terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Angola | Fazer fermentar uma cultura de inteligência patriótica



1- O Arquivo Nacional de Angola, organismo inserido no Ministério da Cultura, promoveu a 16 de Novembro e em saudação ao 11 de Novembro, Dia da Independência Nacional, uma Mostra do Acervo Científico doado pelo Ministério da Educação Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI).

De acordo com a Introdução do folheto que se referia ao acontecimento, “são 144 títulos que o MESCTI recuperou em Portugal, em 2012, entregues numa cerimónia realizada a 7 de Novembro passado, nestas instalações”, constituindo um grupo de “obras diversas sobre Angola, de carácter científico, resultado de estudos académicos”, abrangendo “temáticas acerca dos solos, fauna, flora, essências florestais, pastos e gramíneas, botânica, cartografia, doenças, medicina tradicional, agricultura, pecuária, geologia, potencialidades económicas, etc.”

Em relação a estudos humanos, “constam ainda desse acervo obras de carácter etnográfico, histórico, que certamente despertarão o interesse dos especialistas dessas áreas para os seus trabalhos de investigação”.

O Arquivo Nacional de Angola e com sentido de oportunidade, terminava assim essa introdução: “neste momento em que se fala da necessidade da diversificação da economia, do desenvolvimento do nosso país, acreditamos que a consulta deste material será imprescindível e contribuirá para alcançar esses desideratos, através dos conhecimentos que transmitem”.

2- Este acontecimento denota algum esforço a nível do governo angolano, no sentido de começar a recolher capacidades científicas e investigativas que se referem a estudos que vão desde as ciências exactas às humanas, a fim de se estabelecerem os nexos que nos possam conduzir a uma aberta e lúcida vontade comum que evolua para uma plataforma de conhecimentos capaz de fazer fermentar uma cultura de inteligência patriótica, mobilizadora e dirigida para o futuro.

Esse passo indispensável, amplo e muito abrangente, existindo em embrião, está no entanto praticamente por realizar…

Não basta colocar o acervo existente à disposição de organismos científicos, organismos investigativos, Universidades, Institutos Superiores e outros organismos (neste caso o Arquivo Nacional de Angola, subordinado ao Ministério da Cultura), sejam do estado, sejam privados…


A situação de subdesenvolvimento crónico em que se encontra Angola, os desequilíbrios de toda a ordem, os relacionamentos internacionais de espectro distinto, as assimetrias e as injustiças sociais, merecem uma outra abordagem que inclua a decifragem das causas, os seus efeitos e as dialéticas que estão desencadeadas, agora mais que nunca à velocidade da luz, tendo em conta o espectro das novas tecnologias!

É preciso que haja uma instituição que impulsione e dinamize, de forma tão integrada quanto o possível, os procedimentos adequados à consulta desse acervo e de outros, vocacionada para estratégias de interesse nacional, mas também vocacionada para uma cultura da inteligência patriótica, gerindo a aproximação entre as instituições (não deixando ao acaso estes aspectos tão essenciais à vitalidade e transmissão de conhecimentos) e gerindo as articulações em rede correspondentes.

O estado até tem “em posição” esses organismos, mas linhas de pensamento estruturalista, burocrático e atavismos derivados de processos académicos de assimilação, estão a tornar-se empecilhos que estão a travar a potencialidade às iniciativas de integração e articulação em rede para fins estratégicos e assim, perdem-se enquadramentos, possibilidades mobilizadoras, potenciais projecções, acordos e protocolos possíveis e recomendáveis, tornando muito mais difícil encontrar opções e soluções que possam reverter, por via do resgate de conhecimento científico e investigativo, para a construção dum futuro de desenvolvimento sustentável em benefício de todo o povo angolano, do próprio estado e das instituições de ensino, de forma a implicá-las em programas sincronizados que devem nortear esforços sobretudo acima do médio prazo.

3- Entre as instituições do estado angolano que têm a possibilidade de aglutinar articulações em rede (para além do próprio Ministério da Cultura), está o Serviço de Inteligência do Estado (SINSE), que no meu modo de ver e face à necessidade de implementar estratégias e geoestratégias a prazos superiores, pode-se tornar um organismo catalisador das iniciativas, o que implicará necessariamente estabelecerem-se frentes com muitos ministérios, organismos e instituições de toda a ordem, em especial as de carácter investigativo e científico, de modo a que a luta contra o subdesenvolvimento passe a ser um processo substantivo e não uma figura de estilo para contemplação académica, ou administrativa.

O SINSE não deve ser apenas um organismo do estado capaz de contribuir para trabalhar a informação corrente, quase toda necessitando de pesquisa, análise e levando à estafada produção de relatórios de ordem tática mas, elevando a fasquia, contribuir para ao fermentar do multifacetado conhecimento cientificado e investigativo, encaminhar os organismos para a plataforma duma cultura de inteligência patriótica que possa produzir as tão necessárias estratégias e geoestratégias a médio, longo e muito longo prazos, promovendo a integração de articulações em rede, promovendo a desburocratização do estado, alertando para os casos de empolamento, obstrução, vulnerabilização ou mesmo corrupção e dando vida a capacidades de mobilização que saiam do estado dormente, ou mesmo palúdico em que se encontram.

Assim sendo um organismo enquadrado no SINSE como o Instituto de Informações e Segurança de Angola, pode preencher em seu reforço e em grande parte as condutas mobilizadoras, tirando partido dos quadros que pertencem à Comunidade da Segurança do Estado e não estão absorvidos nas actividades correntes do próprio SINSE, do Serviço de Inteligência Externa, ou do Serviço de Inteligência Militar.

De facto para o estabelecimento de estratégias e geoestratégias coligir multifacetadas apreciações de carácter científico e investigativo é imprescindível, ao mesmo tempo que se deve libertar o aparelho da contínua sistematização jurídica-institucional, que o torna por vezes pesado, burocrático e incapaz de participação para além das capacidades táticas, quando o grau de subdesenvolvimento em que se encontra Angola exige muito mais.

Nem por isso, essa plataforma forjadora de estratégias e geoestratégias vai diminuir a necessidade de busca de consensos, pelo contrário, deve-se tornar num factor activo não só de busca de consensos, mas também na mobilização das sensibilidades patrióticas, em especial quando os conceitos científicos e as investigações, para além do conhecimento adquirido, captem a atenção na sua própria lógica e sobre os relacionamentos causa-efeito que estão quantas vezes por discernir.

4- Tenho vindo a abordar a necessidade duma GEOESTRATÉGIA PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, procurando fundamentar com várias linhas de conhecimento e acção que se abrem aos nexos entre o espaço físico-geográfico-ambiental-hidrográfico, com o homem e os factores humanos, a partir de razões causais e acompanhando sempre os seus efeitos numa dialética compreensão.

De facto a antropologia (entenda-se antropologia cultural), não tem merecido a atenção que se lhe deve dar, pois a luta contra o subdesenvolvimento é um longo processo de superação cultural inteligente e patriótico, obrigando à pertinente escolha de opções face aos desafios e riscos, a prazos muito dilatados, sobretudo se houver atenção em relação à necessidade de controlar a água interior do espaço nacional, o que jamais foi feito em termos científicos e investigativos por parte dos angolanos.

Esse é um exemplo do que está em aberto, ou seja, do imenso resgate de conhecimento científico e investigativo que há a realizar, desde logo sobre o próprio espaço nacional por parte dos angolanos, que não só não o conhecem, como desconhecem as questões de antropologia cultural que explicam a situação anterior, corrente e futura das muitas comunidades rurais e urbanas nacionais.

Capacidade dialética de interpretação, capacidade para potenciar amplos e abrangentes dinamismos, capacidade para estabelecer consensos, gerar a plataforma duma cultura de inteligência patriótica, vai obrigar muitos organismos nacionais, do estado e privados, a uma outra filosofia que seja ao mesmo tempo garante de mobilização para se fazer face ao subdesenvolvimento crónico que advém das trevas do passado!

Martinho Júnior - Luanda, 26 de Novembro de 2018

Assinalando o 43º aniversário dos organismos da Segurança do Estado de Angola

Três imagens relativas à Mostra do Arquivo Nacional de Angola

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