quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Portugal | O Estado a que chegámos


Portugal | O Estado a que chegámos

Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

O que mais nos deve assustar na sucessão de falhas operacionais no socorro ao fatídico acidente com um helicóptero do INEM não é a aparente leviandade com que as várias entidades desrespeitaram o protocolo e tropeçaram nas pernas umas das outras, mas a constatação de que não nos livramos deste filme de terror. O Estado continua a falhar na sua missão primordial. Em manter os portugueses seguros e em garantir um auxílio eficaz quando eles necessitam. Falhou em Pedrógão, falhou em Tancos, falhou em Borba, falhou em Valongo. Não foram décadas de incidentes. Isto aconteceu apenas no último ano e meio. São circunstâncias especiais a mais em tão pouco tempo. Obriga a reflexão.

Depois dos incêndios de 2017, fizeram-nos crer que a dimensão inaudita da tragédia marcaria um ponto de viragem na atuação das estruturas da Proteção Civil. Mas Valongo é a prova de que continuamos entregues aos caprichos do destino. Desde logo porque ainda há entidades que não sabem a quem telefonar em caso de determinado acidente. Com Valongo voltamos a perceber também que mobilizar pequenos exércitos para as ocorrências (na serra de Pias estiveram 19 entidades e 219 pessoas!) não transforma o altruísmo militante de polícias e bombeiros numa estratégia de socorro. Basta ver que a GNR andou uma hora sozinha nas buscas. E que tal dispositivo não impediu que chacais recolhessem peças sobrantes do helicóptero acidentado para mostrar aos amigos.

"Ainda não retirámos lições quanto a estradas que caem e dificuldades de comunicação em acidentes como este", salientou Marcelo Rebelo de Sousa. Sem o referir expressamente, o presidente da República aludiu a uma perversão que Duarte Caldeira sintetizou assim: "O sistema de Proteção Civil está capturado pelo combate aos fogos". Ou seja, só sentimos verdadeiramente o impulso coletivo de atuar e de exigir quando enterramos portugueses inocentes. Convenhamos: a missão de um Estado que nos suga tanta vida nos impostos não devia ser a do cangalheiro choroso.

*Diretor-adjunto

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