_Global_Gender_Gap_Report_2016.pdf

Na imagem de topo: Rio Bhuriganga, em Dhaka (Bangladesh), destruído pelo despejo de resíduos industriais. A cidade é uma das que mais cresce no mundo e abriga transnacionais têxteis atraídas para lá por salários baixos e ausência de direitos sociais. É o caso da Zara, cujo fundador é um dos 8 homens mais ricos do mundo

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