sábado, 21 de julho de 2018

Angola | Isabel dos Santos ameaça poder de João Lourenço


Instalada alta tensão nas relações entre José Eduardo dos Santos e o seu sucessor

A intenção de Isabel dos Santos levar o Estado angolano à barra dos tribunais acaba de abrir um novo capítulo na ‘guerra’ que, desde que Eduardo dos Santos abandonou o poder, opõe o clã familiar deste ao Presidente João Lourenço.

Em causa está a anulação do contrato de construção do porto da Barra do Dande, no valor de 1500 milhões de dólares, e a retirada da licença da compra de diamantes à Odissey que havia sido atribuída à empresária angolana.

Inconformada com estas decisões, Isabel dos Santos exige, no primeiro caso, uma choruda indemnização e, no segundo, acaba de endereçar uma carta à empresa pública de comercialização de diamantes Sodiam em que admite recorrer a todas as “opções legais” para fazer prevalecer os seus direitos.

Se para revogar o contrato da construção do porto do Dande, João Lourenço evocou “a falta de transparência”, relativamente à Sodiam as autoridades alegam que o destino dado a uma garantia soberana de cerca de 150 milhões de dólares contraída junto do BIC ameaçava deixar o Estado de mãos atadas.

“Envolveram a Sodiam num negócio falido em que o dinheiro da garantia soberana, ao servir para pagar as dívidas que o antigo proprietário da De Grisogono havia contraído junto de bancos suíços, resultava num pesado fardo para os cofres da empresa”, disse ao Expresso fonte do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos.

A subida de tom das acusações que Isabel dos Santos profere contra o Estado, ao potenciar a tensão entre o antigo e o novo Presidente, está, para muitos observadores, a tornar irreconciliável a relação entre ambos.

Tornando-se cada vez mais notória a perda de controlo de José Eduardo dos Santos em relação aos filhos, em sentido contrário João Lourenço continua a dar mostras de firmeza na imposição do seu poder pessoal.

“Se algumas pessoas estavam convencidas de que claudicaria para se dobrar aos intentos da antiga família presidencial, estão redondamente enganadas”, confidenciou ao Expresso fonte dos serviços de inteligência.

Não admira, por isso, que as autoridades venham a endurecer as suas posições relativamente às aquisições de ativos com recursos do Estado, que constituem parte significativa da fortuna de Isabel dos Santos.

“Ela não se pode esquecer da forma como entrou na Unitel e na Galp e como, por alegado interesse do Estado, se apossou da Cimangol, assim como através da constituição da Atlantic Ventures, dois meses antes da saída do pai, quis entrar na empreitada da construção do porto do Dande”, advertiu fonte do gabinete de João Lourenço.

Para defesa da sua causa, a filha do ex-Presidente contratou alguns dos melhores advogados angolanos, que estão a ser assessorados por alguns dos escritórios de advogados mais reputados em Portugal.

“Ao tentar mover processos contra o Estado arrisca-se a colocar o pai na condição de principal testemunha pela outorga das garantias soberanas”, disse o jurista Jerónimo Amaral.

Sérgio Raimundo, advogado de defesa do antigo governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, envolvido no escândalo do desvio de 500 milhões de dólares, considera que Eduardo dos Santos deve ser arrolado como peça chave neste processo.

“Depois do que está a ser descoberto em desabono da família, não acredito que aceite sujeitar-se a tamanha exposição”, disse um antigo membro do seu gabinete.

Mas os problemas do clã do ex-Presidente angolano não ficam por aqui. O seu sucessor deu uma machadada nos seus interesses ao fazer uma verdadeira ‘revolução’ na política de comercialização de diamantes.

Com esta nova política, João Lourenço põe fim ao monopólio que, neste domínio, desde 2000, era detido por Isabel dos Santos através da Ascorp e de outras empresas por ela controladas.

A empresária angolana, o irmão Danilo dos Santos e outros membros da nomenclatura do regime faziam parte dos chamados clientes preferenciais.

Através deste estratagema, os diamantes eram comprados com uma margem inferior entre 30% a 40% do valor real do mercado, e os produtores, além dos royalties e outros impostos, eram ainda obrigados a pagar à Sodiam um valor adicional a título de goodwill.

Com a aprovação da nova lei, ao mesmo tempo que é extinta a categoria de clientes preferenciais e são introduzidos os contratos de longo prazo, pela primeira vez as sociedades de exploração mineira passam a dispor de uma quota de 60% para a compra e venda da respetiva produção.

“Com esta abertura, grandes investidores como a De Beers ou a Rio Tinto começam a dar sinais de confiança no nosso mercado”, garantiu ao Expresso fonte do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos.

Gustavo Costa, correspondente em Luanda | Expresso | Foto de Rui Duarte Silva

A arbitrariedade voa, intimida e espia em São Tomé e Príncipe



O governo santomense chefiado por Patríce Trovoada tem sido protagonista de peripécias que vêm instabilizando o país e as instituições. A contestação aos seus métodos antidemocráticos sobe de tom a cada "pazada" que o seu regime dá na democracia. Talvez inspirado pelo vizinho Obiang, da Guiné Equatorial.

Talvez o mais flagrante nos últimos tempos tenha sido no setor da justiça e da legalidade democrática. Antes, outros atos da responsabilidade de Patrice Trovoada, primeiro-ministro, têm sido razão de notícia e de agitação social e política.

A intimidação prevalece a par da instabilidade e controlo inusitado dos cidadãos, mais particularmente dos de partidos opositores ao governo de Patrice Trovoada. Exatamente por isso dirigentes do Partido da Convergência Democrática (PDC) fazem notar uma estranha visita espiã de um drone na sua própria casa. Repetição de outros casos semelhantes. É o que se segue em publicação de Téla Nón. (PG)

Carta às Autoridades Nacionais

(Governo, Ministério Público, Polícia Nacional, etc)

Tendo em conta alguns acontecimentos estranhos que vêm tendo lugar em S. Tomé e Príncipe, nos últimos tempos, decidi quebrar o silêncio…

No dia 23 do passado mês de Maio entre as 19 e as 20 horas vi, mais uma vez, passar um drone na zona da minha residência, nos arredores da cidade capital. Essa passagem tornou-se notícia especial porque o drone, subitamente, entrou no “espaço aéreo” do meu quintal, baixou de tal modo de altitude que cheguei a acreditar que o aparelho iria cair; no entanto não, manteve-se durante um “bom tempo” a poucos metros do solo, friso bem, dentro do quintal da minha residência. Tal como entrara, quando se “sentiu saciado com a visita”, subitamente, voltou a partir, sobrevoando a casa e rumando em direção à cidade capital.

Convenhamos que isso não é normal nem aceitável!

Primeiro: Queria manifestar total repúdio por esse ABUSO que traduz claramente, tremenda falta de respeito, violação de privacidade, tentativa de intimidação, coação e violência  psicológica contra os residentes, etc.

Segundo: Quais eram/são as reais intenções da visita? Foram fazer o diagnóstico/levantamento da situação do quintal e da casa? Para que fins? Têm ou estão a preparar algum plano macabro? Sim, porque fiquei a saber de alguém cuja casa foi também visitada por um drone; competirá a cada um fazer a denúncia quando e se assim entender.

Terceiro: Nesta residência vivem duas pessoas, Combatentes da Liberdade da Pátria e atualmente membros da Direção do PCD (Partido de Convergência Democrática), partido de oposição: Camélia Barros e Olegário Tiny, sendo este último Vice-Presidente do PCD e ex-Diretor Executivo da Autoridade Conjunta Nigéria – São Tomé e Príncipe.

Que estranha coincidência! Precisamente nesta residência é que se recebe pela calada da noite “uma visita malandra” de um Drone suspeito!

Quarto: Queria recordar que, no passado ainda muito recente, foi cometido um bárbaro homicídio contra a pessoa do Sr Dr Jorge Santos, ex-Presidente do Conselho de Administração da Autoridade Conjunta Nigéria São Tomé e Príncipe. Na altura, várias informações /boatos circularam sob a forma de justificações/ motivações para o crime incluindo a hipótese de “queima de arquivos”.

Nesta residência, cujos donos foram supramencionados, ninguém vendeu “armazém e guardou dinheiro em casa”, ninguém vendeu loja ou o que quer que seja nem tão pouco guarda dinheiro em casa. Quanto a eventuais “documentos comprometedores” de que também se falou, se existissem, por razões óbvias, não seriam guardados justamente nesse lugar.

Quinto: Nos dias de hoje, em São Tomé em que se vive num clima de tanta arbitrariedade, queria deixar bem claro aos “Violadores”, às instituições Policiais, aos Santomenses em geral e a todos a quem possa interessar, que qualquer eventual “acontecimento estranho” sob qualquer capa, que possa por em causa a integridade física ou psicológica, dos residentes do aludido espaço e/ou seus familiares próximos, dentro ou fora do recinto da casa, deverá implicar em primeira mão a responsabilização dos donos dos drones e/ou pessoas que tenham encomendado os respetivos serviços, e de uma forma geral, das autoridades encarregadas da defesa e segurança de todos os cidadãos deste país.

Sexto: Queria lembrar aos Violadores que, por ocasião da comemoração dos quarenta e três anos da Independência Nacional, já é tempo de aprenderem que em São Tomé e Príncipe se lutou pela Independência nacional, e pela LIBERDADE e Desenvolvimento do País. São Tomé e Príncipe é pertença de todos os Santomenses (no Interior e na Diáspora) e, por isso, tem que haver espaço para todos, independentemente das suas opções, até porque a participação de todos nós nesse processo é absolutamente indispensável.

Camélia Barros*

*Médica, santomense, Combatente da Liberdade da Pátria - BI nº 13812

São Tomé | Jogos da CPLP: Chegou o dia


Finalmente chegou o dia! O dia em que a capacidade de São Tomé e Príncipe, em organizar um evento internacional desta envergadura, será posto a prova, com a realização dos XI Jogos Juvenis da CPLP, que pela primeira vez terá a sua sede na capital santomense.

Não foi fácil a luta até aqui, e nem será daqui para frente. O caminho vai ainda continuar a ser difícil. Contudo, o fim será prazeroso, defendeu o chefe da missão santomense, que acredita numa boa prestação nacional, não obstante dos contratempos que envolveram a nossa preparação.

STP chega a esta organização depois de duas tentativas falhadas, situação que coloca, não só a Comissão Organização, como também todo o país, na responsabilidade de zelar por bom desenrolar do evento, uma vez que no caso de insucesso, todos nós pagaremos um preço bem alto.

Perante este cenário, o jornal Tela Non exortar todos os santomenses (dentro e fora do país) a torcerem, cada um da sua forma, para o final feliz.

De recordar que, ao contrário dos que muitos estiveram a supor, os XI Jogos terão a sua abertura às 8h30, com provas de atletismo, no Estádio Nacional 12 de Julho.

Mas, o primeiro ponto alto do evento (cerimónia de abertura) será às 18h30, seguida do duelo de futebol entre São Tomé e Príncipe e Angola, na categoria de sub-16, onde os angolanos, falando à nossa redacção, mostraram bastante optimismo no fecho do confronto ao seu favor, que se vier a acontecer, deixará em maus lençóis às cores nacionais, que terá pela frente, no segundo desafio, a selecção portuguesa, que aparece como a principal favorita a ocupar o lugar mais cobiçado do pódio.

Mas quem pensou que somente os angolanos (que tiveram mais de três de preparação) teriam o direito de ser optimistas, errou completamente, porque os santomenses também estão a apostar forte neste confronto, que é visto pelo seleccionador nacional, Gustavo Clemente, como o mata-mata, onde espera que não venha a ser os seus miúdos a degustarem a parte amargar do bolo (derrota).

Outra selecção nacional que está apostar ficha alta nesta competição, é o voleibol de praia, que ao contrário das outras, foi a única selecção anfitriã que na sua preparação teve oportunidade de realizar amigável com a congénere angolana.

Quanto aos palcos dos jogos, de ressaltar que o futebol, atletismo e PPD serão disputados no Estádio Nacional 12 de Julho; basquetebol no Parque da Capital; voleibol de praia, na Ex.PM, actual praia da Ilha, perto do Museu Nacional; e taekwondo, no Liceu Manuela Margarido na cidade da Trindade, distrito de Mé-Zóchi.

Os jogos decorrem de 21 a 28 do mês corrente.

Henrie Martins | em Téla Nón

Direitos humanos em Moçambique "deixam muito a desejar"


Moçambique registou melhorias na área dos direitos humanos nos últimos 20 anos, mas "há ainda muito por fazer", defende o bastonário da Ordem dos Advogados. Sobrelotação das cadeias é um dos principais problemas.

"A situação dos direitos humanos em Moçambique ainda deixa muito a desejar", disse o bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), à margem do lançamento do relatório dos direitos humanos no país de 2016. 

Entre os principais desafios, Flávio Menete destacou a sobrelotação das cadeias, que atingiu os 222,1% em 2017, segundo os últimos dados da Procuradoria-Geral da República (PGR).

A OAM entende que a sobrelotação dos estabelecimentos penitenciários é provocada por uma tendência de dar prioridade à prisão preventiva, considerando que se os moldes de aplicação da pena preventiva fossem alterados as cadeias teriam apenas metade da população que possuem no momento.

"Encontramos uma série de concidadãos nossos que estão ilegalmente na prisão em virtude de terem extrapolado os prazos de prisão preventiva ou na situação de ter sido instruído o processo, mas não ter sido possível realizar o julgamento em tempo útil", acrescentou o bastonário.

No relatório, a OAM recomenda que se decrete a prisão preventiva exclusivamente nas situações em que a lei assim define ou que seja necessário para garantir os interesses do processo. "Temos de ser rigorosos na aplicação da prisão preventiva, só quando necessário. Isso irá descongestionar os estabelecimentos penitenciários", declarou o bastonário.

Indústria extrativa

A questão da indústria extrativa também é citada no relatório, que aponta situações de violação de direitos humanos, com destaque para o não cumprimento das regras do reassentamento. "Não são cumpridas as regras do reassentamento e algumas vezes há mesmo violência contra os membros das comunidades nas zonas onde ocorre esta actividade", lembra Flávio Menete.

Na área da saúde, segundo a OAM, o país continua com os desafios de infraestrutura e recursos humanos para assistência das populações, além do défice de medicamentos, "embora relatórios oficiais digam o contrário".

O ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Joaquim Veríssimo, citado pelo jornal "O País", admitiu que o Governo está ciente dos desafios na área dos direitos humanos, mas sublinhou que tem havido avanços nesta matéria, resultantes da implementação do plano quinquenal do Governo.

Agência Lusa, ms | em Deutsche Welle

Timor-Leste | "Quo vadis", Taur? - Para onde vais, Taur?


PM de Timor-Leste elabora programa de governo com ministros sombra, à falta de melhor

Podemos estar para saber, ou talvez não, da legalidade de elaborar um programa de governo a apresentar aos eleitos no parlamento, com “ministros sombra”. Ou seja: um governo “coxo”, sem os ministros das devidas pastas, pode convidar indivíduos propostos mas não aceites pelo PR e não pertencentes ao governo? E é assim que, também por via desses estranhos ao governo, os timorenses vão ser governados? Será legal? Transparente e democrático não parece. Os eleitores timorenses não votaram para serem governados por ministros-sombra. Para muitos tal manobra é inaceitável.

O presidente da república timorense rejeitou determinados elementos indigitados pelo primeiro-ministro devido a considerar não existirem garantias da transparência e honestidade desses mesmos elementos. A base foi, alegadamente, episódios comportamentais que envolvem investigações de corrupção ou outras ilegalidades sob a ação da justiça. Assim como a falta de credibilidade cidadã de um ou outro desses elementos – valha este critério o que valer num país em que se passa de bestial a besta num ápice. Ou vice-versa.

Apesar de tudo não é de menosprezar a atitude do presidente Lu Olo. Decerto ele terá informações fidedignas e corretas que dão força à posição que tomou. Não é uma questão política mas sim como que um sinal stop de que na vigência do mandato que lhe foi entregue pelo povo de Timor-Leste defenderá a República, o país, os cidadãos, de mais criminosos integrados na governação timorense. Prática que tem sido fecunda e descarada no novel país com pouco mais de uma dezena de anos.

Num adágio português é vulgar dizer-se que “cuidados e caldos de galinha tomam os querem debelar a doença e tornarem-se saudáveis”. Afinal esse está a ser o procedimento do PR Lu Olo, por modo a prevenir e combater a enorme corrupção existente no país – que comprovadamente priva de muitas mais melhorias das condições de vida dos timorenses e permite o enriquecimento de uns quantos privilegiados que normalmente até são olhados como “ladrões” pelos povos. E em Timor-Leste também.

Visto por este prisma é perfeitamente compreensível que o PR Lu Olo opte pelos “cuidados e caldos de galinha” e que desse modo cumpra com rigor os seus deveres para com Timor-Leste, fazendo o que do PR depende para impulsionar o país para soluções, procedimentos e contas transparentes e saudáveis.

É inegável que a Taur Matan Ruak, primeiro-ministro, não interessa ter um governo constituído por elementos sob suspeições ou já em vias de terem de se confrontar com processos judiciais, como tudo indica ser essas as informações que o PR possui, aparentando desacordo com o PR por se sentir sob pressão de Xanana Gusmão. Afinal, para Taur é mais que provável que prefira enveredar por novas eleições admitindo a possibilidade de conseguir maior votação no seu partido, o PLP, e assim ficar melhor colocado para negociar em eventual nova aliança (se necessário) com um CNRT de Xanana mais fragilizado, com menos votos. Ou outra solução que mais lhe agrade.

O que está a acontecer em Timor-Leste são manobras político-partidárias em que as estratégias não são as que vêm a público. Xanana Gusmão prefere atualmente ficar na segunda linha e manipular as marionetas na qualidade de eminência parda. Assim vem fazendo há algum tempo. Falta saber se Taur está disposto a assumir a postura de PM “telecomandado”. De sua personalidade sabemos que tal situação desagrada a Taur. O que podemos colocar em dúvida é se ele considera dever aceitar para recolher vantagens político-partidárias em futuras e eventuais próximas novas eleições.

É motivo para perguntar: ‘Quo vadis’, Taur? – para onde vais, Taur?

Via “e-Global Notícias em Português” decalcamos um artigo relacionado com a situação abordada e a ocorrer em Timor-Leste. Algo singular mas com o pendor de um Xanana Gusmão que parece considerar-se dono do país e dos timorenses. Um agir doentio que só não permite a muitos constatar a sua dimensão porque a política cumpre o encobrimento – total ou parcial – das “doenças ou vícios” de figuras com imensas responsabilidades no que deve ser a defesa do bem-estar dos povos e da justiça, serenidade, transparência e democracia nos países. (BG | MM | TA)

Ministros “sombra” propostos por Taur Matan Ruak reúnem para preparar programa de governo, Xanana Gusmão ausente

Ministros propostos pelo primeiro-ministro Taur Matan Ruak para integrarem o executivo de Timor-Leste, e até ao momento recusados pelo presidente Francisco Lu-Olo por alegado envolvimento em actos de corrupção, reuniram-se com o executivo para prepararem o programa de governo que terá de ser entregue ao parlamento nacional até dia 22 de julho próximo.  

A reunião decorreu este fim de semana, em Maubara,   município de Liquiçá, tendo estado presentes Francisco Kalbuady Lay, secretário-geral do CNRT, proposto para número 3 do governo de Timor-Leste; Hélder Lopes, nome proposto para o cargo de ministro das finanças; e Virgílio Smith, nome proposto para ministro dos assuntos veteranos.

Há indicações de que o número 2 do executivo timorense, Xanana Gusmão, esteve ausente da reunião de preparação do programa de governo.

Refira-se que o parlamento timorense exortou o primeiro-ministro Taur Matan Ruak a apresentar o programa do governo até 22 de Julho do corrente, sob pena de realização de “novas eleições” no país.

Nesse sentido Duarte Nunes líder da bancada do CNRT, a maior bancada parlamentar da coligação, AMP, que venceu as legislativas de Maio passado, declarou ontem que: “Se o governo não apresenta os seus programas dentro de 10 dias, então nós estamos indo para outras eleições”.

e-Global Notícias em Português, com foto | Publicado em Timor Agora

Timor-Leste | Impasse que perdura


Depois de mais de um ano de tensão política e dois meses após as eleições antecipadas em Timor-Leste, os solavancos políticos continuam por resolver. O impasse entre o Presidente da República e o primeiro-ministro timorenses sobre a nomeação de nove membros do VIII Governo permanece.

De um lado Francisco Guterres Lu-Olo, Presidente da República e ainda presidente da Fretilin (agora na oposição), do outro a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), formada pelo Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) – de Xanana Gusmão – o Partido Libertação Popular (PLP) – de Taur Matan Ruak, primeiro-ministro – e o Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO).

Francisco Guterres Lu-Olo tem recusado dar posse a alguns dos membros nomeados pelo primeiro-ministro Taur Matan Ruak, por terem “o seu nome identificado nas instâncias judiciais competentes” ou possuírem “um perfil ético controverso”.

A decisão tem estado a causar tensão entre a Presidência e o Governo e a AMP, particularmente Xanana Gusmão, líder da coligação, que já foi nomeado duas vezes e ainda não tomou posse.

O impasse mantém-se em relação a nove nomes, sete dos quais do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT): Francisco Kalbuadi Lay, Virgílio Smith, Tomás do Rosário Cabral, Jacinto Rigoberto Gomes de Deus, Hélder Lopes, Amândio de Sá Benevides, Sérgio Gama da C. Lobo. 

Os dois outros são António Verdial de Sousa e José Manuel Soares Turquel de Jesus, ambos do KHUNTO.

Numa primeira cedência do Governo, o primeiro-ministro eliminou da lista de nomeados dois dos nomes inicialmente propostos – que estão atualmente envolvidos em processos já nos tribunais: Gastão de Sousa, proposto como ministro do Planejamento e Investimento Estratégico (MPIE) – cuja responsabilidade será assumida por Xanana Gusmão – e Marcos da Cruz, vice-ministro da Agricultura e Pescas, que foi substituído por Rogério Mendonça de Aileu.

Mas quase um mês depois do primeiro grupo de ministros ter tomado posse, continua sem haver fumo branco que indicie como se resolverá o impasse. E a tensão de um lado e de outro só tem vindo a aumentar, apesar de, publicamente, chefe de Estado e Governo manterem uma aposta no diálogo.

Lu-Olo, foi eleito com o apoio do CNRT – na altura em que CNRT e Fretilin votavam quase em conjunto no parlamento e membros dos dois partidos dividiam o executivo. 

Hoje CNRT e Lu-Olo – ou pelo menos Xanana Gusmão e Lu-Olo – estão mais distantes do que noutros tempos, com o líder histórico timorense a escrever ao presidente com duras críticas sobre a sua posição relativamente à tomada de posse.

Numa dura carta, Xanana Gusmão, ameaçou desencadear um processo de destituição do Presidente da República se mantiver a “rejeição sistemática e não fundamentada” de membros do Governo propostos pelo primeiro-ministro.

A ameaça é, pelo menos para já, de difícil concretização já que a medida dificilmente teria o apoio de dois terços dos 65 deputados, ou seja, 43: número que as bancadas que apoiam o Executivo não alcançam.

Mesmo que se unissem todas as bancadas do parlamento contra a Fretilin – partido do Presidente da República e que controla 23 lugares no parlamento – ficariam aquém desse número, somando apenas 42 cadeiras.

Ainda assim, o texto causou mossa à relação e fez aumentar a tensão, especialmente depois de Xanana Gusmão juntar à ameaça críticas irónicas à ação de Lu-olo.

“Permita-me, Excelência, que comece por o cumprimentar, desejando-lhe tudo de bom”, escreve Xanana Gusmão na carta.

“Expresso-lhe este sentimento, porque estou extremamente preocupado com a sua saúde mental, psicológica e política, neste conturbado processo onde se impõe medirem-se as competências, à luz de uma Constituição que os Senhores é que escreveram, entendem com mestria e interpretam com uma sagacidade incomum, inacessível a vulgares cidadãos como eu”, escreve Xanana Gusmão.

Um texto que suscitou duras críticas e que em nada ajudou a resolver o impasse. Lu-Olo mantém a sua posição que não mudou depois de várias reuniões com Taur Matan Ruak e que levou mesmo as bancadas da AMP a negarem um pedido de autorização de Lu-Olo para uma visita de Estado a Portugal – que a Constituição exige – por o responsabilizarem pelo impasse.

Xanana Gusmão voltou à carga e considerou inaceitável que dirigentes do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), e das restantes forças políticas da coligação governamental Aliança de Mudança para o Progresso (AMP) estejam a ser acusados de “ladrões e corruptos”.

“Sentimos isto sobretudo no CNRT. Sentimo-nos totalmente afetados e, por isso, não fui duas vezes à posse, em solidariedade com os meus quadros do partido, já que nos conhecemos”, afirmou Xanana Gusmão.

O CNRT enviou também ao presidente certidões criminais de todos os membros  que não fossem empossados, emitidas pelo Tribunal Distrital de Díli, que mostram que nenhum é arguido em qualquer processo.

As certidões narrativas detalham todos os registos de processos em que os sete estiveram envolvidos, confirmando que nenhum é atualmente arguido em qualquer processo judicial “pendente ou arquivado”.

Com o país em duodécimos desde janeiro, a pressão para que o impasse se resolva continua a aumentar. O Governo já teve que solicitar um levantamento extraordinário do Fundo Petrolífero para financiar as contas do Estado até agosto – sobravam nos cofres apenas 20 milhões – e continua sem ministro de Finanças – é um dos nove por empossar – para ‘assinar’ o Orçamento para o resto do ano.

E enquanto a situação persiste a economia do país – que depende quase na totalidade do Estado – vai definhando, com os investidores externos preocupados com a situação e os nacionais preocupados sobre o quanto terão que fazer para esticar a liquidez. 

António Sampaio-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau - 20.07.2018

Macau | “O Governo interferiu na suspensão do deputado da assembleia”


O advogado de Sulu Sou não tem dúvidas de que o Executivo interferiu no caso que envolveu o deputado. Jorge Menezes elogia a juíza mas defende que o processo em que o ativista foi constituído arguido foi uma derrota do Estado de Direito.

Onde pôde, o Governo interferiu. A suspensão de Sulu Sou como deputado para ser julgado pelo crime de desobediência qualificada é um dos exemplos que Jorge Menezes dá para ilustrar a pressão do Executivo. O advogado assume ter sentido pressão durante o processo contra o ativista democrata o qual – não tem dúvidas – foi “político”. Os avisos que recebeu, vinca, só revelam como Macau está doente. 

- Como chega a advogado de Sulu Sou? 

Jorge Menezes - Alguém lhe terá dado o meu número como advogado que aceitaria o caso.

- Teve apoio de outros advogados? 

J.M. - Foi tudo feito só por mim e, quando o Pedro Leal se juntou, passou a ser feito pelos dois.

- A dificuldade que Sulu Sou e Scott Chiang tiveram em encontrar advogado revela que há medo de defender certos casos?

J.M. - Revela a pressão em que Macau está no que diz respeito aos direitos fundamentais. É absolutamente lamentável que qualquer advogado que estivesse em posição de poder representar Sulu Sou não o tenha feito por medo. 

- Sentiu que tinham de ser especialmente cuidadosos na defesa? 

J.M. - Foi um processo político que começou quando a polícia decide abrir um processo-crime contra eles quando noutros casos mais graves nunca o tinha feito. O comportamento do Ministério Público (MP) expressou também a dimensão política do processo. Nessa medida era um processo especial. Sabia que estávamos a lutar contra várias paredes. Não era um processo normal.

- Condicionou a vossa estratégia?

J.M. – Estávamos a defender um deputado e um ativista político que se têm comportado na vida segundo o princípio da verdade. Faz parte de ser advogado esticar a corda e ser parcial. Foi uma advocacia diferente. Estávamos conscientes que estávamos a representar pessoas com uma grande responsabilidade pública, que revelaram um certo tipo de postura pública que queriam manter no processo-crime. Dessa perspetiva, a nossa estratégia foi relativamente fácil. Limitou-se a dizermos a verdade. Demonstrar que, dizendo a verdade, deviam ser absolvidos. 

- Referiu que a postura do MP também mostrou que era um caso político. Pode explicar?

J.M. – O ter investigado este processo e movido acusação quando não o fez em processos similares. O facto de o secretário para a Segurança ter dito que nos processos que tinham uma conotação política se justificava investigar ainda mais, quando a lei das reuniões e manifestações existe para se proteger mais as manifestações políticas do que as outras. Não houve igualdade de tratamento. O MP ter pedido pena de prisão foi um ato político para criar as piores expectativas e depois se vir dizer, como aconteceu, que a condenação da pena de multa foi um exercício de independência judicial e de moderação, e que afinal o tribunal esteve bem. Prescindimos das nossas testemunhas porque sentimos que estava a haver uma perseguição. É um dever prestar testemunho mas sob liberdade, não sob ameaça. 

- Como interpreta a decisão do MP de não recorrer quando tinha pedido pena de prisão?

J.M. - Como aquilo foi um exercício especulativo para sair toda gente contente quando fossem condenados sem pena de prisão, naturalmente que não recorreram. Foi simplesmente mais uma confirmação de que não era para levar a sério.

- Como interpreta a decisão de Sulu Sou abdicar do recurso? 

J.M. – Também não queria ser condenado, ficar com registo criminal, pagar uma multa de 40 mil patacas. É verdade. Mas o grande dilema foi entre dois interesses públicos: o de se sentar na assembleia, representar os cidadãos e lutar pela transparência; e o de lutar por um direito fundamental que é o da manifestação, levando o processo até às últimas consequências. Qualquer decisão seria nobre.

- Porque é que Sulu só levaria o recurso até ao fim, se o MP recorresse?

J.M. - Se o MP tivesse interposto recurso, a nossa decisão era a de recorrer porque já não retirávamos qualquer vantagem de não o fazer. O processo-crime mantinha-se pendente. Teria de ser a assembleia a decidir se Sulu poderia voltar e sabe-se que os deputados diriam que não. Já não tiraríamos o efeito positivo de não recorrer, que era o Sulu voltar. Restava-nos lutar pela inocência deles e pela defesa de um direito fundamental. Já não havia dilema nenhum. Quero frisar que sobre o conteúdo dos processos pendentes não me manifesto. Não me vou pronunciar sobre o objeto dos recursos [de Scott Chiang  da condenação pelo crime de manifestação ilegal; e sobre se os tribunais de Macau têm competência para decidir se a suspensão do mandato de Sulu Sou violou a lei]. 

- Porque não optaram por pedir que a sentença não transitasse em julgado para que, tendo em conta que era um processo conjunto, Sulu também pudesse beneficiar da decisão?

J.M. - Porque não poderia voltar à assembleia. Pedimos ao tribunal que retirasse o recurso. A juíza esteve muito bem porque aceitou. É uma decisão inovatória. Não só esteve bem porque decidiu em 24 horas como esteve bem porque admitiu que a sentença transitasse em julgado contra um e prosseguisse contra outro.

- Acreditou realmente que havia chances de serem considerados inocentes?

J.M. – Acreditei.

- Sentiu que houve interferência de outros poderes?

J.M. - Senti que houve uma grande pressão dos poderes instituídos. Viu-se nas declarações de políticos, empresários, advogados. Dos poderes e do dinheiro, desse sol, irradiava uma tentativa de grande pressão sobre o MP e o tribunal. Revelou-se na dificuldade que tiveram em arranjar advogado. Quanto ao tribunal, não notei que tivesse agido deliberadamente por terem sido dadas instruções ou por sentir pressão. Agora todos somos pessoas e a pressão que se vai exercendo tem efeitos. Não acho que tenha havido desonestidade.

- Mas acha que teve efeitos?

J.M. – É muito difícil que a pressão política e social não tenha efeitos. É da natureza humana. Mas não senti que o tribunal tivesse agido em violação da separação de poderes.

- Como é que Sulu e Scott estavam acusados do crime de desobediência qualificada e acabam condenados pelo crime de manifestação  ilegal?

J.M. - Não quero falar demasiado do processo porque está pendente relativamente ao Scott Chiang. Para mim é um erro judiciário. Não é necessariamente um sinal de interferência política ou de violação da separação de poderes. Todo o julgamento foi sobre as ordens dos polícias porque era disto que estavam acusados. Chegamos ao fim e somos condenados por outros factos. Em bom rigor, não fez grande diferença ter estado lá porque estava a defender-me de maçãs e o julgamento foi sobre ameixas. 

- O caso Sulu Sou mostrou que há medo de uma geração mais interventiva?

J.M. – Há sinais de mudança em Macau. Para pior. Com a classe política e o Governo a exercerem maior repressão sobre direitos fundamentais que se manifesta na atividade da polícia e na elaboração da legislação. Por um lado, há um sinal crescente de diminuição dos direitos fundamentais. Por outro, parece haver uma geração jovem que preza tribunais independentes, a separação de poderes, aquilo que é chamado de Segundo Sistema. Tínhamos dois jovens exemplares, honestos, formados, dispostos a sacrificar os seus direitos em prol do bem social, tínhamos dois cidadãos que agiram contra uma medida do Chefe do Executivo que era errada. Todos sabíamos que estavam certos e a polícia, Ministério Público e assembleia estavam errados porque eles não são criminosos. Era um teste às instituições. Um teste que foi perdido. Foi a maior derrota do poder instituído e do Estado do Direito. 

- Acha que houve pressão de Pequim?

J.M. – Confesso que não sei que papel podem ter tido as agências do Governo central neste processo. De certeza que o acompanharam. Tenho uma opinião mas não é fundada. Há sinais contraditórios. O Governo de Macau interferiu, designadamente na suspensão do deputado da assembleia. Naquilo que estava ao seu alcance, o Governo interferiu comprometendo inclusivamente a autonomia da assembleia.

- A decisão da suspensão de Sulu Sou foi indicada pelo Governo de Macau?

J.M. - Não sei se foi indicada mas houve interferência e acho que houve pressão. Basta ver pelo comportamento dos deputados nomeados. 

- Há mais exemplos de interferência?

J.M. – Notei através de manifestações de pessoas próximas do Governo. 

- Por exemplo?

J.M. – O único momento em que houve apoio a uma causa que o Sulu Sou também se opunha foi contra a da proposta dos deputados Vong Hin Fai e Ko Hoi In. O disparate foi tão grande e revelava tanta ignorância jurídica e prepotência que houve um uníssino na sociedade civil. Leonel Alves foi dos primeiros, disse logo que aquilo não se aceitava porque violava regras da nossa forma de viver. Só o deputado Pereira Coutinho teve um comportamento exemplar. Ainda bem que há pelo menos um deputado que teve a coragem de estar do lado da razão, da minoria e em constante combate contra todos os seus pares e o Governo. Foi o único momento que sentimos que o poder abanou. Fora isso, os poderes económio e político estiveram sempre do lado oposto ao de Sulu Sou. Não é uma coincidência linda que os fortes e poderosos estejam todos contra um cidadão que é eleito para lutar contra a corrupção, a favor dos poderes democráticos, pelos valores de Estado de Direito? Não é uma coincidência que quem está contra são os que estão de bolsos cheios? Sulu Sou devia por isto no currículo.

- Já foi agredido por causa de casos que defendeu. Sentiu repercussões por ter assumido a defesa de Sulu?

J.M. - Se tivesse medo, teria abandonado Macau em 2013 quando fui agredido. Senti pressão indireta nos primeiros dias e em certos momentos em que o debate se elevou como o do processo contra a assembleia. Pressão de receber mensagens com avisos de que não era bom para a minha carreira, que estava a desafiar demasiado as pessoas, que eram muitas coisas ao mesmo tempo. Não acho que haja motivo para qualquer preocupação. Quem ficou incomodado não é pessoa que queira ter ao lado ou como cliente.

- Foi um caso especialmente desafiante?

J.M. - Foi um processo muito cansativo para estar à altura do desafio que isto colocava aos tribunais e à RAEM. Fi-lo também para me aproximar da grandeza de Sulu Sou e Scott Chiang. O que este processo teve de bom e que gostava que tivesse tido mais era o do património jurídico sobre Macau e sobre a separação de poderes.

Catarina Brites Soares, 20.07.2018 | em Plataforma

Portugal | Se a esquerda vai mal, o que dizer da direita?


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

O debate da nação representou a grande desilusão para uma direita convencida que esse mesmo debate mostraria ao país todas as fragilidades da famigerada “geringonça”. Saiu tudo ao contrário: apesar das dificuldades, a esquerda mostrou-se mais coesa do que muitos gostariam, não dando quaisquer sinais de cisão. Não passa tudo de um conjunto de exercícios para garantir os votos dos respectivos eleitorados.

O Debate da Nação veio antes pôr a nu a tibieza da direita, inexoravelmente dependente de uma crise na “geringonça” para poder voltar a sonhar com o poder, designadamente o PSD.

Se a esquerda vai mal, com divergências no que toca ao pagamento da dívida e às soluções para Educação e Saúde, o que dizer do vazio que continua a reinar à direita? No caso do CDS não há muito a dizer pura e simplesmente porque não passa nada para além da habitual vacuidade e amiúde imbecilidade (impossível encontrar outra palavra depois de ouvir Assunção Cristas comparar a tourada a um bailado, entre outras pérolas). No caso do PSD a mudança de liderança apenas veio mostrar ao país que o partido se encontra ainda mais frágil do que se imaginava, com os órfãos de Passos Coelho a chorarem constantemente, envoltos em sistemáticas birras, sem que o partido alguma vez se consiga livrar da mediocridade reinante.

E então? Onde é que está verdadeiramente a crise? À esquerda ou à direita?

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

Portugal | Vamos pagar 4 mil milhões por ano à NATO?


Pedro Tadeu | Diário de Notícias | opinião

Quando saiu da reunião da NATO, dominada pela exigência do presidente dos Estados Unidos da América aos outros países membros de chegarem a um valor de despesa com a defesa de 2% do PIB, (e, a médio prazo, de fazerem subir esse valor para 4%), o primeiro-ministro português explicou que o seu governo entregara uma proposta para satisfazer essa pretensão, dependente da obtenção de fundos comunitários e presumindo o investimento dessas quantias em áreas benéficas para a economia nacional.

Nem esses tais fundos estão garantidos, como o próprio António Costa admitiu, nem, digo eu, a política de aquisição de armamentos de Portugal é hoje em dia autónoma e verdadeiramente soberana, pois tem de se subordinar a opções estratégicas da NATO.

Sim, terá lógica reforçar meios para proteger os recursos marítimos portugueses mas, até por força da impetuosidade atual da gerência norte-americana, basta uma qualquer guinada política de Donald Trump para esse objetivo deixar de estar acertado com quem manda, obediente ao poder de Washington, na NATO. Nessa circunstância será duvidoso que tal ilusão portuguesa possa ser uma realidade.

Talvez o comando da NATO ache hoje em dia ser boa ideia os portugueses comprarem mais aviões KC390 mas se, no futuro, passar a dar parecer negativo a essa aquisição, duvido que uma compra dessas se realize.

Temos um pais que paga 7 ou 8 mil milhões de euros anuais em juros por dever ao estrangeiro 178 mil milhões, que soma um total de dívida pública acima de 250 mil milhões, (mais de 125% do PIB); que está, por compromissos externos, obrigado a limitar a nove mil milhões de euros a despesa com o Serviço Nacional de Saúde e a sete mil milhões o custo da educação pública.

Temos um país nesta situação, sem uma solução de rotura com tal statusquo. Isto deveria suscitar uma discussão séria sobre se vale a pena passar o custo militar dos atuais mil e 800 milhões de euros para 4 mil milhões, aparentemente só para calar a boca ao senhor Donald Trump.

Mas não, não vejo textos, nem opiniões nem reparos críticos, pelo contrário. Até o líder da oposição, Rui Rio, foi lesto em dar a mão ao governo nesta questão, concordando muito rapidamente em aumentar a contribuição do país para a NATO... mas ninguém quer mesmo discutir isto? Está tudo de acordo com este aumento de despesa?!

Acho mesmo muito estranha a leveza com que se admite a possibilidade de aumentar, permanentemente, a despesa militar portuguesa em 700, 800, mil milhões, dois mil milhões de euros por ano, até chegar a um total de 4 mil milhões(e não fechar a porta à duplicação desse valor) quando as paixões se inflamam em cegueira fanática no debate sobre aumentos, muito inferiores, nas despesas com a saúde, o ensino ou a segurança social... E nem quero falar do dinheiro dos contribuintes que se perdeu e se perde com bancos falidos.

Só penso nos coitados dos professores, dos médicos e dos enfermeiros que aturam insultos sempre que levantam a cabeça a pedir coisas tão básicas como condições de trabalho decentes, carreiras normalizadas ou contratação de pessoal para responder de forma eficiente ao serviço...

E também penso nos militares que, hoje em dia, nem gente suficiente têm para fazer rondas capazes de guardar, por exemplo, o paiol de Tancos e lêem estas notícias, que parecem falar de um país de ficção!

Acontece, porém, que a NATO é liderada por uma potência, os Estados Unidos da América, que, por sua vez, é liderada por um homem que vê inimigos na União Europeia, na Rússia e na China; um homem que abriu uma guerra comercial para mudar o jogo da globalização e que força alterações no equilíbrio geoestratégico capazes de perdurarem muito para além dos seus previsíveis oito anos de mandato.

E, apesar dos países europeus da NATO estarem todos incomodados com Trump, de gastarem, já hoje, mais em defesa do que a Rússia e tanto quanto a China, aceitam a exigência despesista dos Estados Unidos e recusam dizer, claramente, "não". Porquê?!

Face a esta realidade, gostava de perguntar o seguinte a todos os que acham que a NATO é uma coisa muito cá da casa e que a União Europeia foi o melhor que nos aconteceu na vida: com Donald Trump ao comando, a NATO serve para quê? É para nos defendermos da China? Da Rússia? Dos imigrantes do Mediterrâneo? Do terrorismo moribundo?... ou da União Europeia?!

Vamos mesmo dar a esta confusa NATO do senhor Trump, todos os anos, 4 mil milhões de euros?... Para quê, meu Deus, para quê?!

Portugal | Jerónimo de Sousa sobre escolhas


«É preciso fazer escolhas que sirvam os trabalhadores, o povo e o País e isso exige romper com os constrangimentos que o inviabilizam»

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-ministro,
Senhores membros do governo,
Senhoras e senhores deputados,

O estado da Nação é o estado de um País em que há avanços mas que precisa de outra política para garantir o seu futuro.

Foi travada a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e do povo que estava em curso com a política dos PEC e do Pacto de Agressão da troika e foram tomadas medidas de defesa, reposição e conquista de direitos e de resposta a alguns dos problemas mais imediatos dos trabalhadores e do povo mas as opções feitas pelo actual Governo PS em questões centrais da acção governativa não inverteram o rumo de declínio nacional e submissão aos interesses do capital e às imposições da União Europeia.

As medidas positivas para os trabalhadores e o povo tomadas nos últimos dois anos e meio não apagam os problemas acumulados em mais de quatro décadas de política de direita mas dão a noção clara do caminho que há a fazer: prosseguir a defesa, reposição e conquista de direitos, levar mais longe a resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo, concretizar uma verdadeira política alternativa, patriótica e de esquerda, que responda aos problemas estruturais do País e assegure o seu desenvolvimento soberano.

O PCP tem tido um papel decisivo nas conquistas alcançadas nesta nova fase da vida política nacional e mantém a sua determinação de continuar a lutar por todos os avanços que seja possível alcançar no quadro da luta pela política alternativa, patriótica e de esquerda.

Luta necessária face à situação do País.

Um País atingido pelos graves problemas económicos e sociais decorrentes dum domínio pelos monopólios nacionais e principalmente estrangeiros que cria promiscuidades, gera corrupção, transfere para o estrangeiro o controlo sobre sectores estratégicos e põe fora do País milhares de milhões de euros em dividendos.

Problemas que estão presentes nos CTT, na PT, na ANA - Aeroportos que põem os seus lucros à frente do interesse nacional; na privatizada GALP e nos combustíveis com os preços cartelizados; nas rendas excessivas e super lucros da EDP, na drenagem de dinheiro público para a banca, de que é exemplo a nova injecção de capital no Novo Banco.

Um País marcado pela política que insiste numa legislação laboral favorável à exploração e ao emprego precário e sem direitos, em que o acordo subscrito entre o Governo PS as confederações patronais e a UGT assume particular gravidade com a manutenção da caducidade da contratação colectiva, a recusa da aplicação do princípio do tratamento mais favorável, a introdução de elementos de legitimação da precariedade e formas de desregulação dos horários de trabalho. Uma política que projecta para o futuro o aviltante quadro de fracas e curtas pensões de reforma, porque com salários baixos para os jovens de hoje não há reformas dignas na velhice de amanhã.

Um País marcado pela política de abandono do interior e do mundo rural com graves consequências para o País, como ficou evidente nas consequências trágicos incêndios de 2017 cuja recuperação está apenas concluída no discurso mas não na realidade das populações.

Um País marcado pelo processo de transferência de competências para as autarquias, em que o PSD aceitou dar ao PS o apoio que não tinha sozinho para colocar às costas das autarquias responsabilidades que são do Poder Central, atacando o Poder Local Democrático e pondo em causa a universalidade de direitos sociais.

Mas igualmente um País marcado pela obsessão do défice e pela recusa de renegociação da dívida que impedem, entre muitas outras coisas, o investimento público, a melhoria dos serviços públicos e a valorização dos seus trabalhadores.

A situação na saúde é particularmente preocupante.

Está em curso uma poderosa operação contra o SNS. Alimentados em grande parte por recursos públicos, os grupos privados da saúde querem continuar a expandir o seu negócio e a aumentar os seus lucros à custa da degradação do SNS, da captura dos seus profissionais e utentes. Lançaram por isso contra o SNS a campanha que está em curso a partir de problemas reais que resultam de décadas de falta de investimento, da falta de pessoal, da falta de capacidade de resposta aos utentes, da ausência das medidas necessárias pelo actual governo.

Exige-se que o Governo tome as medidas necessárias de investimento no SNS, de contratação de pessoal, de investimento em equipamentos e infraestruturas, mas também as medidas que ponham fim à gula dos grupos privados, à transformação da saúde num negócio e ao seu financiamento com recursos públicos que têm de estar alocados ao SNS.

Na educação a preocupação não é menor. Faltam profissionais e investimentos. Exige-se ao Governo que contrate os trabalhadores em falta, que vincule aqueles que estão em situação de precariedade e faça o investimento necessário nas infraestruturas e nos equipamentos escolares.

Que garanta como diz a lei do Orçamento do Estado, a contagem integral do tempo de serviço prestado pelos professores e outros trabalhadores com carreiras específicas.

Também nos transportes há preocupações sérias que têm de ser encaradas com o aumento do investimento, a adequada manutenção dos equipamentos, a modernização das empresas públicas de transporte e a valorização dos seus trabalhadores.

Na saúde, na educação e nos transportes, como na protecção social, na ciência e na cultura, na justiça, no apoio aos sectores produtivos e à produção nacional, o investimento público é um aspecto central para ultrapassar os graves problemas com que o País continua confrontado.

Problemas que continuam a ser ampliados pelas consequências da submissão às imposições da União Europeia. O Governo cumpre zelosamente as imposições da União Europeia contrárias ao interesse nacional à espera de que isso seja compensado com soluções que nunca chegarão de uma União Europeia mais preocupada em acentuar a sua dinâmica neoliberal, militarista e federalista.

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-ministro,
Senhores membros do governo,
Senhoras e senhores deputados,

É preciso fazer escolhas.

Escolhas que sirvam os trabalhadores, o povo e o País e isso exige romper com os constrangimentos que inviabilizam o desenvolvimento do País, como o da submissão ao Euro e do serviço de uma dívida insustentável que vai sugar 35 mil milhões de euros em juros até 2022.

Escolhas que exigem canalizar a margem de crescimento económico para áreas como o investimento, a defesa da produção nacional e para o reforço dos serviços públicos e não para garantir tudo e depressa à União Europeia, ao BCE, aos "mercados", ao capital monopolista. Que exigem travar a drenagem dos dois mil milhões de euros ao ano para as PPP ou os mais de 1,2 mil milhões gastos em swaps. Exigem por cobro à fuga do grande capital ao pagamento dos impostos pelo recurso aos paraísos fiscais e pela engenharia fiscal.

Só em 2017 a EDP deveria ter pago cerca de 400 milhões de euros em impostos mas pagou apenas 10 milhões.

Diz-se que não há dinheiro para tudo, mas sobra sempre muito dinheiro para uns poucos!

A solução para os graves problemas do País não se encontra mantendo a mesma política e o mesmo fracassado modelo que levou o País ao retrocesso e ao atraso.

O País precisa de respostas claras.

Respostas que, no período mais imediato, ganhem expressão nos planos: da revogação das normas gravosas da legislação laboral; dos salários, assegurando o seu aumento geral no sector privado e na administração pública e do salário mínimo nacional fixando-o em 650 euros a 1 de Janeiro de 2019; do aumento do investimento público; do reforço dos apoio sociais, prosseguindo o aumento extraordinário das pensões, a universalização do abono de família, o direito à reforma sem penalizações; do apoio aos pequenos e médios empresários designadamente a eliminação do Pagamento Especial por Conta; da política fiscal tributando o património mobiliário, os lucros e dividendos e desagravando os rendimento do trabalho; do apoio efectivo à cultura; da reposição do IVA na electricidade e no gás nos 6%; no apoio à agricultura familiar e ao mundo rural e para fazer face às consequências dos incêndios.

Portugal precisa de uma política patriótica e de esquerda para dar resposta aos seus problemas.

Uma política patriótica e de esquerda que liberte o País da submissão ao Euro e das imposições e constrangimentos da União Europeia e defenda a renegociação da dívida.

Uma política patriótica e de esquerda que passa, necessariamente, por pôr Portugal a produzir, com mais agricultura, mais pescas, mais indústria, a criar mais riqueza e a distribuí-la melhor, apoiando as micro, pequenas e médias empresas;

Uma política patriótica e de esquerda de valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas, de garantia do direito de todos à saúde, à educação, à cultura, à habitação, à protecção social, aos transportes.

É este caminho, é esta alternativa para um Portugal com futuro, é por esta política que o PCP luta e lutará.


» em Pravda.ru 

Foto: José Goulão from Lisbon, Portugal - Jerónimo de Sousa, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3491425

O Establishment USA por trás da Cimeira de Helsínquia


Manlio Dinucci*

Embora a imprensa internacional tenha distorcido o conteúdo da Cimeira da NATO, o Establishment norte-americano compreendeu perfeitamente o único desafio: o fim da inimizade com a Rússia. Por esta razão, interromper a Cimeira USA-Rússia de Helsínquia, tornou-se a sua prioridade. É necessário, por todos os meios, opôr-se a uma reaproximação com Moscovo.

“Temos de discutir sobre tudo, do comércio aos assuntos militares, aos mísseis, à energia nuclear, à China”: assim fez a sua estreia, o Presidente Trump, em 16 de Julho, na Cimeira de Helsínquia. “Chegou a hora de falar detalhadamente sobre as nossas relações bilaterais e sobre os pontos nevrálgicos internacionais”, salientou Putin. Mas para decidir quais serão, no futuro, as relações entre os Estados Unidos e a Rússia, não são só os dois presidentes.

Não é coincidência que, assim que o Presidente dos Estados Unidos estava prestes a reunir-se com o Presidente da Rússia, o Procurador especial, Robert Mueller III, incriminava 12 russos sob a acusação de manipularem as eleições presidenciais nos EUA, penetrando nas redes de computadores do Partido Democrata para prejudicar a candidata Hillary Clinton. Os doze, acusados de serem agentes do serviço secreto GRU, são oficialmente denominados “Os Conspiradores” e indiciados por “conspiração contra os Estados Unidos”.

Na mesma altura, Daniel Coats, Director da National Intelligence e principal Conselheiro do Presidente sobre esta matéria, acusou a Rússia de querer “minar os nossos valores básicos e a nossa democracia”. Lançava, assim, o alarme sobre a “ameaça dos ataques cibernéticos alcançarem um ponto crítico” semelhante ao que precedeu o 11 de Setembro, da parte não só da Rússia, “o agente estrangeiro mais agressivo”, mas também da China e do Irão.

Ao mesmo tempo, em Londres, os “investigadores” britânicos comunicavam que o serviço secreto russo GRU, que sabotou as eleições presidenciais nos Estados Unidos, é o mesmo que em Inglaterra envenenou um antigo agente russo, Sergei Skripal, e a sua filha, inexplicavelmente sobreviventes a um gás extremamente letal. O objectivo político destas “investigações” é claro: sustentar que o chefe dos “Conspiradores” é o Presidente russo, VladimirPutin, com quem o Presidente Trump se sentou à mesa das negociações, apesar da vasta oposição bipartidária nos USA.

Após a incriminação dos “Conspiradores”, os Democratas pediram a Trump para cancelar o encontro com Putin. Mesmo que não tenham conseguido, permanece forte a pressão deles sobre as negociações. O que Putin tenta obter de Trump é simples, mas, ao mesmo tempo, complexo: aliviar a tensão entre os dois países. Para isso, ele propôs a Trump, que aceitou, uma investigação conjunta sobre a “conspiração”.

Não se sabe como se desenvolverão as negociações sobre as questões cruciais: o estatuto da Crimeia, a condição da Síria, as armas nucleares e outras. Nem se sabe o que Trump vai perguntar. No entanto, é certo que toda concessão pode ser usada para acusá-lo de conivência com o inimigo. Opõem-se a um afrouxamento da tensão com a Rússia, não só os Democratas (que, com uma inversão dos papéis formais, desempenham o papel dos “falcões”), mas também muitos Republicanos, incluindo representantes destacados da própria Administração Trump. É o ’Establishment’ não só nos USA, mas também na Europa, cujos poderes e lucros estão ligados às tensões e às guerras.

Não serão as palavras, mas os factos a demonstrar se a atmosfera descontraída da Cimeira de Helsínquia se tornará realidade.

Acima de tudo, com uma não escalada da NATO na Europa, isto é, com a retirada das forças nucleares USA/NATO enviadas contra a Rússia e o bloqueio da expansão da NATO para Leste. 

Mesmo que, sobre estas questões, fosse alcançado um acordo entre Putin e Trump, seria este último capaz de o concretizar? 

Ou, na realidade, essas mesmas questões serão decididas pelos poderosos círculos do complexo militar-industrial?

Uma coisa é certa: não podemos, em Itália e na Europa, permanecer meros espectadores de negociações das quais depende o nosso futuro.


*Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016.

Os EUA de Trump revivem os zoológicos humanos


Encarceramento de crianças retoma uma história do colonialismo, cuidadosamente esquecida: as exposições em que indivíduos dos “povos primitivos” eram apresentados como animais nas capitais “cultas” do Ocidente

Ariel Dorfman | Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho e Mauro Lopes

Quando Donald Trump acusou recentemente os “imigrantes ilegais” de querer “invadir e infestar nosso país”, houve um clamor imediato. Afinal aquele verbo, infestar, fora usado pelos nazistas para desumanizar judeus e comunistas como ratos, vermes ou insetos que precisam ser erradicados.

Contudo, ninguém deveria ter se surpreendido. O presidente tem uma longa história de atacar pessoas não brancas como se fossem animais. Em 1989, por exemplo, reagindo ao estupro de uma mulher branca no Central Park de Nova York, ele publicou anúncio de página inteira em quatro dos principais jornais da cidade (a um custo total de 85 mil dólares) pedindo o restabelecimento da pena de morte e denunciando “bandos de criminosos selvagens perambulando pelas ruas”. Ele estava, é claro, referindo-se aos cinco jovens negros e latinos acusados do crime, pelo qual foram condenados – e, dez anos mais tarde, absolvidos quando um assassino e estuprador em série confessou finalmente o crime.

Trump nunca se desculpou pelo julgamento apressado ou opiniões cheias de ódio, que viriam a se tornar modelo para seus ataques a imigrantes durante a campanha eleitoral de 2016 e em sua presidência. Ele declarou muitas vezes que algumas pessoas não são seres humanos de verdade, mas sim animais, apontando em particular para membros da gang MS-13. Num comício em Tennessee no final de maio, ele ampliou esse tipo de investida, incitando uma multidão frenética a gritar entusiasticamente essa palavra – “animais!” – de volta. Dessa forma, transformou as pessoas presentes em cúmplices de seu fanatismo. Nem são seus insultos e tiradas raciais meros floreios retóricos. Eles têm tido consequências bem reais. Basta olhar para as gaiolas onde ficaram presas crianças sem documentação, separadas de seus pais na fronteira EUA-México ou perto dela – como se fossem de fato animais. Repórteres e outras pessoas sempre descreviam essas áreas de detenção como sendo semelhante a um “zoo” ou um “canil” – para não falar de seus pais, que também estão presos atrás de barreiras de arame, mesmo despertando muito menos atenção e protesto.

Uma história de humanos enjaulados

Os discursos e comícios furiosos do presidente, junto com as gaiolas e centros de detenção, trouxeram o nazismo à mente de alguns, mas talvez seja mais esclarecedor pensar neles como ecos de um momento anterior na história, em que comparar humanos de pele escura a animais dificilmente causava agitação. Seria considerado parte do discurso normal, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

No final do século 19 e início do século 20, milhões de europeus e norte-americanos consideravam perfeitamente natural tratar certos membros de nossa espécie como se fossem bestas, quase literalmente. Eles não se abalavam, assim sugerem os documentos históricos, com a ideia de ver tais “animais”, tais esquisitices, exibidas em jaulas de zoológicos literais, em eventos públicos ruidosos. Agora pode ser difícil de acreditar, mas um número assustador de nossos antepassados já foram agrupados em “zoológicos humanos“, onde milhares de nativos sequestrados da Ásia, África e América Latina eram expostos a inspeção, curiosidade e escárnio, bem como passavam, às vezes, por experimentação científica.

Hoje, tais violações inimagináveis dos direitos humanos quase desapareceram da memória pública. Eu mesmo ouvira apenas vagamente sobre zoos humanos, até que passei a ficar obcecado por eles quando a pesquisa para meu último romance, Darwin’s Ghosts (Fantasmas de Darwin), me conduziu ao mundo dos circos humanos. Descobri que o fenômeno havia sido lançado da forma mais modesta.

Cento e setenta anos atrás – em 1848, um ano de revoluções em todo o globo – Claus Hagenbeck, um pescador de Hamburgo, na Alemanha, decidiu cobrar para que as pessoas dessem uma olhada em algumas focas árticas que nadavam numa grande banheira no quintal de sua casa. Logo esse primeiro tímido passo empresarial transformou-se num negócio familiar altamente lucrativo, com a exibição de animais selvagens, ao mesmo tempo em que Hagenbeck alimentava crescentes demandas por bestas maravilhosas para povoar circos e rechear coleções particulares de monarcas e outros ricos.

No final, os animais já não bastavam. No início dos anos 1870, em conjunto com o Jardim de Aclimatação, de Paris, e empresários norte-americanos como P.T. Barnum, a família Hagenbeck começou a explorar a exposição de “selvagens” dos cantos mais distantes do planeta. As primeiras vítimas desse desejo de trazer exemplares do resto da humanidade para espectadores no Ocidente foram os lapões, exibidos num cenário feito para parecer com uma de suas aldeias. (Impulso similar deu origem aos dioramas, que logo começaram a florescer nos museus da história natural.)

Aquela primeira exibição em Hamburgo dos “pequenos homens e mulheres” lapões mostrou-se tão sensacional – foram organizadas viagens a Berlim, Leipzig e outras cidades alemãs – que o desejo de ver humanos mais “primitivos” logo tornou-se insaciável. Caçadores antes especializados em localizar e trazer animais selvagens para a Europa e os Estados Unidos foram instruídos para buscar vida selvagem humana igualmente exótica. Eles não deveriam ser, era logo estipulado, tão monstruosos a ponto de enojar as plateias, mas também não poderiam ser bonitos a ponto de deixar de ser bizarros.

Os lapões foram seguidos por uma multidão de habitantes originários dos quatro cantos do planeta retirados à força de seus habitats: esquimós, cingaleses, kalmuks, somalis, etíopes, beduínos, núbios do Alto Nilo, aborígenes australianos, guerreiros Zulu, índios Mapuche, ilhéus Andaman do Pacífico Sul, caçadores de cabeças de Bornéu. A lista seguia mais e mais, conforme aqueles zoos humanos se espalhavam da Alemanha para a França, Inglaterra, Bélgica, Espanha, Itália e Estados Unidos, países que – coincidência! – eram justamente as potências imperiais do globo naquela época.

Representantes de grupos étnicos de todo o planeta logo tornaram-se destaque dos pavilhões das então populares Feiras Mundiais. Além de oferecer entretenimento para toda a família -– podem ser pensadas como equivalentes aos reality shows da TV de hoje -– aquelas exibições eram vendidas como experiências “educacionais” pelas empresas que lucravam com elas. Esse painel de pessoas “pré-históricas” era uma maneira de visitantes afluentes se espantarem e se surpreenderem com os habitantes bizarros de terras distantes, que estavam sendo incorporados por seus países com grande violência, via domínio colonial. De fato, era tamanha violência que algumas das populações nativas em exibição, como diversos grupos da Patagônia e Terra do Fogo, na extremidade sul da América Latina, já estavam então à beira da extinção. Um dos atrativos para ver espécimes vivos daqueles estranhos homens, mulheres e crianças era fazê-lo antes que seus últimos remanescentes, juntamente com suas línguas e culturas, desaparecessem da face da Terra.

Mesmo que você estivesse entre os milhões de norte-americanos e europeus que não podiam visitar pessoalmente tais mostras populares, aldeias étnicas e zoológicos humanos, você ainda poderia experimentar, de forma barata e indireta, aqueles outros exóticos. A imagem dos cativos – que evidentemente foram fotografados sem seu consentimento – eram comercializadas em escala industrial. Os cartões postais sobre os quais seus rostos e corpos eram propagandeados logo se tornaram uma característica da vida cotidiana, mais um modo de normatizar o zoológico humano, lavar sua imagem, e enviá-lo para casa sem um pensamento sequer sobre os horrores, o sofrimento daqueles cativos ou como suas crianças, maridos, esposas, mães, pais, parentes e amigos, deixados para trás, estariam enfrentando o trauma de ter suas pessoas amadas arrancadas de seu meio.

Nem eram tais atos repudiados pelos mais ilustres membros daquelas sociedades “avançadas”. Pelo contrário, muitas abduções haviam sido financiadas por instituições científicas ansiosas por descobrir como tais espécimes poderiam encaixar-se na teoria da evolução de Darwin. As pesquisas, por sua vez, eram apoiadas por funcionários de governo mais que dispostos a mostrar seu respeito e apoio aos estudiosos que investigavam as origens da humanidade. Seriam aqueles africanos e sul-americanos inteiramente humanos, ou fariam parte dos elos perdidos da grande cadeia de seres que desembocaram em nossa espécie? Naturalistas e doutores eminentes não só debatiam essas questões, mas davam palestras e escreviam tratados sobre elas e (no que era então considerado experimento científico) perfuravam os corpos daqueles que cometeram o erro de nascer longe do chamado mundo civilizado.

Os Ota Bengas de hoje

Hoje em dia, é claro, os zoológicos humanos e os experimentos médicos com seres humanos vivos enjaulados são inconcebíveis. A consciência da humanidade, consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU há 70 anos, tornou tais práticas infames e intoleráveis. Quem hoje poderia aceitar o destino de Ota Benga, um pigmeu do Congo que foi trancafiado com os primatas no Zoológico do Bronx, em Nova York, em 1906, e cometeu suicídio uma década depois, quando percebeu que nunca seria capaz de retornar à sua terra natal? Quem entre nós levaria seus filhos para ver “elos perdidos” como os anões tailandeses, os índios da Amazônia ou os aldeões sudaneses, como se fossem aberrações da natureza, e não seres humanos?

Infelizmente, as congratulações ainda devem continuar arquivadas, dada a frequência com que os mesmos impulsos racistas ressurgem hoje, e não apenas nas diatribes intempestivas do presidente que equiparou humanos [imigrantes] e animais (nenhuma dessas diatribes provocou até agora indignação na maioria de seus seguidores). Uma desumanização similar de estranhos com rostos e peles mais escuras parece animar os atuais sentimentos de repulsa aos imigrantes em muitos países, como um desejo de escapar da “infestação” do exterior e manter versões míticas de pureza racial e identidade nacional. Será que somos tão distantes dos espectadores que observavam outros seres humanos enjaulados num zoológico, há um século, sem piscar os olhos ou sentir-se perturbados?

Em retrospecto, o que é mais preocupante em relação aos zoológicos humanos do passado é como aqueles que participaram de tais espetáculos degradantes foram indiferentes aos crimes cometidos diante de seus olhos. Muitos deles julgavam-se cidadãos decentes e esclarecidos, brilhantes defensores do progresso, da ciência e da liberdade.

Em Berlim, em 1882, a polícia teve que ser chamada para reprimir um tumulto dos visitantes de uma exposição de 11 nativos Kaweshkarraptados na Terra do Fogo. Milhares de visitantes, embriagados com cerveja, começaram a apedrejar as pessoas aprisionadas, exigindo que se acasalassem em público.

O que dizer do destino de duas mulheres Kaweshkar, cujos órgãos sexuais, depois de morrerem em cativeiro, foram arrancados de seus corpos e enviados para ser examinados por um proeminente pesquisador alemão interessado em descobrir como tais criaturas poderiam ser diferentes das mulheres europeias?

Tantas décadas depois, é fácil condenar tais ofensas. Mais difícil e doloroso é perguntar: quais injustiças estão acontecendo agora e que consideramos ser tão normais quanto, há apenas algumas gerações, consideravam-se normais os zoológicos humanos ou a ausência de direitos das mulheres ou a escravidão infantil?

E a aniquilação impensada de espécies que nem conseguimos contar, a pilhagem da natureza, a perda de sabedoria armazenada durante milênios por grupos étnicos que estão desaparecendo rapidamente? E o encarceramento punitivo de milhões, tantas vidas desperdiçadas? E nossa incrivelmente contraproducente “guerra às drogas” que destrói cidades, nações e vidas desnecessariamente? Ou a nossa incapacidade de nos livrar da praga da proliferação nuclear, da brutalidade da fome generalizada, das intermináveis guerras dentro dos EUA, dos centros de detenção para imigrantes e seus filhos nesse país, do espetáculo de menores sem documentos calados em jaulas e chorando por seus pais, ou os campos de refugiados transbordantes em outras partes do mundo? E quanto a tantas crianças desterradas de seus países devastados pela guerra ou encarceradas na pobreza? Onde está a indignação sobre eles? Quem marcha para libertá-los de seu cativeiro estrutural? E quem percebeu as 10 mil crianças assassinadas ou mutiladas em conflitos armados, somente em 2017, mortes invisíveispara nós?

Aqueles zoológicos humanos de um passado não tão distante apresentam-nos uma questão aterrorizante: para quais horrores cotidianos do mundo de hoje nossos descendentes olharão com repugnância e revolta? Como, eles se questionarão, seus ancestrais puderam ser tão cegos a ponto de tolerar tais transgressões contra a humanidade?

*Ariel Dorfman é escritor, pensador e professor argentino; um dos maiores intelectuais contemporâneos da América Latina.

Foto: Indianos da região do Malabar (sudoeste do país) exibidos no Jardin d’Acclimatation (Paris), talvez o mais famoso zoológico humano na virada do século XIX para o XX

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